27/06/2008

CONVIVENDO COM UMA OBRA DE ARTE



Esta semana assisti “Elefante” pela segunda vez. A primeira tinha sido no cinema, depois nunca mais. Recentemente comprei o DVD, e agora vou assistir todos os dias, todas as noites, sempre antes de dormir e quando eu ainda não tiver acordado direito...



Eu já tinha adorado o filme. Gostei ainda mais agora. É dos filmes que mais gosto. Um tipo de filme que eu gostaria de fazer. O meu tipo de filme, como os do Tsai Ming-Liang, como “Morte em Veneza”, onde não acontece muita coisa, mas é tudo bonito e você acompanha o movimento realizando os diálogos internamente.


Talvez mais ou menos como eu sonhe que seja o filme de “Feriado de Mim Mesmo”.


Revendo “Elefante”, relembrei um parágrafo do livro do Gus Van Sant que eu traduzi, onde ele fala sobre a temporalidade (ou transitoriedade?) do cinema. Que um filme é feito para ser assistido uma vez, talvez revisto só mais uma vez na vida, e só. Guilherme de Almeida Prado também questionou esse caráter perecível do cinema em seu discurso na pré-estréia de "Onde Andará Dulce Veiga". Mas acho que essa relação mudou bastante com o reposicionamento do DVD. As fitas VHS não eram um produto para se TER como é o DVD hoje. A estratégia de comercialização do DVD mudou o posicionamento das pessoas em relação ao cinema; filmes se tornaram algo para se comprar (ou para se baixar, o que, neste caso, dá na mesma= TER), como os CDS.

Resta saber se essa nova posição do público em relação aos filmes, alterou de certo modo a maneira de se FAZER cinema.

E isso me levou a pensar na relação de convivência (ou repetição) que o público tem com a arte em geral (ou com as diferentes artes). Você sabe, a repetição sistemática faz parte de uma maneira bastante infantil de se relacionar com uma obra. As crianças pedem para ouvir a mesma história, rever o mesmo filme, ouvir o mesmo disco, exaustivamente. Estou longe de ser teórico no assunto (e ainda mais longe em ser especialista em psicologia infantil) mas acho que é uma maneira de incorporar a obra ao repertório pessoal, talvez de afastar o estranhamento ou de conseguir assimilar totalmente o conteúdo.

Nos adultos, a repetição se dá principalmente com música, é claro. Até porque, o caráter não exclusivista da música permite que você possa encaixá-la nos mais diferentes momentos do cotidiano. Mas, independentemente disso (e da duração), por que temos prazer em ouvir uma música repetidamente e não temos o mesmo prazer com um filme?

Assim como os filmes, muitas músicas também se perdem na repetição. E não estou dizendo apenas de músicas que você ouve tanto que não agüenta mais – estou falando do significado da música. Quantas músicas se tornam trilhas de um momento da sua vida, de uma viagem, de um namoro, mas você ouve tantas vezes depois, que ela perde esse significado?

Comigo acontece direto. Uma música se torna importante por um momento da minha vida, por eu escutar direto em algum momento, em alguma viagem, com alguma pessoa; daí eu acabo comprando o cd (ou baixando o arquivo) e escuto tantas outras vezes - diariamente no Ipod, talvez – que eu até esqueço do que a música me lembrava. Talvez ela ainda possa ser apreciada por suas qualidades próprias, mas perde o sentido sentimental particular para mim.

Nesse caso, a convivência esvazia a obra de arte em si? Ou apenas esvazia seu valor subjetivo e mantém o valor artístico?





Pensei nisso hoje também, revendo os clipes do Radiohead. Comprei aquele DVD, “Best of”. Radiohead era uma banda que eu gostava bastante na minha adolescência (well, eu vivi o britpop, you know, hehehe), mas deixei de ouvir há tempos. Revendo agora clipes como “Creep”, “My Iron Lung”, “High and Dry”, fiz uma conexão direta com meu colegial, com a menina que eu namorava, com as primeiras experiências com drogas, sexo, rock and roll...




E SUEDE, por exemplo, é uma banda que era muito mais importante pra mim na época. Uma banda que é muito mais importante hoje, que fez muito mais parte da minha vida. Mas que, ouvindo agora, não me desperta mais essas lembranças como Radiohead, porque eu ouvi tantas e tantas vezes em todos esses anos, que perdeu o sentido específico.

E com a literatura?

