ROMANCES POR ESPORTE E SEXO POR ARTE
Terminei hoje, na hora do almoço, o romance "Lorde", do João Gilberto Noll. É um livro tristíssimo, muito cruel, desesperançoso e impiedoso consigo mesmo. Um longo delírio de um escritor pelas ruas de Londres. Autobiográfico? Não acredito. Parece ser uma visão punitiva do autor sobre si mesmo. O Noll que eu conheci pessoalmente me passou uma imagem muito mais nobre.
O livro transmite uma percepção bem estranha de tempo, como num delírio psicodélico. Dias se passam em poucas frases, mas os parágrafos são grandes e não há quebra de capítulos. Cada vez que eu voltava à leitura, me pegava verificando se não havia pulado várias páginas. Me perdia.
Sensação parecida eu tive quando comi cogumelos em Amsterdam. Era uma tarde de terça-feira e eu fiquei andando pela cidade, curtindo o efeito nos cenários. A cada metro que eu andava, sentia que havia passado horas. O que me salvou era meu walkman, porque eu conseguia ter uma medida mais real de tempo através da duração das músicas. "Hum, enquanto eu andava por este quarteirão, a música só foi do verso até o primeiro refrão, então está tudo no ritmo certo."
O walkman salvou novamente minha vida em Amsterdam numa noite que havia me entupido de "E" com um chinesinho. Como aquela cidade é a pior do mundo para se tomar drogas, as boates fechavam as três horas da manhã. E nós dois acabamos loucos na rua, sem ter para onde ir (porque dormíamos em albergue). A solução foi andar pela cidade de mãos dadas, com meu walkman ligado, um fone no ouvido de cada um, até o efeito passar.
Outro episódio "Lordeano" foi quando passei a noite no apartamento de um vietnamita, em Londres. Ele tinha feito bonecos de pano de todos os amigos dele (como bonecos de vodu), para sentir menos saudades. Tinha uma estátua do Buda no quarto e, na hora do sexo, abria um livro da Björk para o Buda ficar lendo e não ver nada do que ele aprontava.
Em "Lorde", há sensações parecidas com essas, e também encontros casuais, porém intensos, como em todos os romances de Noll. Não é o livro dele que eu mais gostei, não me fez muito bem, mas talvez seja o mais forte.
É estranho ler um autor que a gente conhece pessoalmente, não? Principalmente quando seu personagem tem uma realidade tão próxima do autor. Se perde um pouco a liberdade de criar sobre a leitura, mas também se ganha percepções mais profundas...
Um autor muito interessante que conheci há anos foi o Matthew Stadler. É um norte-americano que, aparentemente, só escreve romances gays-pedófilos. Eu não sabia disso quando o conheci. Eu era bem novo e ele estava fazendo o lançamento do seu "Agressor Sexual" (que foi traduzido pelo Daniel Piza) aqui em São Paulo, na Livraria da Vila (onde cheguei a trabalhar alguns meses). Como era lançamento de uma tradução, com autor desconhecido e estrangeiro, não foi ninguém. E eu fiquei um tempo conversando com ele.
Depois de ler o livro é que entendi os olhares "quirquizes" que ele me dirigia...
Anos depois, encontrei o email dele num artigo na internet. Mandei uma mensagem, ele me respondeu, disse que se lembrava de mim e até me mandou uma cópia de seu "Allan Stein" de presente. Esse era um romance sobre um escritor que vai investigar a vida do sobrinho da Gertrude Stein em Paris. Em determinado trecho, uma personagem pergunta e ele mais ou menos assim: "Mas o que esse Allan Stein tem de importante?" E ele responde: "Todos os meninos são importantes." Haha. Michael Jackson que o diga.
Enfim, apesar de doente (e talvez por isso), Matthew Stadler é um bom escritor.
Neste feriado (aniversário de SP) terminei também o "Paraisos Artificiais" (esse nome sempre me lembra mais da música "À Francesa" da Marina, do que do Baudelaire), do Paulo Henriques Britto.
É um livro de contos maravilhoso. Lembra um pouco as coisas mais antigas do Noll. Aquele lance de se começar uma história meio da metade, soltar algumas pontas e não amarrá-las, deixar não apenas sub-textos, mas a certeza de que a certeza não existe em lugar algum. Nesse livro há o excelente "O Companheiro de Quarto", que eu já tinha comentado e colocado um link aqui no blog, além de outras bizarrices. Na verdade, não teve nenhum conto que não gostei.
Só posso terminar com a pergunta que vi numa propaganda de TV em Londres: "Sabia que o carpete da sua casa é dez vezes mais sujo do que o chão da rua?"
É que a sujeira em casa se acumula, enquanto a rua é limpa pela chuva, pelo vento...