Há mais de quinze anos tenho uma vizinha que hoje está com 90 e tantos. Nunca falamos mais do que bom dia. Moro no segundo andar, não preciso pegar elevador, e sou daqueles moradores reclusos, que tem licença para ser excêntrico porque é escritor e “já foi no Programa do Jô.”
Há algumas semanas ela tocou aqui em casa. Perguntou se eu podia trocar o gás dela, porque o prédio está sem porteiro. Troquei, claro, e disse que qualquer coisa que ela precisasse poderia tocar.
Dois dias depois ela tocou me oferecendo um pedaço de bolo.
Eu disse que não podia comer bolo. (E é verdade, só como doce nos finais de semana.)
Ela disse que era leve, “você está tão magrinho; você emagreceu muito, eu lembro que você era forte...” E eu agradeci, mas disse que não.
Ela disse que era leve, “você está tão magrinho; você emagreceu muito, eu lembro que você era forte...” E eu agradeci, mas disse que não.
Então me senti culpado. Pensei se não deveria ter aceitado, jogado no lixo. Mas daí toda semana ela ia aparecer com o bolo...
Estou ensaiando voltar à academia. Ainda não tive coragem. Ao menos aquela nojeira de compartilhar equipamentos vai terminar. Sou daqueles que quando um equipamento está ocupado vai para outro, mas daí sempre aparece um coió suado pedindo para revezar...
"Revezar Equipamentos Faz Parte do Seu Treino", estava escrito pela academia. My arse! Agora o mundo vê que eu estava certo!
A restrição do contato físico em geral para mim é grata. Detesto contato – já disse que nem minha mãe eu abraço; detesto cumprimentar amigos com beijinhos. Contato mesmo, só na hora do sexo...
Mas agora faz teeeempo...
Mas agora faz teeeempo...
Saindo para o mercado de máscara, tenho notado maior troca de olhares com os meninos aqui pela Frei Caneca. Será que estão todos mais carentes, desesperados, ansiosos por qualquer contato? Será que fico mais bonito de boca tapada?
Não tenho tido mais paciência pros aplicativos. Povo não tem nada a dizer, só quer trocar nudes. Daí é melhor ver as fotos de profissionais.
Bem... também não tenho visto muito as fotos de profissionais. Deve ser o frio. O frio, o trabalho, a resignação de ser para sempre um velho escritor solitário.
(Nessa de escritor solitário, esta semana gravei uma entrevista pro Metrópolis - ainda não sei quando vai ao ar. Foi aqui de casa, por Zoom. Saudades do estúdio, do "rolê", pó compacto na cara...)
(A vizinha velhinha do bolo nunca mais voltou.)
Bem... também não tenho visto muito as fotos de profissionais. Deve ser o frio. O frio, o trabalho, a resignação de ser para sempre um velho escritor solitário.
(Nessa de escritor solitário, esta semana gravei uma entrevista pro Metrópolis - ainda não sei quando vai ao ar. Foi aqui de casa, por Zoom. Saudades do estúdio, do "rolê", pó compacto na cara...)
(A vizinha velhinha do bolo nunca mais voltou.)