UMA NOITE NA CIDADE
Bêbados na sarjeta.
Dia desses resolvi sair na noite. Em São Paulo bastava eu colocar o pé pra fora de casa pra entrar na Loca; ia à padaria e entrava por engano no Glória. Mesmo retirado em dois anos de namoro, o Dragão estava sempre lá. Mas tinha pouco sentido sair durante o dia – saía para treinar – e caminhar pela rua Augusta me tornava um animal exótico, um animal poluído.
Bem... por aqui continua sendo exótico caminhar, mas ao menos faz mais sentido.
A noite já é mais complicada. Tudo muito longe. Eu moro ao lado da praia, mas a quilômetros de todo o resto. E a natureza se encarrega de me entreter, a natureza se encarrega de me cansar. A natureza me masturba, me sua e me sangra, sobra pouco a derramar...
Mas dia desses saí na noite. Queridíssimos amigos-leitores me chamavam e já não era hora. É um ritual. E um acontecimento. Requer planejamento e agora resgata uma novidade e uma energia que havia se perdido. Tem uma nova graça.
Dois ônibus aqui de casa. Da Barra para Lagoa, da Lagoa para o centro, pouco mais de uma hora. Não há táxi aqui em casa – pode-se ligar, mas não é certo que venha. Então a gente entra no ritual, saí às dez da noite, e vai vendo o ônibus se enchendo no caminho com as meninas perfumadas, os meninos penteados. Um romantismo que acho que eu não conseguiria ver se fizesse o percurso da Zona Leste de SP à Avenida Paulista...
E a noite é divertida, a noite é divertida. Até mais divertida de se assistir do que de fazer parte. A noite aqui em Florianópolis é razoavelmente grande – maior do que Porto Alegre, me parece. Conseguimos pular de boate em boate. E encontrar o povo perdido, identificar os identificáveis, reencontrar colegas da academia, despidos de disfarces, em novos figurinos...
Divertido. Mas na hora de voltar, foda-se o ritual. Não tenho mais idade de ficar esperando ônibus das seis da manhã. Para voltar, um táxi polpudo é a única solução. Ou carona.
Fora essa noite, os dias continuam longos, mesmo com o sol chegando ao inverno. Agora estamos na época de pesca da tainha. Os surfistas foram interditados. Bem agora que eu ia começar meu Kite-surf. Bem agora que eu achava tudo possível...
É um rotina bem desestressante. Apesar do volume insano que tenho de cumprir nas traduções, é só isso. Tradução, praia, tradução, academia. Sem amores e amigos, sobra muito tempo para ser feliz.
Interessante ver como a cidade muda, de estação em estação, dia a dia, o clima fazendo todo sentido. Eu até me pego quase que diariamente checando a previsão do tempo, veja só, quando fiz isso em São Paulo?
Eu poderia aproveitar isso como inspiração direta para a literatura, mas... já não escrevi sobre isso em O Prédio, o Tédio e o Menino Cego? A influência da ilha tem surgido de outras formas...
Tenho escrito bastante, meu livro de contos. Sei que você pouco se importa – até mesmo minha editora está mais ansiosa pelo juvenil – mas a mim satisfaz. Lembro quando Nina Lemos me falou sobre seu primeiro romance, que ela havia encontrado um novo brinquedo. É exatamente assim que vejo, um brinquedo, mais do que um vício ou trabalho, com o qual posso gastar horas e horas, como videogame, e que, felizmente, recebo por isso.
Dia desses chovia tanto aqui, não dava nem pra sair de casa... E Florianópolis trancado nesta casa não faz o menor sentido. Mas me entretive começando um novo conto. Um novo brinquedo. (Isso porque não trouxe o velho Playstation – estou com uma saudades desgraçada de jogar Symphony of the Night.)
Saudades...
De São Paulo, o que mais tenho saudades é de me vestir decentemente. Aqui agora até faz frio, mas me sinto meio ridículo vestindo blazer, usar gravata pareceria uma fantasia. E cansa andar de tênis e bermuda todo dia...
É uma vida bem desestressante. Mesmo com todas as dificuldades. Difícil morar aqui sem carro – nem CORREIO tem aqui na Barra! O custo de vida é realmente mais baixo – desde o aluguel, a academia, a balada, restaurantes – mas a vida industrializada é mais cara (o chocolate, o champagne, a vodca...); e tem sido sofrido sustentar duas casas (meu apartamento em São Paulo continua montado...) Sorte que meus desvios me impediram de ter uma família.
Aos poucos vou me sentindo mais e mais em casa, cumprimentando conhecidos na rua. Outro dia voltei de um jantar de braço dado com a mocinha da farmácia. Acho que estou conseguindo simular uma vida de verdade. Simular. Não foi isso que fiz anos em São Paulo?