ESTUPRA MAS NÃO MATA
Ah, está chegando Halloween e agora as crianças brasileiras comemoram. Quando eu era uma criança gótica, tudo o que eu queria era que houvesse Halloween por aqui. Cheguei até a convencer um amigo meu de escola a se fantasiar e sair pedindo doces pelas ruas do Jardim América, haha. Obviamente só recebemos o desprezo de empregadas estressadas. Agora também não quero mais...
Esse lado negro da minha personalidade sempre foi muito presente, mas nunca consegui escrever um livro – ou um conto que seja - de terror. ALIÁS, conversei sobre isso com o (cineasta) Guilherme de Almeida Prado, que também adora filmes de terror. Conversamos sobre por que pessoas como eu, o Carlão Reichenbach (outro fã do sinistro) e vários outros artistas não estávamos renovando (ou criando) a produção do terror nacional. Acho que para fazer terror é preciso um talento específico, assim como para fazer pornografia. Ambos precisam lidar necessariamente com alguns clichês, pois são eles que garantem o medo e a excitação do público. Mas, no caso do terror, é preciso saber dosar muito bem o uso desses clichês com a reversão dos mesmos.
Tem também o preconceito, é claro. Muita gente não faz por ser um gênero considerado "menor" pela crítica.
Isso é uma grande bobagem, lógico. Há vários grandes livros de terror que são LITERATURA. Pessoalmente, eu acho DRÄCULA do Bram Stoker, o melhor deles, não só pela repercussão que tem até hoje, mas principalmente porque, apesar de ter uma história/personagem muito bem conhecidos e ter sido escrito há mais de cem anos, ainda consegue provocar medo. Lida com questões arquetípicas bem fortes. E toda aquela primeira parte do Jonathan Harker no castelo é fantástica.
Já FRANKENSTEIN eu não gosto. Tudo bem, não posso falar que é ruim nem nada assim, mas o livro nunca me despertou grandes emoções. E, INFELIZMENTE, eu posso dizer o mesmo da obra do Edgar Allan Poe. Eu me esforço bastante, tenho as obras completas dele em inglês e vários contos em português. Também não sou louco de criticar, mas nunca me despertou nada.
Outro dia eu estava conversando sobre isso com o Cid Vale Ferreira, um amigo meu da adolescência gótica que se tornou editor e um especialista em literatura do século XIX. Eu dizia que o que eu sentia falta na obra do Poe era aquela sexualidade latente que está presente em toda boa obra de terror. Acho que funciona quase como um paradoxo – associar o sexo com a morte (ALIÁS, eu trabalho essa associação no conto "Depois do Sexo", que está aqui no site, no link "Formigas no Açúcar"). O Cid concordou comigo, mas justificou que a sexualidade na obra do Poe se manifesta de uma maneira muito mais alegórica. Daí ele me deu um exemplo do conto "A Máscara da Morte Rubra", que me pareceu genial – o pêndulo do baile de máscaras como um símbolo fálico e tal. Só que quando fui reler o conto, achei que o Cid tinha exagerado na interpretação, ahah. Enfim, pelo menos é ótimo conversar com alguém apaixonado pelo tema e que tem embasamento.
Dos livros de terror contemporâneos gosto muitíssimo do EXORCISTA, do William Peter Blatty. Li o livro pela primeira vez quando eu tinha cerca de 13 anos – e se me assustou naquela época é porque a coisa é forte mesmo. Reli recentemente. É muito melhor do que o filme. Principalmente porque sempre fica a dúvida se trata-se realmente de uma possessão. A latência sexual está na alegoria da puberdade, mas o livro ainda traz muitas questões teológicas.
E final de semana passado li outro livro de terror do caralho: "RING", do Koji Suzuki. Sim, é o romance japonês da década de 90 que inspirou o filmes japonês, o coreano e o americano "O Chamado". Eu acho a versão americana um dos melhores filmes de terror de todos os tempos. Muita gente critica dizendo que é mal explicado, mas eu acho apenas que "não é explicado". O filme deixa muitas pontas soltas e essa é a grande sacada. Fora que as imagens são lindas, aquela fita amaldiçoada é um primor do surrealismo, uma maravilha.
