WARNING: CONTAINS SPOILERS
Entrou hoje no ar entrevista que Luciano Trigo fez para sua coluna no portal G1. Prévia:
G1: Seu novo romance mistura um tema sério - a passagem para a adolescência - com elementos um pouco bizarros, como zumbis e assassinatos. Qual é a idéia? Que efeito você quis obter?
SANTIAGO NAZARIAN:É o que eu chamo de “existencialismo bizarro”, se é para colocar rótulos. É o que eu acho que posso – e quero – fazer de novo pela literatura. Sou um escritor, obviamente tenho influência e sinto o peso de uma tradição literária, mas também tenho meu repertório de literatura de horror, de filmes trash, de toda a cultura pop com que cresci, e gosto dessa mescla. Gosto da fusão de gêneros, de utilizar elementos que talvez não sejam classicamente literários de uma maneira mais lírica, de desafiar um pouco o bom gosto. Os zumbis no livro, por exemplo, são apenas uma alegoria de toda a imbecilidade que assola a humanidade. Há um trecho no livro em que um personagem diz “Há algo de podre nesta cidade.” e outro pergunta: “Isso é Shakespeare?” A resposta: “São os zumbis, isso sim.” Isso é o existencialismo bizarro, colocar Shakespeare e zumbis num mesmo parágrafo.
Você pode ler a entrevista inteira no: http://colunas.g1.com.br/maquinadeescrever/
Aproveito e coloco abaixo, na íntegra, a entrevista que a Editora Record fez para o release do livro:
Como surgiu a ideia de O Prédio, O Tédio e o Menino Cego?
Esse livro veio como uma seqüência lógica pessoal de Mastigando Humanos. Eu já havia tratado da passagem da adolescência para a idade adulta, do processo de amadurecimento, e O Prédio continua com isso, voltando um pouco mais, na passagem da adolescência para a infância. Mastigando Humanos foi uma ruptura por permitir um tom mais debochado, fantástico e assumidamente pop. Agora, pude seguir com isso, mas não precisava mais que fosse de maneira tão flagrante, como a alegoria dos animais e todo o absurdo incisivo que há como bandeira em Mastigando Humanos. Eu também comecei a escrever na virada dos meus 29 para 30 anos; quer dizer, entrada definitivamente na vida adulta. Acho que isso me fez ter um distanciamento positivo desses processos adolescentes.
Quanto tempo trabalhou no livro?
Quase três anos. Aproveitei ao máximo o tempo que o livro levou para ser lançado para reescrevê-lo, mais do que o contrário. Se a editora tivesse dito “queremos lançar no início de 2008”, teria sido lançado, escrito em apenas um ano e meio. Escrevo muito rápido, tem uma parte de prosa espontânea, sim, mas teve vários pontos em que tive de parar e pensar um pouco para onde a história iria, antes de escrever, porque não queria seguir numa direção errada. Até porque, não tenho muita prática de descartar.
Descartar personagens, tramas?
Quando há algum problema no livro, geralmente eu procuro consertar colocando mais em cima – é como quando uma receita fica salgada demais, e você coloca mais água para diluir o sal, daí fica insossa, daí você coloca mais sal de novo, e assim até acertar o ponto. Mas com esse livro eu cheguei a um ponto que tinha coisas demais, personagens demais. Eu tentei consertar aumentando a participação de personagens que estavam subdesenvolvidos, mas continuava com o problema de ter história demais. No final, tive de fazer a escolha dolorosa de cortar personagens, de cortar páginas e páginas. De 20 à 30 páginas foram cortadas. Sabe como é, a gente se apega ao que escreve... Mas depois de cortado me pareceu muito mais natural. Enfim, esse tempo de três anos – que foi motivado por mudanças de editora também – foi bom para o livro sair o melhor possível.
Adolescência é tédio mesmo?
Eu não sei se poderia generalizar que adolescência é tédio... Mas há esse componente, há essa parcela da adolescência blasé, entediada. O Tédio é mais uma personificação das limitações dessa idade – em que se quer tanto, mas se pode ter tão pouco, em que ainda está muito subordinado às escolhas dos pais, da sociedade, ao papel que se espera de você. O livro é muito fundamentado naquela máxima nietszchiana: “torna-te quem tu és”.
O fim desse tédio vem com a entrada do diferente na vida de um adolescente? No caso do livro, a figura feminina...
