Fui assistir ontem a "Arraste-me para o Inferno", a volta de Sam Raimi ao cinema de terror.
Raimi hoje é mais conhecido pela trilogia do Homem-aranha, mas seu primeiro filme é um clássico absoluto - "The Evil Dead" (de 1981), trash, insano e com um puta clima. Eu, sinceramente, não esperava muita coisa desse filme novo, principalmente por vir de um grande estúdio (Universal). Os grandes estúdios têm comprometimento com patrocinadores, produtores e, principalmente, BILHETERIA, que acabam deixando os filmes politicamente corretos e baixando o máximo possível a classificação de faixa etária para ter um público amplo.
Mas "Drag me to Hell" é ÓTIMO. Uma sandice de humor negro, na melhor tradição de filmes tongue-in-cheek. A história é simples: uma gerente de banco nega um empréstimo a uma velha cigana, que a amaldiçoa. A gerente passará o filme todo perseguida por demônios que querem, como diz o título, arrastá-la para o inferno. É isso.
O filme é de uma insanidade só, recheado de cenas bizarras, interpretações caricaturais (que parece ser marca de Raimi, por isso acabou dirigindo adaptações de quadrinhos) e reviravoltas inverossímeis. É uma delícia. Acho que teria se tornado meu filme favorito se eu tivesse visto com uns... 14 anos.
O lado ruim? Aqueles efeitos de CGI, né? E falta um pouco de clima no filme. Quero dizer, "The Evil Dead" é trash, até tem seu humor negro, mas tem um clima genuino de terror e suspense. Esse não, é só bizarrice mesmo, e aqueles sustos fáceis de coisas pulando na tela e o volume da música aumentando abruptamente (e brutalmente, eu diria, uma hora achei que eu ia sair surdo).
Mas enfim, "Arraste-me para o Inferno" é uma trasheira das boas. Bom ver que Raimi ainda se permite esse tipo de coisa.
Continuando na bizarrice... Saiu hoje na Folha resenha que fiz do livro (de vampiros) de Guillermo del Toro com Chuck Hogan. Raquel Cozer inclusive entrevistou Hogan para o jornal. Reproduzo minha resenha inteira aqui:
Vampiro não é coisa de mulherzinha. Devolver às criaturas da noite sua carga escabrosa parece ser a premissa básica do romance “Noturno”, escrito numa parceria de fôlego entre Guillermo Del Toro - cineasta de filmografia irregular com filmes como “Labirinto do Fauno” (2006), “Hellboy” (2004) e “A Espinha do Diabo” (2001) - e Chuck Hogan - autor de bestsellers de suspense pouco conhecidos no Brasil.Começa de forma brilhante. Um Boeing 777 pousa no aeroporto de Nova York e permanece em silêncio, com as luzes apagadas, sem qualquer saída ou movimento de seus passageiros e tripulação. Logo são chamadas equipes de segurança para checar o que se passa: um seqüestro, uma epidemia, uma “pegadinha do Malandro”? (Ok, essa última possibilidade não é cogitada.) A narrativa é lenta, fermentando o suspense e as expectativas pela revelação do que, já sabemos, será uma história de vampiros.
Quando aparecem, os sanguessugas continuam surpreendendo. Passam longe da elegância gótica do gênero, estando mais próximos de uma mistura de invasores de corpos alienígenas com zumbis. Não é uma releitura inédita – é bem próxima, por exemplo, dos vampiros de “Cem dias de Noite” (a HQ e a adaptação para o cinema, dirigida por David Slade, em 2007) – mas é interessante como o romance explica e disseca (literalmente) os dentuços, trazendo descrições anatômicas das criaturas e analisando o processo de contágio.
O texto tem uma estrutura fragmentada – retrata a invasão em diversos lares, embora haja núcleos mais importantes do que outros – o que pode ter facilitado a escrita a quatro mãos. Ainda assim, os autores mesclam de maneira homogênea contos de fadas, catástrofe aérea, thriller epidemiológico, ficção científica, mitologia lovecraftiana e, claro, histórias clássicas de vampiros. (Impossível, por exemplo, não ver a chegada do avião como uma versão atualizada da viagem de navio de Drácula, no romance de Bram Stoker.) Entretanto, a falta de personagens tangíveis esvazia grande parte do carisma do texto. (Note que, nesta resenha, não foi necessário dar o nome de um único personagem.) Não há ninguém para torcer e nem mesmo a personificação do mal num vilão instigante – o Mestre dos vampiros só aparece no terço final do livro e não chega a ter uma personalidade definida. Além disso, após a revelação da epidemia dos vampiros, o livro descamba para descrições gráficas de violência que podem funcionar na tela, mas que têm poder de assombro reduzido em texto.
Primeiro de uma trilogia (os outros dois volumes terão suas publicações originais nos anos seguintes), o romance ainda tem seu desfecho brutalmente postergado, o que é especialmente frustrante após percorrer mais de 460 páginas e ter apenas uma vaga idéia de quem é o vilão e quais são seus planos.
Com tudo isso, “Noturno” se mostra um belo projeto. Pode gerar um ótimo filme ou mesmo uma série de TV, mas despreza as armas mais poderosas da literatura: identificação e aprofundamento. (regular) (Publicado na Folha de S. Paulo de 16/08/09)