O livro também é bem bom. Dá menos medo do que o filme. É bem mais racional e tem menos referências spooky. O autor trabalha o tempo todo com a negação dos clichês e com justificativas científicas para os fatos. Talvez isso tire um pouco o clima, mas continua sendo um grande livro – mais de suspense investigativo do que de terror. O romance também tem uma questão amoral e machista muito forte, que foi suavizada no filme. Para vocês terem uma idéia, no livro o personagem principal (que no filme americano foi vivido por Naomi Watts) é um homem e a pessoa para quem ele mostra a fita para ajudá-lo a desvendar o mistério é um amigo ESTUPRADOR. Haha, isso mesmo, ele mostra a fita pra esse cara porque se o amigo morrer o mundo não vai estar perdendo grande coisa, já que ele é um crápula, haha. Achei isso ótimo. Não vou contar mais nada para não estragar as surpresas, apesar de eu saber que ninguém vai ler esse livro (nem existe versão em português – mas a tradução para o inglês é ótima e a edição da Vertical é um primor).
Outro que eu li de ontem para hoje foi "The Hellbound Heart", do Clive Barker, o romance que inspirou os filmes "Hellraiser". O Barker também tem uma questão sexual muito forte nos livros/filmes dele, associada ao sadomasoquismo. Talvez ele mesmo seja (um sadomasoquista), mas não necessariamente. Ele pode trabalhar essa questão só ideologicamente, como é o meu caso. Muita gente colocou que "A Morte Sem Nome" é um romance sadomasoquista, e eu até concordo, mas confesso que na cama eu sou mais meiguinho, hahaha.
Voltando – The Hellbound Heart não chega a ser um romance, é uma novela, e uma novela que parece já ter sido escrita visando o cinema. Ou seja, não é grandes coisas em termos de literatura. A ação parece se desenvolver muito rápido e sem grande profundidade. Os diálogos são banais e os personagens também. Fora que é uma edição de bolso da Harper Collins, o que torna quase inevitável não acreditar que está se lendo um livro "barato". Se eu não tivesse visto o filme, diria que a novela daria um ótimo filme (mas como eu vi, sei que deu uma merda de filme, hahah). Entretanto, o único ponto em que a novela se torna mais interessante do que o filme é na descrição das torturas e dos Cenobitas. Obviamente, por ser um livro, o autor consegue fazer referências a outros sentidos que não são explorados na tela. O cheiro de baunilha dos demônios, os sons do inferno tocando na cabeça dos personagens. Mas isso acontece em poucas passagens, o resto do livro é fraco mesmo. Enfim, não consigo me acertar com o Mr. Barker - e eu queria tanto...
Provavelmente um dos primeiros que trabalhou essa questão do sadomasoquismo na literatura foi o Marquês de Sade (afinal, o termo "sádico" veio do nome dele). Mas eu acho que ele exagera, que se preocupava muito em chocar e a trama acaba se tornando uma novelona mexicana (ALIÁS, conversei sobre isso também com o Cid – e novamente ele defendeu o autor). Mas enfim, do Sade eu só li "Les Infortunes de La Vertu" (em francês - o segundo andar da Livraria Cultura/SP, do Conjunto Nacional tem umas coisas boas assim).
E quem mais? Quem mais? Anne Rice não, por favor, acho um horror (no mau sentido. Li "Interview with the Vampire" e alguns contos). Stephen King eu confesso que tem algumas coisas brilhantes (o romance "IT" é uma pérola. O livro de contos "Night Shift" também). O problema dele talvez seja produzir livros a granel, então faz algumas coisas bem toscas. Fora que os finais dele são péssimos. Dean Koontz é tosqueira mesmo, mas me diverti com "The Funhouse" (que inspirou o filme...adivinhem...."Pague para Entrar Reze para Sair", hahahah! Sim, esse filme foi baseado num livro!).
Dos mais antigões, além do "Drácula", eu gostei muito do "The Turn of the Screw" (Henry James) – que também tem a questão sexual relacionada à puberdade e à infância; gosto da novela "Karmilla" (Sheridan le Fannu – com um lesbianismo quase explícito) e de vários contos do Saki (mas ele trabalha mais o fantástico, com um certo humor negro/satírico, não exatamente terror).
De Brasileiro eu ainda não conheci nenhum que prestasse. Tem aquele cara...o André Vianco, que parece que vende horrores de horror. Mas nunca sai resenha de livro dele em lugar algum. O meio literário simplesmente o ignora. Eu preciso ler para ver o que há que há. Sinceramente não conheço.
Ah, enfim, já escrevi DEMAIS e comemorei o Halloween aqui no meu blog. Esse montão de texto era pra assustar mesmo – Boo! Quem quiser me indicar outros livros de horror, é muito bem vindo aí no "vermelho". E para quem acha que eu só leio esse tipo de coisa, tem um link permanente aí do lado – Sugestões de Livros – que eu escrevi pro site "Leia Livro".