A figura feminina é o despertar da sexualidade. Existe essa professora, pela qual todo menino se apaixona algum dia na vida. Não importa qual sexualidade um menino irá desenvolver posteriormente, a fascinação pela figura feminina sempre surge de alguma forma. A Regina do livro foi muito baseada numa professora que tive aos dez anos, todos os meninos da classe eram fascinados por ela. Mas também tem um pouco de uma namorada do colegial, que era uma menina já bem mais madura – e perversa – do eu. E tem um pouco da Regina Volpato, sabe? A apresentadora do programa Casos de Família, do SBT. Sou apaixonado por ela. Ela tem a figura perfeita da Professora. Traz aquele povo pro programa, para discutir seus problemas domésticos e, talvez por serem pessoas mais simples, ela trata todos como crianças, mas de uma maneira extremamente elegante, quase etérea; é um tom bem raro nesse tipo de programa, que costuma apelar para o barraco.
Você traz estereótipos da adolescência, mas que podem ser estendidos para o resto da vida. Em qualquer idade, você é o gordo, o vesgo, o atleta, o junkie e tem sua imagem vinculada a isso. Concorda que isso faz do livro uma abordagem sobre a adolescência, mas que mostra pessoas de qualquer idade?
Não concordo tanto que pode ser visto em qualquer idade. Quando você é gordo aos doze anos, você é o Gordo. Quando você é gordo aos 40... Bem, quase todo mundo é gordo aos quarenta... Acho que o livro trata da adolescência e da juventude. Os meninos não têm exatamente uma idade definida. No começo do livro eles parecem mais crianças, depois são um pouco mais adolescentes, tomam drogas, dirigem um carro. Há por exemplo um erotismo todo lá – que eu não consideraria pedofílico, porque não é baseado numa atração infantil, e sim no aspecto realmente masculino dos meninos. Por isso eu não situo em nenhum ponto do livro que idade exatamente os meninos têm – isso nunca é dito. Eles podem ter diferentes idades, até porque há uma passagem de tempo dentro do livro – que também não é definida exatamente de quanto tempo.
Mas é clara modificação dos meninos durante o livro.
Os estereótipos são um pouco arquétipos irônicos – O Narciso Vesgo, por exemplo. À princípio, os meninos parecem com muitos já visto em outros livros e filmes: O Senhor das Moscas, Capitães da Areia, Goonies. Inclusive, outro dia desses revi o filme It, baseado no livro de Stephen King, e fiquei chocado em ver como tinha sete meninos próximos dos meus; bem, o livro It foi o primeiro livro que li em inglês, quando tinha uns quinze anos, então deve ter algo aí. Para além dos estereótipos, os meninos se modificam um pouco durante o livro. A Professora, a figura feminina, existe para alterá-los, para confrontá-los com suas masculinidades. O Andrógino percebe a barba crescendo sobre o rosto, o Atleta se torna mais frágil, o Gordo boboca se torna um Gordo bullyng...
Por que a opção de identificar os personagens com seus nomes apenas na segunda parte do romance?
Ah, todos meus livros têm essa questão com nomes. Eu não saberia dizer exatamente qual é o fundo psicanalítico nisso, mas em todos meus livros o nome dos protagonistas é uma questão... Neste, existe um duelo entre a Narradora e a Professora. Ficava mais explícito numa versão anterior, em que se mostrava realmente quem era a Narradora. Mas o livro é fundamentado nisso, no que a Narradora (que antes de tudo é uma espécie de “mãe” dos personagens) quer para os personagens e no que o surgimento da outra mulher, Regina, quer para eles. Quando Regina surge, várias coisas mudam no livro, não apenas na personalidade dos meninos, mas nos nomes próprios o Prédio, que volta a ser o prédio, etc. É como se as duas lutassem pelo controle do livro. Identificar os meninos com adjetivos é uma maneira de torná-los mais arquetípicos, sim - um Negro que representa todos os negros. E quando eles ganham nomes – que são dados basicamente pela Professora – são todos nomes plurais: Lucas, Nicolas, Jonas, Carlos... para manter essa idéia, de que representam vários.
Essa opção de não identificar os personagens no primeiro momento é uma forma de instigar mais ainda o leitor, que se desafia a identificar cada um?
Eu não queria realmente que fosse difícil de encaixar. Eu me esforcei para que essa mudança fosse tranqüila, que se identificasse facilmente que Nicolas era o Mestiço, por exemplo. Ou ao menos que não precisasse se identificar, porque o que importa é o que acontece com Nicolas de lá pra frente. Mas não sei se consegui. É uma escolha arriscada, dar nomes a sete protagonistas apenas na parte final do livro, eu sei.
Você acha que o livro tem maior identificação para o universo masculino?