Bem, livro é aquela coisa, como cinema no passado, que você lê uma vez e nunca mais. Acho isso um pouco triste. Um pouco cruel. Um pouco... pouco, na verdade. Porque hoje já há tantos livros que eu li, gostei, adorei... mas que nem me lembro exatamente por quê. Não há? Vira e mexe alguém comenta de um livro comigo, e eu posso dizer apenas que li, que adorei, porque lembro da sensação que tive com o livro, mas não posso mais comentar nem mesmo a trama.

Às vezes eu sinto que ler um livro apenas uma vez é como não ler nenhuma.

Claro que isso pode ser relativo. De repente, aquela obra lida é incorporada de alguma forma no seu repertório, mesmo quando você deixa de ter consciência sobre ela. Ou melhor, “de repente” não, é assim que acontece, pelo menos comigo. Vira e mexe eu releio um livro que li há tempos e me surpreendo. “Meu Deus, mas isso é muito ‘Mastigando Humanos’”.

Quanto aos meus próprios livros, é claro que é diferente. Porque eu acabo relendo tantas vezes – no processo de escrita e de divulgação – que eles são incorporados de outras formas. As frases ficam flutuando na minha cabeça e fazem parte da minha vida (até porque, foram tiradas dela). Então, quando tiro o lixo de casa, me vêm: “espero que o saco plástico resista ao meu peso”. Quando vejo os passarinhos na rua penso que “se eu tivesse asas, não me prenderia a detalhes”. E por aí vai.

Recentemente, comecei a me incomodar, porque achava que meu livro novo não tinha nenhuma dessas frases - aforismos – circulando por minha mente. Daí reparei que era apenas porque eu ainda estava trabalhando nele, porque não tinha relido o suficiente, ainda não tinha reincorporado.

Voltando...

Sinto que tenho uma posição privilegiada (ou apenas diferenciada?) em relação a várias obras de arte, por causa de meu trabalho. Como os livros que escrevo, que tenho de reler; o mesmo com as traduções que faço, tanto de livros quanto de filmes, peças. Sou obrigado, por exemplo, a ver o mesmo filme vezes e vezes seguidas, em dias consecutivos, por causa de uma tradução e da legendagem. O mesmo quando traduzo uma peça em cartaz, que sou obrigado a assistir (com extrema atenção) diariamente. (“Cimbeline”, por exemplo, assisti 15 vezes, em dez dias, sem contar as vezes que vi em DVD).







Mas considero isso realmente um privilégio. É uma forma de estudo, de aprendizado.

Uma das minhas irmãs é palhaça (digo, no bom sentido... digo, no sentido LITERAL). Já fiz alguns trabalhos pra companhia dela, e acho interessante eles sempre defenderem com tanta veemência a improvisação. Num artigo que traduzi para a revista deles, uma palhaça (literalmente) nova-iorquina dizia que detestaria ser atriz, fazer toda noite a mesma coisa; e uma grande defesa dos palhaços (e improvisadores em geral) é essa, poder fazer cada noite uma coisa diferente. Mas eu acho que, como artista, teria mais prazer na repetição. Eu acho que consigo entender mais o prazer da repetição. E se eu fosse um palhaço que realizasse certa noite uma apresentação excepcional, iria querer repetir (e depurar) aquela apresentação na noite seguinte.

Muito bem – cinema, música, literatura, teatro... ARTES PLÁSTICAS.

Em artes plásticas, a priori, não existe repetição, é uma permanência, não? Eu realmente não conseguiria avaliar se uma obra que você viu uma vez num museu, e despertou certos sentimentos, poderia relembrar aquele momento ao ser avistada novamente; mas isso não importa, porque não acho que seja essa relação que as pessoas (normalmente) têm com a obra de arte. As pessoas não dizem: "vamos ao MASP rever aquele quadro que vi pela primeira vez numa exposição na Suíça". Não sei se há essa repetição...

Há, claro, as obras de arte particulares, mas essas se tornam tão permanentes, que entram para a esfera da decoração conteudista (Haha, gostei desse termo). E não me leve a mal, meu pai é artista plástico, cresci rodeado por quadros, tenho alguns (não apenas dele) aqui em casa. Mas a relação de “repetição” do espectador com a obra de arte plástica simplesmente não existe. Ou é uma experiência única ou é uma onipresença que torna a obra um objeto decorativo – ainda que repleto de significado – tanto quanto um sofá, uma foto, um eletrodoméstico.

Enfim, papo longo, e como as artes plásticas não se restringem a isso, eu sugiro que você vá ver a mostra da Marina Abramovic na galeria Brito Cimino, aqui em SP – embora, para esse tipo de arte, uma mostra não seja das coisas mais representativas.






Ps - E se parece que não concluí nada, é porque meu blog ainda não acabou....

NESTE SÁBADO!