Avançamos para o segundo ano de quarentena. Será pouco tempo?
Será só o começo? Esses dias minha mãe falava: “Pensa quando vocês contarem: ‘Imagina
como foi ficar em quarentena?’” E eu tive de dizer: “Mais provável a gente
dizer: ‘Imagina quando a gente ia em teatro ao vivo... com plateia... aglomerados!’”
Já está me soando como leões no coliseu.
“Não quero terminar a vida assim”, minha mãe diz, lamentando
o isolamento. Minha irmã lamenta o segundo aniversário que minha sobrinha vai
passar sem poder fazer festa, e me parece mais grave. Dois anos na vida de uma
criança – sem festa, sem escola, sem viagens – é muito tempo. A gente não tem
esse termômetro...
Melhor do que passar por isso na velhice, na infância, talvez
seja mesmo passar na meia-idade, como eu. Estou na idade perfeita do isolamento
social. Já viajei muito, trepei muito, realizei praticamente todos os meus
sonhos. Sinto que socialmente não tenho nem direito de querer nada além da
morte.
Mas, como continuo respirando diariamente, o dia sopra pela
minha janela um hálito de jasmim e me dá vontades...
Não tenho do que reclamar. Estou num ritmo de trabalho muito
melhor do que há alguns anos, em que todos pareciam ricos e se eu me lamentava
era porque EU era o fracassado. Por isso acho tão curioso essas correntes solidárias
– se ficou miserável junto a todo mundo, está desculpado, entre na fila; se pede
ajuda quando tá tudo mundo abastado: tu és o fracassado.
Como trabalho não é tudo (mas é 100%), o coração está tranquilo
com um garoto formoso que vem aos finais de semana e me traz esse jasmim. O que
mais eu poderia querer?
(o texto terminava com uma lista, mas, relendo, achei que o
melhor é deixar tudo em aberto...)