A CURA GAY
O mundo gay está cheio de doenças, a começar por Marco
Feliciano. Dizer que ele é um gay enrustido, mal-resolvido, já virou senso
comum e parece mera provocação, mas revela algo bem sintomático. Ele aparenta
ser gay. Independentemente da biografia dele, dos estereótipos que se cria, da
diversidade da homossexualidade, o fato é que o visual e os modos dele despertam
essa provocação. E isso já é mais do que emblemático.
Talvez Marco Feliciano seja hétero. Mas que já cansou de ser
chamado de gay é algo inquestionável. EU já cansei de ouvi-lo ser chamado de gay.
Talvez ele ouça desde a infância, a adolescência, e talvez daí venha sua
obsessão doentia com o tema. É inegável que Marco Feliciano sofreu “bullying”,
sendo chamado de viadinho. Sinceramente, talvez ele seja hétero, e ache que
ache todos os gays são como ele, que fazem a sobrancelha, fazem chapinha, mas
podem transar com mulher se sofrerem um bom redirecionamento/lavagem cerebral/terapia
de cura.
Ser gay não é fácil. Mas também não é fácil ser negro, ser
gordo, albino, qualquer padrão que fuja da grande maioria ou do que é
considerado bacana. Aqueles “bem intencionados” que dizem “não tenho nada
contra gays, mas não gostaria que meu filho fosse” poderiam falar o mesmo de
gordos, de vesgos, de cantores de axé. Acho que o que pega para os pais é
principalmente uma identificação. Eles gostariam de olhar para os filhos e se
identificarem. Para muitos pais caretas e/ou homofóbicos isso é impossível com
um filho gay. Eu não só tenho certeza de que minha mãe, que sempre amou literatura,
que sempre foi contestadora e contra os padrões se identifica comigo, como ela
mesmo já disse isso. Eu sou o filho com quem ela mais se identifica.
Você esperar que seu filho seja o “mais integrado e menos
conflituoso” possível é um ponto de vista mega coxinha, cagão e escroto. Acho mais
bonito as mães que esperam que o filho transforme o mundo (mesmo que,
obviamente, ele tenha de enfrentar sofrimentos e obstáculos para isso); é até um ponto de vista mais CRISTÃO. E o que
um filho gay sofre vem principalmente de casa, de como os pais lidam com isso.
Na escola, ser chamado de bicha (como o Feliciano) não é algo
exclusivo de futuros homossexuais, é algo com que qualquer menino mais
delicado, sensível ou bonitinho passa, independentemente da sexualidade - sei,
claro, não só por mim mesmo, mas por tantos amigos héteros. O “peso da
delicadeza” vem muito antes da prática sexual. E acho mesmo que a coisa melhora
bem quando a sexualidade é encontrada – seja o hétero que percebe que o rótulo
de viado não se encaixa nele, seja o gay que percebe que ele é viado mesmo e
pode ser feliz/ter prazer/ser amado assim.
Acredito que o maior problema para o gay é quando ele nem
mesmo tem certeza de ser gay. É a questão de assumir para si mesmo, depois para
os amigos, a família. O resto fica mais fácil. Mesmo. Pode continuar não sendo
fácil, mas é fácil ter alguma sexualidade? Tanto hétero reclamando da
dificuldade em entender e se relacionar com as mulheres. E daí tem o hétero que
curte um sadomasô, ou que se só curte meninas que nunca o curtiriam.
Sexualidade nunca é fácil. E “algumas homossexualidades” podem ser muito mais
fáceis, tranquilas e normais do que “muitas heterossexualidades.”
O problema principal para muitos gays (e pais de gays) é a
questão da procriação. Os evangélicos mais pau no cu (no mau sentido) vem com
aquela história de que “se o mundo todo fosse gay, a humanidade acabaria”. Eu
nem deveria estar discutindo isso no meu blog, que eu já pressuponho que seja
lido por uma minoria inteligente, mas... Se a humanidade acabasse, qual é o problema?!!
O mundo ficaria com as plantas, e os peixes, e os coelhinhos... Nah, o que eu
diria (se eu tivesse de contra-argumentar esse argumento tosco) é que este
mundo densamente populado não poderia ser procriado por filhos de lésbicas com
gays? (Fossem feitos naturalmente, por inseminação artificial ou whatever?) E
que... Ah, por favor, ALGUÉM, por mais evangélico que seja acredita mesmo que nossa
grande ameaça hoje é A EXTINÇÃO DA RAÇA HUMANA PELO SEXO ANAL?!!!
Felizes-anus para vocês.
Já foi negada a homossexualidade como doença há anos pela
psicologia, então a “cura gay” proposta por Feliciano só vêm retroceder o país
ao Brasil das tribos, crenças e curandeirismo.
O resto de toda a dificuldade em ser homossexual hoje em dia
é por causa de mentalidades atrasadas, burras, restritas. Eu, sinceramente, da
família que venho, no trabalho que tenho, no meio social em que transito,
praticamente não sinto. Mas ainda sou sujeito a leis de um país
com uma realidade bem mais atrasada do que a que eu vivo. Por mim, seria melhor
que evangélicos só fizessem sexo anal.
E SE SEU FILHO sofreria pelo preconceito contra os gays, você já ajudaria muito dentro de casa.
Termino com um vídeo emblemático, de um menino de Singapura.
Grande menino. Queria um filho assim.