Sinceramente, não sei quem pode se identificar. Eu realmente nunca imagino quem pode se identificar com um livro meu. Escrevo um livro narrado por um jacaré de esgoto e depois penso: “mas quem vai se interessar, se identificar com isso?” E, bem, as pessoas me escrevem dizendo que se identificaram. Gente com perfil bem diferente do meu. Aliás, esse é meu maior orgulho, porque escrevo coisas tão pessoais, tão parte do meu universo interno, do que acredito, e me surpreende até hoje que eu consiga publicar por grandes editoras, que tenho ótima aceitação da crítica, que vendo razoavelmente bem.
Por que você não inclui uma menina no grupo? Seria para fortalecer a imagem da “professora” mesmo?
Claro. Eu até debati comigo mesmo se não deveria cortar qualquer outro personagem feminino – há personagens secundários, Maria Alice, a Mulher Urso Polar, a Gorda da Confeitaria. Regina era para ser a personificação do feminino em si. Se eu colocasse uma menina, teria de ter um papel decisivo, seria outro livro.
Você instiga o leitor a criar imagens em sua cabeça. O prédio inclinado, as descrições dos personagens. Qual sua maior preocupação – na hora de narrar – para que essas imagens sejam compreendidas?
Acho que há um universo interno que eu quero que o leitor conheça. Quero dividir com ele um pouco meus ideais, minha estética, meu mundo. É claro que cada leitor fará sua leitura, terá sua visão, até porque não sou muito descritivo, trabalho mais com conceitos do que com apontamentos objetivos. Para mim não interessa que ele saiba que tal menino tem um nariz arrebitado, olhos amendoados e claros, cabelo liso castanho claro caindo abaixo da orelha, boca pequena – quero que ele ache o menino lindo, então ele precisa completar a descrição com sua própria visão de beleza. Acho que por isso, por exemplo, nunca foi feita uma boa adaptação de O Retrato de Dorian Gray, porque você vê o filme, uma peça de teatro e pensa: “Ah, não, esse homem não é perfeito, não é ele o ideal de beleza que vejo em Dorian Gray”; cada um tem o seu. Mas claro que tento guiar um pouco o leitor – eu dou, por exemplo, cheiros característicos a cada um dos meninos.
Existem pontos autobiográficos no livro?
Sempre existem. Talvez não tão objetivamente, mas sempre existem. Por exemplo, a cena da briga entre dois meninos, a ideia veio do livro A Fábrica da Violência, do Jean Guillou, mas tirei muito as sensações de uma briga violenta que tive com um namorado. E durante essa briga, a Professora passa pelos meninos e diz: “Que coisa feia”. Isso foi tirado de uma outra briga que tive na escola. Foi algo bem forte para mim, até porque eu não era de brigar. E voltei para a sala me sentindo péssimo, sentindo como se fosse um momento decisivo na minha vida (e talvez tenha sido, não é? Já que aparece em livro vinte anos depois...) e minha professora favorita virou para mim e falou: “Fiquei sabendo que estava brigando. Que coisa feia”. Era o tom de uma mulher falando com um menino. Aquilo deixou claro para mim como nossos confrontos de moleque eram insignificantes para uma mulher como ela.
Você se identifica com algum dos meninos especificamente?
Eu fui um pouco de cada um dos meninos. Até uns doze, treze anos, eu era muito tímido, gordinho, não tinha amigos. Depois comecei a praticar caratê, emagreci, criei uma turma de amigos na academia – aliás, com dezesseis anos perdi a virgindade com uma mulher de trinta e dois; eu saía com mulheres mais velhas. Logo depois arrumei uma namorada bissexual, me tornei um adolescente gótico, meio junkie, segui assim até os vinte e poucos. Mas os meninos do livro também têm muito de vários amigos, e de ex-namorados. A coisa do Narciso ser sempre o forasteiro, por exemplo, foi tirado de um ex-namorado meu, que acabou indo embora e hoje mora no Japão. O Andrógino foi muito tirado de um grande amigo – que, por incrível que pareça, é heterossexual. Já o email que ele escreve à narradora do livro tem muito do que me escrevia um menino do interior, lindo, daqueles que se tornam uma espécie de celebridade de fotolog, mas que mora numa cidade minúscula onde é chamado de viadinho, e que sonha se mudar para São Paulo.
Existe a idealização dos personagens?
É um grande clichê dizer isso, mas é verdade, que os personagens fogem um pouco do controle, ganham vida própria. Eu, na verdade, sempre quero personagens idealizados - o menino que cheira a cravo e canela – mas a história vai se desenvolvendo e ele vai se tornando mais real – o menino ganha uma catinga. Haha. Ninguém é perfeito. Talvez a escrita (para mim) seja isso: a busca do personagem perfeito.