26/10/2015

ADMIRÁVEL VELHO MUNDO

Tio San em Londres. 

"O mundo de que eu gosto está deixando de existir", constatou minha mãe dia desses. Ela esteve em Nova York, antes de me encontrar em Paris, e atualizou sua visão das cidades, agora com menos livrarias, livros de qualidade discutível, menos cultura. Envelhecer tem muito a ver com a incapacidade de readaptação, prender-se "ao mundo que não existe mais", assim é que saem as frases que começam com "no meu tempo…"


A cidade em que William Blake nasceu não existe mais.

E eu entendo. Tive sensação semelhante, talvez em menor grau, ao vir agora para Londres. Há mais de uma década que morei aqui, trabalhei como barman numa boate, tinha vinte e quatro anos e a cidade era outra.

Reencontrei a querida Rebecca, com quem trabalhei no Ghetto em 2002. 

Para mim Londres sempre foi muito associada à música, meus maiores ídolos, meus discos favoritos, Suede, Bowie, Morrissey, Siouxsie, Pulp, Eurythmics… Aqui comprei centenas de discos, singles, conheci pessoalmente alguns desses artistas. Então para mim é inconcebível uma Londres sem loja de discos, ainda que o disco já pertença a um mundo "que está deixando de existir".

Perguntei ao meu amigo Márcio Custódio (dono de loja e ativista do vinil em São Paulo) onde ainda podia encontrar boas lojas de disco (vinil e CD) por aqui. Das outras vezes que estive em Londres, ainda existiam mega lojas como Virgin, Tower Records, o paraíso de qualquer fã de "britpop". Agora resta um punhado de lojinhas escondidas, que parecem mais sebos do que lojas de novidades (Paris ao menos ainda tem as Fnacs com grandes seções de música - ou seja, estranhamente, é mais fácil comprar discos de artistas ingleses na França).

(Não por acaso, um dos discos que comprei foi a edição dupla de "The Inevitable End", do Roykopp, o título já anuncia o fim do formato - e eles declararam que foi o último "álbum" que lançaram, agora só faixas soltas em formato digital.)

Não que eu esteja tão desadaptado assim - todos os discos que acabei comprando eu já havia baixado há algum tempo. Mas baixar disco já está ficando ultrapassado em si. Semanas atrás, jantando na casa de minha amiga Vanessa Krongold (vocalista do Ludov), discutíamos sobre os serviços atuais de streaming. A isso eu ainda não consegui me adaptar - não entendo como essa coisa de precisar estar online para ouvir a música pode funcionar melhor do que ouvir num iPod, sem depender de sinal, conexão. Fora que quem ama a música quer ter, eu mesmo já perdi muita coisa em iPod sem backup que deu pau; se um serviço de streaming deixa de existir todas suas playlists vão embora para sempre… não?

Então já estou nesse mundo intermediário - baixo músicas, mas quando gosto quero comprar o "disco"; tiro fotos pelo celular, mas mando imprimir de tempos em tempos as favoritas. Quantos arquivos digitais vão resistir (e existir) daqui a vinte, trinta anos?

Eu sei, eu sei, sou um tiozinho...

Voltando a Londres, a cidade não tem mais loja de música (a música de Londres pode ser encontrada online, em qualquer lugar do mundo), mas ainda tem muito a oferecer. Fiquei impressionado em como a cidade está vibrante e cosmopolita. A quantidade de lojas, de gente, de ofertas. (Hoje de manhã me peguei vasculhando os 4 andares da loja dos M&M's, que além dos chocolates vende de tudo, de brinquedos a roupas, canecas e doces personalizados). Há também mais livrarias do que em Paris (por enquanto). Talvez tenha sido especialmente impressionante para mim por ter acabado de voltar da Armênia, um país ainda tão vazio, tão desprovido de turistas. (Lá ainda não tem nem MCDONALDS). Mesmo os pontos mais conhecidos da Armênia ainda são tranquilos de se visitar. Aqui é tudo tão excessivo...

Hyde Park

Apesar de tudo, Londres ainda preserva sua enorme quantidade de parques e opções de lazer ao ar livre. Ontem, passeando aqui pelo bairro (King's Cross) encontrei um "parque natural", com um foco todo na preservação da "vida animal urbana" (basicamente insetos, morcegos, alguns pássaros e anfíbios). Também encontrei o Regent's Channel, que leva até Camden Town, com patos, gente correndo, andando de bicicleta.

O canal

É deprimente pensar que São Paulo briga para ter opções como "abertura da Paulista", "fechamento do Minhocão". Alguns domingos atrás passeei com o Murilo no minhocão fechado e achei das coisas mais deprês da vida - talvez seja até melhor passar o domingo no shopping - um viaduto horrível, cinza, cercado de uns prédios pixados e detonados, parecia que eu estava num pós-apocalipse zumbi e o povo todo andando sem carro no asfalto tentando encontrar abrigo. Pobre paulista, pobre São Paulo.

Camley Natural Park

As vespas interditando o parque (!)
E é para lá que volto. A viagem agora está acabando. Amanhã de tarde pego o trem para Paris e de noite o vôo de volta ao Brasil. Embora eu ache que viagens profissionais, como autor, tenham mais sentido, foi bom ter sido turista. Caminhei muito em Londres, fiz ótimas refeições em Paris, Armênia foi o ponto alto. Volto com a conta bancária arrasada, mas a mala cheia de compras e presentes. Saudades do meu lôro e da coelha… (É, da coelha não tem jeito…)

A cidade, agora há pouco


MESA

Neste sábado, 15h, na Martins Fontes da Consolação, tenho uma mesa com o querido Ricardo Lisias . Debateremos (e relançaremos) os livros la...