06/04/2009

TORRE DE MENINOS


Estamos chegando lá...

Meu “novo” romance sai mesmo em junho, pela Record. Já foi revisado e agora estamos acertando os últimos detalhes de diagramação, orelha...

É novamente um romance de formação, mas desta vez focado na passagem da infância para a adolescência. Sete meninos na puberdade, que moram num daqueles prédios inclinados de frente para o mar, se apaixonam por uma jovem professora; aquele tipo de mulher que engloba os traços de mãe, mulher, namorada, pelo qual todo menino se fascina em algum ponto da vida.

O drama e a graça do livro é que a professora é uma canalha infanticida.

Foi uma delícia fazer, apesar de todos os percalços e mudanças de editora. Foram mais de dois anos escrevendo, relendo, revisando. Terminei com 550 mil toques, que deve dar algo entre 300 e 400 páginas.

O livro tem 21 capítulos, dividido em três partes (a primeira de apresentação dos meninos, a segunda da relação deles com a professora e a última do genocídio em si). Cada abertura de capítulo e de segmento virá com uma ilustração de Alexandre Matos.


O que mais? Não acho que o livro represente uma grande ruptura em relação aos meus anteriores. Se "Mastigando Humanos" irrompeu como o mais pop e bem humorado dos meus romances, este acho que tem um pouco do clima de cada um. É a consolidação de um estilo, o meu estilo. Talvez seja algo entre "A Morte Sem Nome" e "Mastigando Humanos", mais narrativo do que o primeiro, mas menos lúdico do que o segundo, embora ainda com um senso de humor mordaz.


Ainda não sei a agenda de lançamentos. Dependo muito também dos convites para Bienais, Feiras do Livro e eventos pelo Brasil. Quem tiver propostas...
Aqui em São Paulo estou pensando ainda em alternativas para fazer um evento bacana, sair do tradicional coquetel em livraria...


Para esquentar os tamborins, apresento os sete meninos, sete protagonistas. Não há personagem principal no livro – nem mesmo o menino cego – os sete são igualmente importantes, embora eu tenha meus favoritos...

O Mestiço Cego: O corpo do Mestiço sim... cheirava. Glândulas despertas, começavam a funcionar. Era suor, suor frio, suor quente. Era seu nariz que se prolongava sobre si e aspirava o próprio corpo, sentindo a própria adolescência. Eram os braços que cresciam, para cima das panelas, as travessas da mãe, e o obrigavam a comer, engordurar-se, compensar em comida toda a carência, o abandono, o medo de ser engolido pela professora, pelos crocodilos, pelas topadas da vida. E a gordura que circulava em seu sangue sentia-se em sua boca, irrompia em espinhas. O shoyu que ingerira salgava sua pele, suas sobrancelhas agridoces, seu cabelo empastelado. O restaurante podia estar limpo, puro, desinfetado, mas o menino cego sentia ainda em si – e apenas em si – o cheiro de tudo o que os pais serviam aos clientes.

O Andrógino Apático: O Andrógino desviou-se de sua imagem refletida no espelho. Olhou mais de perto, os ossos agarrados à pele de seu rosto. De fato, como bem planejara, a pele delineava os ossos no rosto, nas mandíbulas e nas maçãs proeminentes, como bom andrógino, como bom menino. A pele era pálida, como planejara, e doentia, de uma maneira que ele não esperava. Não apenas branca, não imaculada, marcada com veias rebeldes que ainda inchavam, azulavam, esverdeavam, e, num canto ou outro do rosto, tornavam sua pele amarelada. A pele agarrava-se aos ossos, mas sob ela também crescia algo mais, negro, rastejava, como bicho geográfico. Ele temia, mas sabia muito bem o que era. Então se escondia por trás da franja. A franja ainda o protegia. Não bastava ser magro. Não bastava ser pálido. Sempre haveria um bicho geográfico a crescer sobre seus ossos. A correr sob sua pele. A mudar as cores do rosto. Ainda bem que a franja continuava por lá.

