“Estou triste hoje porque estou cansada, mas no geral sou alegre...”
Ahhhhhhh, que mulher assustadora! Deus me livre! Nunca tinha visto a Clarice falando - ela nunca foi no programa do Ratinho nem da Galisteu. Mas graças às pirotecnias da Internet, outro dia me achei no YouTube absorto por ela. Que falta de originalidade minha! Pagando pau pra ucraniana! Bem, confesso que nunca fui fã de Clarice. Gosto bastante de algumas coisas, outras execro. Mas não posso negar que essa mulher tem uma figura impressionante. E não sabia que tinha um sotaque tão carregado. Será que podemos considerar de fato como literatura brasileira?
Veja você mesmo:
http://www.youtube.com/watch?v=9ad7b6kqyok
O programa me fez concordar mais uma vez com o Caio e rever uma carta dele. Já tinha postado aqui, mas nunca é demais. Carta de Caio Fernando Abreu para Hilda Hilst:
29/12/1970
Hildinha, a carta para você já estava escrita, mas aconteceu agora de noite um negócio tão genial que vou escrever mais um pouco. Depois que escrevi para você fui ler o jornal de hoje: havia uma notícia dizendo que Clarice Lispector estaria autografando seus livros numa televisão, à noite. Jantei e saí ventando. Cheguei lá timidíssimo, lógico. Vi uma mulher linda e estranhíssima num canto, toda de preto, com um clima de tristeza e santidade ao mesmo tempo, absolutamente incrível. Era ela. Me aproximei, dei os livros para ela autografar e entreguei o meu Inventário. Ia saindo quando um dos escritores vagamente bichona que paparicava em torno dela inventou de me conhecer e apresentar. Ela sorriu novamente e eu fiquei por ali olhando. De repente fiquei supernervoso e sai para o corredor. Ia indo embora quando (veja que GLÓRIA) ela saiu na porta e me chamou: - “Fica comigo.” Fiquei. Conversamos um pouco. De repente ela me olhou e disse que me achava muito bonito, parecido com Cristo. Tive 33 orgasmos consecutivos. Depois falamos sobre Nélida (que está nos States) e você. Falei que havia recebido teu livro hoje, e ela disse que tinha muita vontade de ler, porque a Nélida havia falado entusiasticamente sobre Lázaro. Aí, como eu tinha aquele outro exemplar que você me mandou na bolsa, resolvi dar a ela. Disse que vai ler com carinho. Por fim me deu o endereço e telefone dela no Rio, pedindo que eu a procurasse agora quando for. Saí de lá meio bobo com tudo, ainda estou numa espécie de transe, acho que nem vou conseguir dormir. Ela é demais estranha. Sua mão direita está toda queimada, ficaram apenas dois pedaços do médio e do indicador, os outros não têm unhas. Uma coisa dolorosa. Tem manchas de queimadura por todo o corpo, menos no rosto, onde fez plástica. Perdeu todo o cabelo no incêndio: usa uma peruca de um loiro escuro. Ela é exatamente como os seus livros: transmite uma sensação estranha, de uma sabedoria e uma amargura impressionantes. É lenta e quase não fala. Tem olhos hipnóticos, quase diabólicos. E a gente sente que ela não espera mais nada de nada nem de ninguém, que está absolutamente sozinha e numa altura tal que ninguém jamais conseguiria alcançá-la. Muita gente deve achá-la antipaticíssima, mas eu achei linda, profunda, estranha, perigosa. É impossível sentir-se à vontade perto dela, não porque sua presença seja desagradável, mas porque a gente pressente que ela está sempre sabendo exatamente o que se passa ao seu redor. Talvez eu esteja fantasiando, sei lá. Mas a impressão foi fortíssima, nunca ninguém tinha me perturbado tanto. Acho que mesmo que ela não fosse Clarice Lispector eu sentiria a mesma coisa. Por incrível que pareça, voltei de lá com febre e taquicardia. Vê que estranho. Sinto que as coisas vão mudar radicalmente para mim – teu livro e Clarice Lispector num mesmo dia são, fora de dúvida, um presságio. Fico por aqui, já é muito tarde. Um grande beijo do teu
Caio. – (Do livro de cartas dele organizado por Italo Morriconi)
Para estragar com a magia, coloco aqui um “micro-conto” de Clarice (que eu também já havia postado) para provar que até os cânones tem seus momentos infelizes (e está no livro "Os Melhores Contos de Clarice Lispector" da Global):
Aniversário
- Amanhã faço dez anos. Vou aproveitar bem este meu último dia de nove anos.
Pausa, tristeza.
- Mamãe, minha alma não tem dez anos.
- Quanto tem?
- Só uns oito.
- Não faz mal, é assim mesmo.
- Mas eu acho que se devia contar pelos anos da alma. A gente dizia: aquele cara morreu com vinte anos de alma. E o cara tinha morrido, mas era com setenta anos de corpo.
Ahhhhhh! Taquem fogo na minha cama!
Continuando com os hits do meu Ipod, entrou o novo da (dupla francesa) Les Rita Mitsouko. Catherine Ringer resgatou seus vocais poderosos e a sonoridade 80's. Mais um pra lista dos melhores do ano.
No mais, assisti "Quarteto-fantástico e Surfista Prateado" e gostei.
(Ps Não tenho ainda foto do meu sofá novo. Mas nesta foto estou olhando pra ele)