Tudo na minha carreira era agora medido em termos econômicos: gigantescos buquês de flores tinham de ser mandados para minhas suítes nos hotéis a fim de acalmar meus “rompantes de insegurança”. Todos os hotéis da turnê mundial de Glamorama deviam fornecer “dez velas votivas, uma caixa de pastilhas de vitamina C, pastilhas Ricola para a garganta, raiz de gengibre fresca, três sacolas grandes de Doritos Cool Ranch, uma garrafa gelada de água Cristal, uma linha telefônica exclusiva que "não constasse da lista” e todas as lâmpadas de leitura deviam ser cor de laranja, porque essa cor destacava meu bronzeado feito em salão de beleza. Se essas exigências contratuais não fossem cumpridas, a multa seria dividida entre mim e a Knopf. Ninguém disse que era fácil ser fã de Bret Easton Ellis.
(Trecho de “Lunar Park” de Bret Easton Ellis).
Acho que essa passagem ilustra um pouco do que eu disse no post anterior, sobre as escolhas críticas, a restrição do universo pessoal. Acho difícil alguém com uma realidade como a do Easton Ellis ter consciência da vida real do escritor. Ele se aproximou tanto de outra coisa – da vida Hollywoodiana – que tanto faz se é escritor, celebridade instantânea ou popstar junkie. Ao mesmo tempo, nós, humildes escritores brasileiros, também não temos consciência de onde uma carreira literária pode chegar (porque não pode chegar – vai dizer que alguém como... Lya Luft, ou mesmo Luis Fernando Veríssimo chega a um décimo de poder e glamur que um escritor hypado como Easton Ellis chega lá fora. Paulo Coelho é outro parâmetro, porque ele de fato tem uma carreira hypada internacionalmente). Então acabamos sempre limitados e alienados pelo nosso meio, nossa realidade, nossas escolhas e caminhos. E escritor no Brasil tem de se acostumar a pedir licença, pedir desculpa...
Um pouco sobre isso também é o texto que escrevi pra Revista da Folha desta semana. Não sobre as limitações do escritor, mas sobre os universos restritos, como temos uma visão limitada de mundo, da cidade em que vivemos, como cada um tem um universo à parte – alheio, alienado, isolado – e muitas vezes não conseguimos nos comunicar, nos encontrar com o outro, viver e entender outros caminhos.
Ok, como não dá mais pra você comprar a revista, mando o texto:
Eu não moro em São Paulo.
Um caminhão de leite capotou na Marginal Pinheiros. O tráfego foi interrompido. O trabalho de resgate foi lento. E um longo congestionamento se espalhou pela pista expressa, pela pista local e cercanias...
Mas eu não passo por essa via. Não tenho carro nem uso o transporte público. Quando saio de casa, é com meus próprios pés. Eu não me preocupo com o trânsito, nem com a greve do metrô. Trabalho em casa. Moro sozinho. E todos os meus principais destinos estão restritos a este bairro, estas ruas, dando a volta no quarteirão...
Acordo tarde e vou dormir de manhã bem cedo. Não faço fila na hora do almoço, nem volto pra casa na hora do jantar. Eu não tenho medo da chuva, ou do alagamento; moro no décimo andar, acima, alienado, alheio.
Essa cidade que você reclama não é a minha. Esse drama que você vive não me foi escrito. Espio tudo de longe, de leve, não me arrisco. E se não enfrento os perigos da cidade, como poderia conhecer suas delícias?
Nós freqüentamos a mesma livraria, mas chego quando está vazia. Fazemos compra no mesmo supermercado, mas eu vou tarde, de noite, de madrugada. Nós temos os mesmos gostos e procuramos um pelo outro, mas a gente nunca se cruza na mesma hora, nas mesmas rodas, nessa sua cidade, eu não moro aqui.
Ainda assim, eu conheço você. Imagino seu rosto, ouço sua voz em meus sonhos. Estamos sempre à beira um do outro, e do abismo. Basta um acaso, um esbarro, que a gente se encontra ao mesmo tempo, no mesmo destino.
Preciso de um acidente, de uma armadilha. Prender você aonde eu possa chegar. Minhas palavras como mensagem na garrafa, jogada de uma ilha. Como um bumerangue, uma isca, um cão farejador para te resgatar.
Você mora em outra cidade. Você vive outra vida. Você vive em outros tempos, paralelos. Quero que venha morar comigo.
Eu não moro na sua São Paulo. Eu moro aqui, eu vivo sozinho. Vivo quase à beira, à margem, em outra cidade. Quero que venha morar comigo.
Um caminhão de leite capotou na Marginal Pinheiros. Não houve feridos.
(Reparou que dei o truque, né? Minhas crônicas nunca são exatamente crônicas, têm mais cara de conto em prosa poética. Não consigo me ater a proposta frugal-cotidiana-comentarista de cronista que acorda de manhã, vai comprar pão na padaria e vê algo instigante para colocar no jornal. By the way, que eu saiba nenhum caminhão de leite capotou, mas poderia. Eu gostaria.)
Parece que vou ter mesmo de trabalhar em cima do formato conto. Tem vários meus saindo pela América Latina a fora (em nove países, na verdade, alguns dos quais devo visitar em breve). Tudo reflexo do encontro ano passado, em Bogotá. Mas eu tenho mais reciclado contos antigos do que enviado coisa nova (bem, esse da revista da Folha é novíssimo). Meus contos mais recentes são extensos demais. E meu provável livro de contos (a ser lançado em.... 2011?) vai ter histórias que se cruzam, se relacionam, não poderá ser lido separadamente.
Finalizando, proveito para lembrar que esta semana vou estar na Feira do Livro de Ribeirão Preto, quinta, 11h, em debate com Daniel Galera. Já estive lá uma vez, há uns três anos, num debate com a Soninha Francine. Foi bacana. Desta vez vou e volto rapidinho, porque preciso terminar uma tradução e já começam os trabalhos pro São Paulo Fashion Week. Terei novamente uma página diária no Journal da Erika Palomino. Minha contra-proposta em fazer primeira fila foi fazer ÚLTIMA FILA, pegar o pessoal do fundão, gente divertida, bacana e interessante que geralmente não é focalizada na cobertura. De repente, nos vemos por lá.
Eu e Carol, bicudos numa das edições passadas.