22/11/2013

REFLEXÕES DO GATO MURR

Íntegra da minha resenha publicada na Folha, final de semana passado: 

Animais protagonistas não são novidade na literatura. Em 1819, quando o alemão E.T.A. Hoffman publicou seu “Reflexões do Gato Murr”, já era bem conhecida a história do Gato de Botas, tanto na fábula original de Perrault, a versão dos irmãos Grimm e a sátira de Ludwig Tiek (citada com destaque no livro de Hoffman). Há uma longa tradição no terreno das fábulas, nas quais animais tomam características humanas, a serviço de uma lição sobre a moral. Porém a forma audaciosa como Hoffman apresentou seu gato, no auge do romantismo, e como ela permanece inteligente e atual é o grande mérito de seu romance.
                Murr é um gato doméstico, narcisista e burguês (ou “filisteu”) que, observando os papéis de seu mestre, resolve se tornar escritor. “Com a calma e a segurança peculiares ao autêntico gênio, passo ao mundo minha biografia para ensinar como é possível fazer de si um grande gato, registrar minha perfeição em todos os sentidos e que os outros me amem, me estimem, me reverenciem, me admirem, me idolatrem um pouco,” diz o personagem no prefácio “suprimido” (obviamente incluído). Esse é o tom delicioso do texto, que tem o narrador perfeito para satirizar os maneirismos da época, numa escrita dândi e hilária.  “Ocorreu-me, finalmente, haver lido que a indiferença e uma barba por fazer seriam marcas indiscutíveis do apaixonado!” coloca Murr ao conhecer a gatinha Miesmies. “Olhei-me ao espelho e... Céus, minha barba estava por fazer! Céus, sentia-me indiferente!”
                Murr é o típico anti-herói, carregado de defeitos e de caráter discutível, mas ainda charmoso e adorável. Sua relação com o poodle Ponto, suas tentativas de escapar da burguesia e a forma como seu dono o trata como um gato qualquer, sem desprezar suas características humanas - como se costuma fazer com os animais de estimação - são o ponto alto dessas reflexões literárias.

                Porém o maior problema do texto está em sua maior ousadia. Não satisfeito em criar uma fábula adulta, Hoffman mesclou no livro páginas da biografia de um compositor chamado Johannes Kresleir (personagem recorrente em sua obra). O gato teria misturado os dois textos ao usar as páginas da biografia como mata-borrão para seus textos. Dessa forma, a narrativa de Murr é constantemente interrompida pela história de Johannes, que ainda que bem-humorada e que se comunique aqui e ali com a história do gato, resvala a uma sátira convencional da época. Não deixa de ser sintomático que a obra seja conhecida como “o romance narrado por um gato”, mesmo com a biografia de Johannes ocupando mais da metade do volume. É comum ler relatos de leitores que simplesmente pulam essas páginas e se dedicam exclusivamente à obra do gato, uma leitura possível. (Avaliação: regular)

ENTÂO VOCÊ SE CONSIDERA ESCRITOR?

Então você se considera escritor? (Trago questões, não trago respostas...) Eu sempre vejo com certo cinismo, quando alguém coloca: fulan...