( Eu, minha mãe -Elisa Nazarian - e José Mindlin, há quinze dias. Foto: Cris Von Ameln)
José Mindlin é tema de uma grande matéria (em todos os sentidos) que fiz para a revista da Joyce Pascowitch de fevereiro. Para quem não sabe, Mindlin é o maior colecionador de livros raros do Brasil, com uma importantíssima biblioteca - recentemente doada à USP - e um Imortal da Academia Brasileira de Letras. Aos 92 anos de idade, é uma figura histórica da literatura do Brasil, não apenas pelos livros que adquiriu, mas pelas histórias que viveu e os escritores que conheceu. Algumas das histórias estão na matéria. Trecho:
Pelo fato de ter se interessado desde cedo por livros, pergunto se ele não era um daqueles garotos introvertidos, isolados, que é caçoado pelos colegas. Ele nega. “Sempre fui muito falador, tinha amigos.” - Mas e quanto às piadas, os garotos não tiravam sarro por seu hábito de colecionar livros? “Bem, isso foi a vida inteira. Até hoje. As pessoas sempre tiram sarro de quem dá tanto valor à leitura.”
Mindlin sempre foi queridíssimo comigo. Claro, minha mãe trabalha com ele em sua biblioteca, mas ele sempre prestigiou meus lançamentos, me recebeu com carinho, elogiou meus livros, e afinal de contas eu poderia ser apenas um "filho de uma funcionária". Fico mais do que feliz de fazer uma matéria com ele. Ainda mais para a Joyce, que sempre dá tanta força para minhas sugestões de pauta e está criando uma revista realmente glamurosa, pelos motivos certos.
(Eu, Tânia Franco Carvalhal, José Mindlin e Beatriz Resende, no Prêmio Fundação Conrado Wessel de Literatura, que ganhei em 2003 [Diabos, estou sempre segurando um copo ao lado do homem?])
Agora, vocês querem que eu comentem o caso João Hélio? Muito bem, uma tragédia glaceada de sensacionalismo. Porque é claro que é uma notícia chocante. Claro que os assassinos merecem a pior das penas. Mas claro que ninguém quer ver a inevitabilidade de casos como esses. Inevitável porque:
1) Não é um caso de requintes de crueldade. É um caso diferente de queimar uma família dentro de um carro. Os assaltantes não pensaram em arrastar o menino. Queriam roubar um carro, se apavoraram, fizeram a maior merda possível. Sim, podiam saber que arrastavam um menino, mas, no pânico, não tiveram o menor discernimento. Não que não seja crueldade, mas foi principalmente idiotice.
2) Penas mais rígidas, aplicadas de antemão, não teriam o menor efeito para inibir um caso desses.
3) Arrasta-se pessoas, mata-se a pedradas, joga-se na fogueira desde os primórdios da humanidade...
Ok, então minha terceira justificativa soa um tanto cínica, concordo. O que quero dizer é que nesses casos procura-se sempre uma resposta maior, mais definitiva, que não existe. Os culpados diretos estão presos. O que os levou a isso todo mundo sabe: pobreza, falta de educação, de perspectiva e a SORDIDEZ DOS VALORES humanos. Claro, porque a culpa está sempre - e apenas - no governo, num poder maior, mas o marido que espanca a mulher está tão chocado com essa história quanto você. E está "cobrando repostas do governo" também.
Isso quase me obriga a fazer um paralelo com a "cândida" história, também ocorrida terça passada, do avô que salvou o neto da sucuri. Viram essa? Essa é de cinema (cinema B). Um garoto de 8 anos que foi atacado por uma sucuri de 5 metros no interior de SP. A bichana já tinha enrolado o menino, estava apertando-o e prestes a devorá-lo (pedófilos, controlem-se), então o avô entra em ação, mostra o pau e mata a cobra.
Tudo certo, tudo bem, todo mundo diverte-se com a história e o final feliz.
E se a cobra tivesse engolido o menino?
Alternativa mais do que surreal, mais que poderia muito bem ter acontecido! E, ao meu ver, que não conheço o menino, seria uma irônica e rara vitória da natureza. Só imagino então que pipocariam protestos, processos e denúncias que "a polícia florestal já tinha sido avisada da cobra andando por lá, e não fez nada", "a negligência do avô em deixar uma criança de oito anos brincar sozinha num sítio", "o abuso dos fazendeiros sobre o meio-ambiente, porque normalmente um animal daqueles não ataca seres-humanos, mas com a falta de alimento, etc. etc".
O que quero dizer é que as pessoas simplesmente não aceitam as tragédias, mesmo quando não há mais nada a fazer. "E não vamos fazer nada?", diz a capa mais do que sensacionalista da Veja sobre o caso João Hélio. Bem, faremos protestos, passeatas, andaremos de luto, e isso pode trazer pequenas melhorias, mas vai mudar algo substancial enquanto continuarmos votando no Clodovil "porque é engraçado", enquanto continuarmos comprando cd pirata "porque é mais barato" e enquanto continuarmos ouvindo funk "porque é arte popular"?!
Eu realmente acho que, antes de tudo, a culpa está em você.
O maior absurdo que eu vi foi o Datena falando ao vivo (!) com um dos assassinos do garoto (!) direto da delegacia. Ele pedia para o delegado colocar o ponto no rapaz (!) e ficava ao vivo acusando-o de assassinato! Que idéia imbecil é essa? Desde quando um apresentador de TV tem direito de interrogar um preso recém detido? Não é isso que chamam de poder paralelo? É por isso que esse país inteiro continua se arrastando...Bem, bem, não serei eu que vou insistir em polêmicas sobre esse caso. Não ganho nada com o aumento da audiência nesse blog...
O que tenho ouvido:
- Peter Murphy (principalmente o último álbum, "Unshattered", um dos mais acessíveis dele, depois de toda uma onda "cold wave" que lembrava um pouco até as coisas recentes do Scott Walker - a voz absurdamente impostada. Peter Murphy está voltando a ser meu herói. Até comprei um DVD do Bauhaus, para lembrar meus tempos "Edward".)
- David McAlmont (que eu toquei no "Le Kitsch" desta semana)
- Prodigy (como eu disse, para me pilhar nesses momentos de solidão)