O Narciso Vesgo: Ele acordou e se olhou no espelho e não se sentiu satisfeito – porque afinal o narcisismo não é apenas a adoração própria, mas a administração constante dessa adoração, que pode levantar exasperações como: “Oh, meu Deus, meu amor, meu querido, você não está tão bem hoje quanto poderia estar. Nós sabemos que você poderia estar melhor. Nós sabemos que sua franja poderia cair para outro lado. Nós sabemos, então, o que faremos? O que eu faço? Oh, meu Deus, meu amor, meu querido, como posso me arrastar por este dia assim, longe da perfeição heróica que eu sei, eu sinto, existe dentro de mim? Oh, meu deus, meu amor, meu querido, como posso atravessar este espelho e fazer com que todos vejam o que está escondido lá dentro? O que eu já vi tantas vezes, tantas outras, mas nunca na vez certa, nunca no momento exato, nunca quando eu me arrisco, quando eu mais preciso. Quando eu mais preciso essa franja cai assim, para o lado errado. Quando eu mais preciso, eu não consigo. Como posso mostrar a eles minha verdadeira face se nem você, oh, meu amor (Meu Deus!) meu querido, pode hoje refletir o que eu sinto?”

O Gordo Histérico: O Gordo foi rolando até o telefone fazer o pedido. Tinha de tomar cuidado, pela inclinação do prédio, por suas formas arredondadas, poderia ser ejetado ao menor deslize. Não seria um acidente fatal, claro – os próprios suicidas já haviam desistido de se jogar daquele prédio; para conseguir afundar no mar teriam de ter os bolsos pesados, uma mochila nas costas, e só aqueles sem nada a carregar é que desejam a morte – mas o Gordo também não queria se manchar de óleo, (por tantos acidentes e acasos), não queria ser jogado como uma bexiga cheia d’água no mar. Segurou-se firme nos móveis, com os dedos amanteigados, até deixar-se cair ao lado do telefone, no sofá. “Vou pedir meia catupiry, meia champignon, pode ser? Vou pedir meio a meio, não é assim que você gosta?” O Gordo perguntava, já com o telefone na orelha, soprando seu hálito lácteo de gato.


O Negro Ejetado: Desistira de ir às aulas. Ele não conseguia se adaptar. Sempre se sentira estranho – excluído – entre os meninos, e agora sentia que a própria professora o inferiorizava: “Rapaz, pode apagar o quadro-negro? Mocinho, traz uma água para mim? Menino, tire um xérox deste exercício para seus colegas”, sempre sem chamá-lo pelo nome, sempre lhe pedindo favores. Sempre solicitando seus serviços, enquanto continuava a aula para os outros meninos. Os outros meninos podiam até sentir inveja. Os outros meninos podiam até se oferecer para apagar o quadro, trazer uma água, tirar xérox, mas ele sentia que era preterido exatamente por não lhe ser dada a oportunidade, a oportunidade de se oferecer. Para ele, era um serviço. Aquela era a sua tarefa. Lhe era negada a oportunidade de surpreender a professora, de agradá-la, ele só poderia atender ao que ela lhe solicitava.


O Atleta Desprendido: Ela se encontrava entre as quatro paredes que faziam o menino ser o que ele era, refletiam o que ele era, eram extensão da personalidade do menino, a ponto das paredes já terem suas digitais e os móveis estarem impregnados com antigas células dissidentes de sua pele. Estava no quarto do menino. E tudo lá apontava para fora: os pôsteres de surfe, a prancha encostada num canto, o skate escorado para não rolar, a miniatura de um navio dentro de uma garrafa. Era isso, um navio, dentro de uma garrafa. O menino trancado dentro de um quarto que só apontava para fora, mas que estava com as janelas fechadas, a porta fechada, e o menino encerrado numa cama, sem querer sair. Aquilo assinalava como o menino era contraditório, como era contraditório ser menino, como ser menino é uma impossibilidade de ser, associada a uma enorme vontade, uma enorme potência, uma enorme latência que, ao se resolver em maturidade, só revela frustração e incapacidade.

O Junkie Iluminado: Engoliu as três pílula de uma vez. Sentiu-se melhor na mesma hora. De repente não eram as pílulas. De repente eram as pílulas. De repente eram as pílulas que empurravam a cocaína para baixo e reforçavam a dose em seu organismo. Fez com que o Junkie se calasse naquele exato instante. E naquele exato instante em que se calou sentiu ânsias. As pílulas querendo voltar. As pílulas querendo sair. Então passou. Sentiu-me melhor. Sentiu-se ótimo. Sentiu-se incrível. Será que as pílulas já haviam surtido efeito? E se ainda fossem surtir? E se já tivessem surtido? E se já tivessem deixado de surtir?

ENTÂO VOCÊ SE CONSIDERA ESCRITOR?

Então você se considera escritor? (Trago questões, não trago respostas...) Eu sempre vejo com certo cinismo, quando alguém coloca: fulan...