17/06/2013

A GUERRA ESTÁ GANHA

A guerra acontece na porta de casa, mas como estava no exterior, acompanhei tudo pelas redes sociais.  Meu namorado, inclusive, gravou da janela do seu apartamento a polícia correndo atrás e bombardeando manifestantes que fugiam. Não era contenção, era perseguição.

Na Espanha, em Frankfurt, na Colômbia, e em todos os lugares que estive como autor nos últimos anos, sempre me perguntam sobre "a ótima situação do Brasil", e eu sempre tenho de destilar certo ceticismo. "É visível o desenvolvimento do Brasil em termos do crescimento da economia, o consumo," eu costumo dizer. "Mas ao mesmo tempo, parece um crescimento superficial e não-sustentável. Aumentou-se o crédito, até a renda, mas não se vê um investimento em estrutura, transporte, educação, saúde, o que torna esse crescimento insustentável a longo prazo. Faltarão profissionais capacitados, faltará qualidade de vida." O Brasil como sede da Copa e das Olimpíadas é um ótimo exemplo. Gasta-se com estádios, mas o transporte, os aeroportos estão na mesma. Esses eventos deixarão benefícios permanentes nas cidades em que ocorrerem? Duvido. O que acontecerá será o "jeitinho brasileiro" de sempre. Criarão linhas especiais de ônibus, estruturas temporárias para suprir as necessidades dos turistas, que serão desmontadas pós-evento.

Então eu costumava dizer que acreditava que a crise brasileira tinha data para acontecer: "No dia seguinte em que o Brasil perder a Copa. Se o Brasil ganhar a Copa, talvez a crise aconteça um ano ou dois depois."

Otimista estava eu; ao meu ver, a crise já começou.

As demissões na Abril, MTV, contenções em diversas outras editoras e meios de comunicação mostram que uma crise mais profunda já está acontecendo. O brasileiro aumentou seu poder de consumo, sim, mas os setores de informação e cultura não estão se beneficiando disso. O gasto é com camaro amarelo e bolacha recheada.

Mas daí há razões para um novo otimismo.

O tiro saiu pela culatra. Esse investimento na imbecilização do povo está mostrando seus efeitos colateiras. O povo que virou classe media e ganhou crédito para comprar tablet, iPhone, agora grava as condições do transporte público, da saúde, das escolas, posta nas redes sociais.

As manifestações dos últimos dias ressaltaram o poder revolucionário da internet. Não há mais um "grande irmão" transmitindo a verdade, não há mais a versão oficial do governo nem de "meios de comunicação de massa". Cada manifestante pode gravar, postar e discutir sua visão pessoal dos acontecimentos. Esse é o lindo efeito colateral da supremacia do consumo.

Não entendo muito quem critica as manifestações dizendo que "foram feitas por filhinhos de papai que nem pegam ônibus." Sim, talvez não peguem ônibus porque aumentou-se o crédito e a facilidade de comprar carro, enquanto que se abandonou o transporte público e, consequentemente, fodeu-se de vez com o trânsito das grandes cidades. O lindo milagre brasileiro parece anunciar: "Hoje menos pessoas dependem do transporte público. Então essas que se fodam!"

Talvez hoje mais pessoas POSSAM comprar um carro, até pagar uma escola particular, mas isso não quer dizer que DEVERIAM. Até porque, quando a conta chegar, esse povo vai voltar a depender de algo em que o estado não investiu.

Talvez grande parte do povo que vai às manifestações não ande de transporte público. Mas se não anda é porque não há condições de andar. Em país de primeiro mundo, todo mundo utiliza o transporte público. Aqui, o governo prefere incentivar a compra de carro. E quem não utiliza transporte público paga caro por isso. E quem não utiliza transporte público sofre pela falta de transporte público, com o trânsito, a poluição.

Podem me chamar de elitista, mas o povão que ainda depende de transporte público não vai mudar o Brasil e não vai ajudar nem a si mesmo. O povão não está indo para as ruas, não. O povão está indo pra igreja universal, está ouvindo sertanejo universitário, assistindo ao Datena, votando em Marco Feliciano e Jair Bolsonaro. Podem me chamar de elitista, mas não acho mesmo que quem nunca teve acesso à cultura e educação pode ter inteligência e bom senso.

Os policiais estão, em sua grande maioria, nessa esfera. Vêm de classes mais baixas que os manifestantes, recebem ordens, estão em menor número e armados. Não podem ter inteligência e bom senso. Eu arriscaria dizer até que "são duvidosas as razões que podem levar alguém a querer ser policial hoje em dia", mas se são duvidosas, são discutíveis, e até podem ser validadas. Eu mesmo tenho um amigo PM, um doce de menino...

O que importa é que, mesmo com tiros, prisões, vandalismo, registrou-se com quem está o poder. Não está com o governo - o governo está mais do que perdido; não está com os policiais. Pode não estar com o "povão" - eu digo, o "povão" está com Marco Feliciano. Mas, ao que parece, esse crescimento da classe média agora está começando a mostrar seu valor.

UPDATE: Fui à manifestação de hoje, na Faria Lima. E acho que me equivoquei em parte. O que eu vi me pareceu um movimento da classe média, sim, mas principalmente de estudantes, grande parte dos quais não parecia nem ter idade para ter um carro, por isso talvez pegue de fato o transporte público. Faz sentido, é legítimo, e está certíssimo. 

NESTE SÁBADO!