(Foto: Ambooleg/2003 - De quando eu ainda era um jovem que sangrava...)
Oh, eu estava tão em paz com meus ursos polares...
Sentado em frente ao computador, de bermuda e regata, com minhas tatuagens devidamente hidratadas, consegui levar esse verão inteiro acreditando que nada estava acontecendo...
Até quando saía na rua, em pleno almoço tardio, em direção à academia (porque eu praticamente só saía de casa para gravar meu programa e ir à academia), o sol me parecia saudável e, nos dias em que eu saía um pouco mais tarde, me queixava comigo mesmo das sombras já formadas pelos prédios nas ruas - sombras típicas de final do horário de verão - que impediam que eu me bronzeasse...
Mas nos meus raros contatos com os seres humanos, fui ouvindo queixas frugais do calor dos dias, e aos poucos aquilo foi me convencendo de estar um grau (Celsius) acima de simples papo de taxista.
Faz tanto calor assim ou são vocês?
E depois da última quinta-feira, quando mais um jovem escritor da Geração Noventa ousou sentar-se diante do meu computador, quando ele reclamou do calor em meu apartamento, quando me indagou ostensivamente por que eu não colocava afinal o computador mais perto da janela, passei a sentir o calor como todos os outros homeotérmicos deste país tropical.
Tchau, meus ursinhos polares...
E eu, que me sento na frente desta máquina, nesta casa, nesta posição, há mais de três anos, fiquei me indagando se não deveria realmente modificar a mesa do computador de posição, para perto da janela.
Não.
Porque próximo da janela posso me distrair com a realidade...
E o sol entrará com mais violência....
E as pessoas verão o que estou fazendo...
Além de que, meu iguana poderá escalar o rack e pular lá para baixo.
Precisamos sempre nos manter longe de janelas abertas, nós, animais tropicais.
Então não me preocupo com a posição do meu computador, mas me preocupo agora por não ter me preocupado, todas essas semanas, com o calor da estação. Serão problemas hormonais, endócrinos, neurológicos? Não, IDEOLÓGICOS! Porque, vejam só, desde quando, desde quando, me pergunto, desde quando aceitei o calor em meu coração? Desde quando deixei de me importar? Mais ainda: desde quando, passei a amá-lo, desejá-lo, persegui-lo por entre as sombras metropolitanas?
Eu sei bem. Desde quando passei a criar répteis, tanto nos braços como no apartamento. Agora já recebo o inverno com um arrepio...
“Ter um filho muda tudo...”
Assim, tentando recuperar um inverno ao menos ideológico, voltei a revirar os textos de Álvares de Azevedo, Isidore “Lautréamont” Ducasse e Mário de Sá-Carneiro. Esses jovenzinhos românticos que morreram antes de mim, em tempos em que a juventude (e a imaturidade) fazia sentido e podia ser apreciada como valor literário.
Para autores como esses, faz sentido o rótulo de “jovem escritor”. E lendo-os se percebe coisas tão incríveis que só podem ser feitas na imaturidade literária... Uma ingenuidade poética. Uma convicção apaixonada. Uma audácia admirável. Oh... Sabe-se lá mais o quê.
Eu, que me aproximo dos trinta, já não posso morrer de tuberculose, mas tento irrigar a juventude produtiva que me resta, para que ela me traga belos frutos, antes que eles finalmente venham ao chão com o inevitável (e detestável) rótulo de “autor maduro”.
Para terminar o post de maneira mais objetiva: “O Cheiro Ralo”. Bem interessante. Um clima bem particular. Com atores que já são praticamente personagens. Fotografia espetacular. Finalmente um diretor – Heitor Dhalia – que vem fazendo coisas realmente diferentes no cinema nacional. É um diretor para se acompanhar, principalmente porque pelos seus filmes tem-se a impressão de que ele é ligeiramente doente, o que para um artista é mais do que saudável.
A frase título do post foi a última frase de Álvares de Azevedo antes de morrer. Depois, tem a história que o cemitério onde ele foi enterrado foi inundado pelo mar, perderam-se as tumbas, mas puderam encontrar o local onde ele estava enterrado graças a seu cachorro "Fiel", pelo faro. Ohhhhh...