UM BODE PARA CHAMAR DE MEU.
Eu não falo de amor.
Amor não existe pra mim.
No meu mundo as pessoas se matam, mas não se casam. Ninguém
se casa comigo.
É engraçado quando me perguntam dos temas “homoeróticos”,
mais ainda dos temas “homoafetivos” – onde está o afeto? Isso não me interessa.
Ao menos, não como tema. Me interessa o conflito, a dor, a solidão, é sobre
isso que quero falar. Por isso o silêncio. Por isso nunca me aprofundei nas
relações (homo) amorosas, aqui no blog, nos meus livros...
Como um autor gay... Como um autor, e gay, às vezes me sinto
devendo à militância. Não me sinto cobrado
pela militância, não me entenda mal, ninguém me cobra nada porque literatura
não tem importância, não faz diferença, mas eu penso que poderia estar fazendo
mais, cada vez que um homossexual leva uma lâmpada na cara, cada um que aparece
morto na rua, isso me interessa.
E quando um colunista
equivocado como J.R. Guzzo, escreve um artigo como o que saiu na Veja passada.
Um desastre.
Entre outras coisas, ele fala que “casamento gay” não faz
sentido por não gerar filhos, compara a relação entre dois homens com a de um
homem e uma cabra (o que gerou uma série de divertida paródias da “comunidade”
gay) e que os gays “não precisam mais levar uma
vida de terror, escondendo sua identidade para conseguir trabalho, prover o seu
sustento e escapar às formas mais brutais de chantagem, discriminação e
agressão.” (!!!)
Eu não perderia tempo
discutindo cada um dos pontos aqui. Porque isso já foi feito por gente mais centrada,
e principalmente porque acho que quem lê este blog já tem o mínimo bom senso (espero).
Também nunca gostei de pegar os assuntos do momento para tentar audiência. Isso
aqui é o Jardim Bizarro, eu sempre quero expor algo diferente. Mas, enfim,
claro que é um tema que me cutuca...
Não sou um homossexual nada
radical. Não acho que todo homofóbico é enrustido. Prefiro nem acreditar na
maldade dos comentários de gente como o Sr. J.R. Guzzo, (apesar desse nome um
quanto tanto estranho...). Acho que na maioria das vezes é mesmo apenas
ignorância. Cada um é apenas um, A gente não tem ideia do que se passa na
cabeça do outro. O hétero que só fez troca-troca com o primo na infância não
tem porque não achar que o primo continuou com aquilo por pura sem-vergonhice. Ninguém
entende como nasce e se restringe o desejo.
Então não acredito mesmo que
um hétero entenda pelo que passa um gay. Uma vida INTEIRA se achando diferente,
tanto dos modelos sociais, midiáticos, quanto dentro de casa (pela maioria ser
criada em famílias heterossexuais). O negro sofre preconceitos, e não pode
esconder sua identidade, mas na imensa maioria das vezes encontra identificação
dentro de casa, a família. O homossexual é mais ou menos como o deficiente, que
nasce numa família tida como perfeita, mas não se espelha, só que com a
vantagem/complicação de poder se esconder.
É ÓBVIO que ser gay hoje
ainda é um problema. “BICHA”, “VEADO” ainda são xingamentos, dos mais pesados.
Qualquer insinuação de relação gay ainda é considerada ofensiva ou engraçada.
Lembro da minha última entrevista no Programa do Jô, ano passado, quando a
plateia caçoou por ele ter perguntado se eu já havia pegado numa cobra. Uma
brincadeira primária. Minha resposta foi: “Já, qual é o problema?” Tipo, tem
algo muito extraordinário por eu ter pegado um pau? Hohoho, que engraçado. Ou
que eu tenha chupado, dado; parece que todo mundo nasceu de mãe virgem. Se eu
não fiz, sua mãe fez. Se eu não peguei cobra, peguei perereca, aranha, whatever
– é mais engraçado? Pois é, ser gay ainda
é piada de papagaio.
Hoje se fala que gay está na
moda, usa-se expressões como “máfia gay”; eu acho tudo isso uma grande bobagem.
Apenas está se reconhecendo que essas pessoas existem, em grandes números. Se
houve uma moda, já passou, ficou lá nos anos setenta, sei lá, porque hoje o que
é reconhecido como “estilo gay” é a coisa mais cafona que aparece nas novelas
da Globo. Não faz parte da moda.
Também uma grande bobagem
quem diz que “o que acontece entre quatro paredes não interessa a ninguém”,
mentira. Sexualidade é muito mais do que isso. Dita a forma como pessoas se
vestem, o som que ouvem, para onde saem, o que procuram no dia-a-dia. E
sexualidade é fruto de relações afetivas. Então não é só gente que quer andar
de mãos dadas na rua, que quer poder comprar apartamento junto, que quer
garantir direito de herança e adoção, é gente que quer ser enxergada, mesmo que
não compreendida.
A “propaganda do homossexualismo” bem que poderia
existir. Do que esse povo reclama? Precisamos mesmo de mais procriadores? Estamos num mundo superpopuloso, deixe
esses inférteis se juntarem, deixem adotarem as crianças sem pai. Deixem-nos se
matarem com suas doenças, que seja. E que queimem no Inferno se isso é pecado –
o problema é deles. No final só sobrará mais mulher para os poucos héteros
comerem. Sério, nunca entendi, qual é o PROBLEMA para um hétero que todos os
outros homens do mundo sejam gays?
Ser gay não é fácil, mas
como quase tudo na vida, depois que se assume, que se acostuma, fica gostoso.
Eu já tive namoradas, não posso dizer que nunca mais vou ter, mas hoje acho
difícil de pensar numa convivência com uma mulher na minha casa. Não estou mais
acostumado. Mas estou precisando de uma faxineira...
Como propaganda, posso dizer
que a relação entre dois homens é bem mais fácil, mais igualitária. Ser gay
também te dá acesso a um clube exclusivo internacional. Você pode ir para outra
cidade, para o Peru (sem trocadalhos), para a Rússia, Japão e Finlândia que já
terá algo em comum, já terá um ponto de contato com pessoas locais. Não
acredito que eu poderia viajar como viajei, chegar em bares e boates e fazer
amigos tão facilmente sendo hétero. Também não seria tão fácil levar mulheres
desconhecidas para a cama...
Também tenho meus bodes com
o “estilo de vida gay”, acho que os gays estão cada vez mais caretas, cafonas,
coxinhas. A grande maioria adotando esse estilo caricatural “sou machinho”,
idolatrando divas pavorosas, investindo na superficialidade. Mas talvez isso
seja tudo sintoma dessa resistência da sociedade HT, uma forma de tentar se
encaixar em padrões, ser aceito como "normal".
Eu continuo insistindo na
diferença, e a favor da diversidade. A homossexualidade não devia ser problema
dos héteros, dos evangélicos, de um colunista reaça da Veja. Eles não têm nada
que se meter nisso. Se isso é um problema, é um problema nosso. Quero um bode
para chamar de meu.