03/06/2008

PODER PARALELO



Estou longe de ser cabeçudo. Você sabe como valorizo a cultura pop, a produção trash, as pequenas imbecilidades geniais. Mas cada vez entendo menos – e me espanto, me embasbaco, me enojo – com a cultura de massa. Isso já não tinha acabado? Já não era pra ter acabado? Desde a faculdade eu ouço que estava acabando – que entrávamos num novo paradigma, fim das verdades absolutas, da cultura massificada, era das escolhas individuais.

Talvez para quem circula pela internet seja. Aqui você pode encontrar seu ídolo particular, ter um fã-clube com milhares de fãs seus, baixar músicas daquela banda que só você conhece e encontrar gente que compartilha de seus gostos difíceis e exclusivos.

Para quem vive na internet, a era das verdades absolutas e da comunicação de massa já acabou há muito tempo. Pena – pena mesmo – que a enorme maioria da população mundial não chegue nem perto de um computador.

Assim, as corporações continuam decidindo quem são os astros. As revistas continuam promovendo celebridades vazias. As rádios continuam tocando o que eu não quero ouvir e os filmes que chegam às telas não são aqueles que contam nossas histórias.

Estava pensando um pouco sobre isso ontem, antes de dormir, depois de ver CQC e de ler Brett Easton Ellis. O que uma coisa tem a ver com a outra? Tanto o programa de TV quanto o autor fazem crítica satírica social. E de forma bem inteligente. Gosto do CQC, acho um dos programas mais inteligentes da TV aberta. E gosto de Brett Easton Ellis, acho um autorzão de respeito. Mas me incomoda um pouco ver a armadilha a que a crítica deles se sujeita. A crítica pode se tornar uma forma de elogio... ou de valorização.

Ao criticar a sociedade de celebridades vazias, o estilo de vida dos ricos e famosos, está se promovendo essa sociedade. Está se assumindo a importância dessas pessoas, o conhecimento desses valores, está se reafirmando essas pessoas como formadoras da cultura atual. A escolha do que se critica também é uma posição crítica.

Se o seu trabalho é se dedicar a criticar celebridades está subordinado a elas, são elas que justificam sua ocupação e pagam seu salário. Você está deixando de criticar outras questões mais relevantes. Você reclama da nova musa do funk, e deixa de revelar novos talentos da MPB.

(Hum, neste caso, esta crítica é paradoxal em si?)

Dito isso, me preocupa que o CQC se aproxime do programa Pânico, que se pretendia crítico e se tornou apenas cínico, criando seu próprio hall de celebridades vazias (como a Mulher-samambaia). A vaidade é traiçoeira.

(Aliás, ontem escutei no CQC aquele cabeleireiro das estrelas, que tem uma foto imensa da cara gorda dele na porta do salão, dizer: “Homem não tem que ter vaidade, tem que ter dinheiro.”- Então pega seu dinheirinho, mona, e manda fazer uma fachada decente pro seu salão.)

Quando o CQC critica o que realmente interessa - questões políticas, artísticas, sociais - acho que tem uma personalidade mais própria. Quando corre atrás das celebridades, acaba virando um Pânico alternativo.

Recentemente me pediram isso, pra fazer uma coluna no SPFW focalizando a primeira fila, as celebridades, de forma divertida. Não faço. Me recuso. Principalmente porque eu nem sei quem são essas celebridades, não conheço a cara de um participante do Big Brother. Não quero ter de conhecer, nem pra criticar. Não acho que essas pessoas sejam relevantes. Não acho que devemos promover esse tipo de coisa. Acho que há coisas mais importantes para se discutir - ou simplesmente há OUTRAS coisas a se discutir, importantes ou não, acho que é preciso buscar sempre novos focos.

Veja bem, não sou contra a Maria Paula dizer “quero ter meu filho de cócoras”. Mas sou contra a quantidade de revistas que se vende com uma capa imbecil dessas. Você pode até comprar. Você pode até se interessar. Mas me preocupa que isso interesse DEZENAS DE MILHARES de pessoas.

(Sinceramente, se este blog interessasse dezenas de milhares de pessoas, eu me preocuparia.)

Quanto ao Brett Easton Ellis, vai um pouco pelo mesmo caminho. Ele critica valores que só existem dentro desse contexto, de um contexto em que ele faz parte. Os alvos das críticas dele não deveriam ter essa importância, para um escritor.

Acho que hoje há um novo abismo social. Um abismo entre a sociedade virtual e a sociedade massificada. Talvez isso se aproxime um pouco de uma crise de gerações – as gerações mais novas já incorporando novas estéticas, ídolos paralelos, e aceitação de diferenças – enquanto que as gerações anteriores (e que não cresceram sobre influência da internet) ainda estão mais sujeitas aos valores de massa ou - aqueles de maior nível cultural - aos valores “do bom gosto”.

Mas enfim, não se pode restringir a uma questão geracional, porque a comunicação segmentada (ou virtual) ainda está longe de ser uma realidade para todos os jovens. Não sei se a cultura de massa está longe de acabar ou se já está acabando, o que parece é que as corporações insistem em fingir que nada está mudando. Ou talvez elas não saibam mesmo.

(Afinal, por que não aconteceu ainda um beijo entre homens numa novela da Globo? Aliás, porque às vésperas dos Dias dos Namorados toda a publicidade ainda seja feita considerando que casais são formados apenas entre um homem e uma mulher? E num terreno ainda mais superficial Por que não existe NENHUM galã da Globo que eu ache realmente atraente?)

(hum... nos Mutantes da Record até tem...)

As verdades massificadas não ecoam nas nossas verdades pessoais. E não deveriam ecoar em você. Você não deveria procurar saber o que todo mundo já sabe. Gostar do que todo mundo já gosta. Por que a mídia inventa que o KLB é formado por três rapazes bonitos e milhares de adolescentes acreditam?


Uh-lalá!

(Aconteceu o mesmo com os Menudos nos anos 80 - e hoje aposto que você se arrepende...)

Enfim, é uma sociedade louca. E um escritor pode ganhar mais dinheiro escrevendo um parágrafo publicitário do que com um romance inteiro.

Well, well, para suavizar e terminar, indo aos ídolos paralelos, este final de semana fui ao Inferno ver o show do Vampiros & Piratas, banda do meu amigo Nicolas Graves. Teve abertura da banda Maldita, do Rio de Janeiro, que eu não conhecia. Aprovei. A petizada trevosa de hoje precisa de coisas assim. Vai um trechinho de letra deles:

Eu me fechei na escuridão

Sangrento era o corpo em minhas mãos

Comprei a arma só pra te assustar

Minha intenção não era de te matar

Eu a arrastei até o cemitério

Seus olhos brancos eram cadavéricos

Eu me fechei na escuridão

Eu lavei o sangue seco em minhas mãos

O que eu sinto é algo tão intenso

Eu precisava saber como ela era por dentro

O que eu sinto é algo tão intenso

Eu só queria saber como ela era por dentro



("Anatomia" - da banda Maldita)



No momento, ouvindo Adriana Calcanhotto:



Onde, longe, Londres Lisboa...

Ou na minha cama...

NESTE SÁBADO!