Entreguei esses dias uma enoooorme tradução (quase 700 laudas) de Prince of Stories, um guia da obra de Neil Gaiman, escrito por Hank Wagner, Christopher Golden & Stephen Bissette. Lá, há biografia, entrevistas, fotos, resumos de todas as obras escritas por Gaiman - incluindo quadrinhos, romances, contos, roteiros, poemas e letras de música - e alguns textos inéditos dele.
Óbvio dizer que é indispensável para os fãs de Gaiman, mas para mim, que não era, foi uma imersão preciosa, não só no universo do cara, mas nos bastidores do mundo de quadrinhos e no fazer criativo como um todo.
Antes de tudo, Neil Gaiman é leitor ávido, apaixonado por histórias (principalmente mitologia clássica, fantasia e contos de fada - muito mais do que terror). Sua obra, desde Sandman até romances como Deuses Americanos e Os Filho de Anansi, é muito fundamentada no pastiche, nas citações, no que se chama de “ficção revisionista”. Mesmo a brilhante idéia gótica de The Graveyard Book (um garoto criado pelos mortos do cemitério) é na verdade uma releitura de The Jungle Book (ou, para os simplistas, “Mogli”, o livro ou o filme), assim como toda sua obra é uma releitura (assumida) do que já foi feito anteriormente.
Mas ele é um apaixonado. E é apaixonante. Daquelas pessoas que fazem a gente acreditar no valor transformador da ficção, da fantasia (e dos “fantasistas”), nesses tempos tão contaminados pela realidade, pelos realities, em que parece que não nos dão mesmo possibilidade de ir além. (Bem, ao menos aqui, ancorados no Brasil.) Muitas das discussões propostas no livro eu levantei no Fantasticon este ano, no meu debate com Nelson de Oliveira, Ronaldo Bressane e Kizzy Ysatis.
Bacanérrimas também são as entrevistas do livro, em que Gaiman esmiúça sua carreira - e inclusive dá números, valores. Fala, por exemplo, que ganha U$ 10 mil dólares a cada 5 anos da Warner Bross pelo direito de opção de Sandman – que até hoje está longe de virar filme. E que a razão dele não ter feito um novo Sandman é que ele ganha mais escrevendo romances, e a DC se recusa a aumentar sua porcentagem em preço de capa – que é de 4%.
Ele levanta também como os livros - na sua infância - eram a única forma de possuir e rever uma narrativa, já que não havia videocassete, DVD e o caralho. Os filmes que ele gostava os levava aos livros dos quais foram adaptados - como Mary Poppins, que ele dizia que sonhava em rever, mas sua família o levava sempre à Noviça Rebelde, que estava perpetuamente em cartaz, e que ele detestava.
(Isso me lembra um pouco a discussão do [péssimo] Pink, livro do Gus Van Sant que eu também traduzi [há uns 4 anos, e que acabou sendo engavetado], em que ele discutia se um filme hoje é feito de maneira diferente, pela possibilidade de ser revisto. Se o videocassete reposicionou o cinema com essa possibilidade de resgate, o DVD intensificou o processo com a possibilidade de posse. O VHS era muito mais um produto de aluguel do que o DVD, que se volta para a compra [e atualmente, diga-se, o suporte vai desaparecendo com o download direto na máquina {Aliás, na música as bandas já pensam *e dispensam* o formato álbum, com a tendência de se baixar faixas isoladas. Na indústria pornográfica, os filmes deixaram de fazer sentido e só se trabalham com cenas. Será que isso começa a alterar também o cinema? *Será que estou fazendo certo essa coisa de parêntese, chaves, colchetes e o escambau?*}].)
Enfim, Prince of Stories deve ser lançado pela Geração Editorial no próximo ano (porque é grande pra caralho e além da tradução entra todo o trabalho de revisão, pesquisa, etc). Aqui, ainda ficou uma pilha de obras do Gaiman por ler.