20/05/2010

UMA NOITE NA CIDADE

Bêbados na sarjeta.



Dia desses resolvi sair na noite. Em São Paulo bastava eu colocar o pé pra fora de casa pra entrar na Loca; ia à padaria e entrava por engano no Glória. Mesmo retirado em dois anos de namoro, o Dragão estava sempre lá. Mas tinha pouco sentido sair durante o dia – saía para treinar – e caminhar pela rua Augusta me tornava um animal exótico, um animal poluído.

Bem... por aqui continua sendo exótico caminhar, mas ao menos faz mais sentido.

A noite já é mais complicada. Tudo muito longe. Eu moro ao lado da praia, mas a quilômetros de todo o resto. E a natureza se encarrega de me entreter, a natureza se encarrega de me cansar. A natureza me masturba, me sua e me sangra, sobra pouco a derramar...

Mas dia desses saí na noite. Queridíssimos amigos-leitores me chamavam e já não era hora. É um ritual. E um acontecimento. Requer planejamento e agora resgata uma novidade e uma energia que havia se perdido. Tem uma nova graça.

Dois ônibus aqui de casa. Da Barra para Lagoa, da Lagoa para o centro, pouco mais de uma hora. Não há táxi aqui em casa – pode-se ligar, mas não é certo que venha. Então a gente entra no ritual, saí às dez da noite, e vai vendo o ônibus se enchendo no caminho com as meninas perfumadas, os meninos penteados. Um romantismo que acho que eu não conseguiria ver se fizesse o percurso da Zona Leste de SP à Avenida Paulista...

E a noite é divertida, a noite é divertida. Até mais divertida de se assistir do que de fazer parte. A noite aqui em Florianópolis é razoavelmente grande – maior do que Porto Alegre, me parece. Conseguimos pular de boate em boate. E encontrar o povo perdido, identificar os identificáveis, reencontrar colegas da academia, despidos de disfarces, em novos figurinos...

Divertido. Mas na hora de voltar, foda-se o ritual. Não tenho mais idade de ficar esperando ônibus das seis da manhã. Para voltar, um táxi polpudo é a única solução. Ou carona.

Fora essa noite, os dias continuam longos, mesmo com o sol chegando ao inverno. Agora estamos na época de pesca da tainha. Os surfistas foram interditados. Bem agora que eu ia começar meu Kite-surf. Bem agora que eu achava tudo possível...

É um rotina bem desestressante. Apesar do volume insano que tenho de cumprir nas traduções, é só isso. Tradução, praia, tradução, academia. Sem amores e amigos, sobra muito tempo para ser feliz.

Interessante ver como a cidade muda, de estação em estação, dia a dia, o clima fazendo todo sentido. Eu até me pego quase que diariamente checando a previsão do tempo, veja só, quando fiz isso em São Paulo?

Eu poderia aproveitar isso como inspiração direta para a literatura, mas... já não escrevi sobre isso em O Prédio, o Tédio e o Menino Cego? A influência da ilha tem surgido de outras formas...

Tenho escrito bastante, meu livro de contos. Sei que você pouco se importa – até mesmo minha editora está mais ansiosa pelo juvenil – mas a mim satisfaz. Lembro quando Nina Lemos me falou sobre seu primeiro romance, que ela havia encontrado um novo brinquedo. É exatamente assim que vejo, um brinquedo, mais do que um vício ou trabalho, com o qual posso gastar horas e horas, como videogame, e que, felizmente, recebo por isso.

Dia desses chovia tanto aqui, não dava nem pra sair de casa... E Florianópolis trancado nesta casa não faz o menor sentido. Mas me entretive começando um novo conto. Um novo brinquedo. (Isso porque não trouxe o velho Playstation – estou com uma saudades desgraçada de jogar Symphony of the Night.)

Saudades...

De São Paulo, o que mais tenho saudades é de me vestir decentemente. Aqui agora até faz frio, mas me sinto meio ridículo vestindo blazer, usar gravata pareceria uma fantasia. E cansa andar de tênis e bermuda todo dia...

É uma vida bem desestressante. Mesmo com todas as dificuldades. Difícil morar aqui sem carro – nem CORREIO tem aqui na Barra! O custo de vida é realmente mais baixo – desde o aluguel, a academia, a balada, restaurantes – mas a vida industrializada é mais cara (o chocolate, o champagne, a vodca...); e tem sido sofrido sustentar duas casas (meu apartamento em São Paulo continua montado...) Sorte que meus desvios me impediram de ter uma família.

Aos poucos vou me sentindo mais e mais em casa, cumprimentando conhecidos na rua. Outro dia voltei de um jantar de braço dado com a mocinha da farmácia. Acho que estou conseguindo simular uma vida de verdade. Simular. Não foi isso que fiz anos em São Paulo?


Corridinha na praia, hoje na hora do almoço.

TIREM AS CRIANÇAS DA SALA

(Publicado na Ilustríssima da Folha deste domingo) Do que devemos proteger nossas crianças? Como não ofender quem acredita no pecado? Que ga...