29/08/2009

A VIDA É SELVAGEM

Mesmo para os reis...

A vida é difícil. Há o tédio e o tédio e expectativa, depois frustrações, frustrações e amarguras. E quando está tudo calmo, é o tédio de novo. E quando tudo se agita falta tempo, e dinheiro, e surge um vazamento no banheiro. Daí você gasta seu mirrado dinheirinho para trocar a geladeira, você gasta aquilo que iria lhe dar felicidade para fazer obturações. O HD queima. A conta de telefone vem errada. E quando tem dinheiro demais comprar uma casa na praia, contrata caseiro, paga IPTU, os móveis mofam e num final de semana alguém faz a limpa e leva todos os eletrodomésticos embora. Você corre para emagrecer, passa óleo-de-amêndoa-de-fígado-de-bacalhau, mas seus cabelos vão ficando brancos, surgem as rugas embaixo dos olhos - e a cada dia novos meninos chegam aos 18 anos - e você cada vez mais longe, cada vez mais longe... Você casa e tem filhos e eles só te dão desgosto. Seu filho é gay, e não vai ter dar netos. Seu filho é um playboy, e cospe nos seus livros. Seu filho é autista, tem síndrome de down, dirigiu bêbado e atropelou o filho de uma empregada, atacou fogo num índio, acabou deputado em Brasília. Você estudou, fez o que podia, tem hoje o emprego que quis e a certeza que por mais que você continue, por mais que conquiste, por mais corra atrás de uma cheetah por dia, você nunca vai ser ser feliz....


Oh!



Foi mais ou menos isso que eu pensei - ou isso que minha mãe me disse ao telefone, um dia desses, depois de assistir ao Animal Planet.

"Estava vendo um daqueles documentários de leões, de guepardos. Estava pensando em como a vida é difícil para todo mundo. Por mais natural que seja, a vida é essa bataha constante..."

E agora estou aqui em casa, traduzindo uma bela passagem de Van Booy, em que um menino pede para a mãe cortar o cabelo dele como do Morrissey... Só que meus vizinhos escutam pagode no último. E eu tento afogar tudo com "My Insatiable One".

(Pior que nem posso culpar o país, nem posso culpar a Bela Vista. Quando morei em Londres, e trabalhava de barman até as 5 da manhã, acordava as 9h com o pagode dos vizinhos no último. Isso, pagode em Whitechapell. Os zumbis estão por todos os lados...)

Falando em zumbis, saiu hoje uma matéria legal do livro no Jornal do Comério, de Recife - "Nazarian Volta Mais Pop do que Nunca". O tom do repórter (Luís Fernando Moura) era um pouco... amargo - acho que ele não era muito fã das minhas coisas, mas acho isso especialmente bacana, por ainda ter gente que questione e que, ainda que não concorde comigo, me dá espaço (e foi um belo espaço). Coloco os trechos mais interessantes da entrevista, que foi feita por email:


Você já falou que a literatura pode desmistificar verdades como, por exemplo, reforçar e por em evidência as diferenças entre as pessoas. Esta não é uma discussão antiga? Pode explicar?

Em alguns pontos, acho que a literatura pode ser mais transgressora, libertária e contestadora do que nunca. Veja, temos cada vez menos espaço – menos tempo, menos aprofundamento – nos meios de comunicação e nas artes. Na literatura você ainda não tem limitação de páginas. E temos a limitação de orçamento – não podemos fazer tudo o que queremos em televisão, em cinema, em teatro. Na literatura não. E temos a mais cruel limitação da polícia de pensamento – o politicamente correto. Existem os preconceitos, existem as perversões, mas elas não podem ser verbalizadas por indivíduos, porque eles serão processados, muito bem. Mas elas continuam existindo, então não mostrarmos é uma forma de hipocrisia – quase como os alemães que negam o holocausto. Para isso, ainda servem os personagens, você pode criar um personagem cruel, você pode criar um personagem politicamente incorreto. Mas se ele estiver na televisão, vai receber criticas. Se botar uma menina de doze anos se relacionando com um senhor de idade, pode ser acusado de pedofilia. Mas na literatura... pode ser “Lolita”. A literatura ainda serve para isso, para se aprofundar nessas questões, nessas perversões. Até porque, entendendo-as é mais fácil contra-argumentar. Veja, o mané que entende o nazismo apenas por alto pode fundar uma gangue em seu quintal no Jardim Marajoara e pregar o extermínio de nordestinos... um manézinho brasileiro no Jardim Marajoara se achando nazista... Mas as pessoas não sabem o que são essas idéias politicamente incorretas de fato, porque elas não estão mais circulando por aí.


NESTE SÁBADO!