30/04/2011

A NATUREZA QUE ME MASTURBA

Da Barra ao Campeche, de bike.




Voltei, mas não voltei. Tenho vivido mais na estrada, basicamente porque nada me prende, não tenho razão para ficar em lugar nenhum e ainda não achei meu lugar neste mundo...

Oh!

Sei que eu deveria me concentrar mais em São Paulo, mas não sei muito o que fazer por lá, não tenho o que fazer por lá e minha presença não é requisitada. Cheguei aqui em Florianópolis na quinta, debaixo de chuva e frio e me arrependi um pouco de ter vindo. Devia me concentrar mais em São Paulo, preciso procurar apartamento, tentar fortalecer laços... Mas logo passou.




Sexta fez um dia lindo de sol, eu pedalei da Barra da Lagoa (tendo de empurrar a bicicleta por dois morros) até o Campeche, tomei o melhor acaí do mundo e voltei. Isso já fez a viagem valer a pena. A natureza que me masturba. Vista linda que me faz companhia...

Açaí perfeito no Campeche, que uma menina linda me preparou. Numa realidade alternativa, eu me casei com ela e tivemos filhinhos caiçaras escorrendo para o mar.



Pensei em voltar e ficar por aqui de vez. Comprar uma casinha. Pensei... Ainda não desisti, mas praticamente. A verdade é que a vida de praia me é mais sedutora porque não me pertence, porque é passageira e não me basta, e se eu tivesse apenas isso seria uma condenação. Acho que a solução é essa mesmo, poder vir e poder voltar. Ter São Paulo como base - São Paulo que é minha verdadeira raíz, e que eu rejeito para não me enraizar - e poder ir para onde eu quiser: Florianópolis, Palmas, Porto Alegre, Helsinque...



Ou talvez um dia eu encontre meu verdadeiro lugar.

(Me lembrei de Adriana Calcanhotto: Onde, longe, Londres, Lisboa, ou na minha cama...)



Aqui a Barrinha continua a mesma, enraizada, ninguém nem percebeu que eu fui embora porque eu não conheço praticamente ninguém - Lembro quando ouvi os depoimentos dos vizinhos do atirador do Realengo - "Ele era um rapaz quieto, sempre caminhando sozinho, de cabeça baixa" - poderiam estar falando de mim...




Hoje, sábado, o dia amanheceu bonito, eu tentei mergulhar mas a água estava turva, tentei fazer kite mas o vento estava meia boca, comi um peixe na praia mas estava um pouco salgado demais. De tarde choveu, eu trabalhei, li e dormi.



A natureza às vezes também me broxa.

Só o uniforme, sem super-poderes.


Ontem fui prestigiar o "cinema catarinense", na estreia de "A Antropóloga" (de Zeca Pires), que tem o querido Pedro Pitta no elenco. É praticamente um filme de terror passado aqui em Florianópolis, na Costa da Lagoa, lugar lindo acessível só de barco. De repente vou lá amanhã, ver a natureza assombrada.

Volto para São Paulo na terça.

24/04/2011

SLASHER FOREVA!

Tá, não estou tão empolgado assim.

Fui assistir ao Pânico 4 só agora, no meio do feriado, antes de conseguir pegar um ônibus para a casa da minha mãe no mato (o trânsito de feriadão em São Paulo agora é praticamente contínuo, não dá tempo de terminar o congestionamento dos carros indo que já começa o congestionamento dos carros voltando!). O filme é divertido, uma boa sequência, e só, talvez nem a melhor.

O primeiro Pânico (de 1996) chegou no final da era dos slashers (filmes de assassinos mascarados com mortes em série) e discutia e satirizava as convenções do gênero, tratando pela primeira vez com respeito o espectador que já sabia tudo o que ia acontecer. Era inovador e divertido por contornar os clichês, citar os clássicos do gênero e ainda fazer você suspeitar de todos os personagens do filme, num momento ou outro.

Vieram duas sequências, a fórmula se desgastou, e desde 2000 não se falou mais nisso. Até agora. O que mudou para que a fórmula deixasse de ser desgastada, e pudesse se fazer um quarto filme, eu não sei ao certo. Sei que o resultado é apenas mais um filme da série Pânico, tão previsível quanto os anteriores.

Dessa vez eles discutem a onda do “torture porn” e dos remakes de slashers (e pouco mais do que isso – não se entra nos filmes 3D e nos mockumentaries, por exemplo) mas a fórmula que era inovadora - um filme de terror citando filmes de terror, criticando as convenções do gênero e trazendo um assassino “surpresa” – já está mais do que velha. Até que começa bem, com uma espiral metalinguística meio absurda, mas logo entra na estrutura convencional. E no final o que você vê é gente citando clichês de filmes de terror, batendo porta e correndo pela casa com um assassino atrás. Boooooooooring.

Não há nada, nada, nada de novo no filme. Inclusive a direção, fotografia, edição, atuações, é tudo bem 90’s, o que tem seu lado positivo, de manter a unidade com os outros filmes. Mas se passaram dez anos e Pânico 4 fica perdido como mais um filme Pânico – em breve eu vou confundir as cenas deste com as do 3 , ou do 2.

Vale colocar também que, apesar do filme estar batendo recordes de bilheteria, e de estar em cartaz em dezenas de cinemas, não havia NENHUM cinema aqui pela região da Paulista com o filme. É o que eu falo, o povo fica reclamando do fechamento do Belas Artes, mas o que não falta é cineminha cult; pra ver filmes bagaceiros como esse a gente tem de ir lá pro quinto dos infernos.

Felizmente lembrei do Shopping Higienópolis, que é razoavelmente perto, e que acabou sendo uma ótima pedida. Olha só: filme de terror em pleno feriado, cinema lotado de uma petizada, mas todos bonitinhos, quietinhos, de banho tomado, sem gritaria. Me chamem de elitista, mas assistir num lugar como o Tatuapé é que seria um verdadeiro terror.

23/04/2011

LIÇÕES DE LYGIA

Trechos da entrevista de Lygia Fagundes Telles, hoje na Folha.

A senhora começou a escrever ainda menina. Qual a impressão que tem dos jovens escritores de hoje?

Eles me parecem ainda mais ansiosos do que nós éramos. Ansiosos por escrever e por aparecer. E a ansiedade é o maior perigo para um escritor.

A senhora tem lido os jovens autores brasileiros?

Recebo muito livro de jovens escritores e também muita coisa que chega via Academia [Brasileira de Letras]. Mas, se eu fosse ler tudo isso, eu não faria outra coisa que não ler. E, bem, já não tenho muitos anos pela frente. Tenho que aproveitá-los...


(Para mim ficam duas lições: 1) Não deixar de ler os contemporâneos. 2) Elogiar quem merece, nem que seja UM, um ÚNICO nome. Pois, ao menos hoje, me parece um pouco mais nobre chegar aos 88 anos com elegância e generosidade.)

19/04/2011

A VOLTA DA PISTOLEIRA

Novo romance de Ana Paula Maia.

Hoje, às 20h, no Sesc Vila Mariana, em SP, Ana Paula Maia vai estar conversando com o jornalista Afonso Borges e autografando seu novo romance, "Carvão Animal."

Já comecei a ler no avião. Dessa vez, ela intersecta o universo áspero e violento de sua obra com o dos bombeiros e crematórios. Aquela visão romântica do combate ao fogo é espantada aqui com o cheiro da carne queimada e gosto de fuligem, com corpos derretidos e gente deformada.

No fim, o que resta são os dentes. Eles permitem identificar quem você é. O melhor conselho é que o indivíduo preserve os dentes mais do que a própria dignidade, pois a dignidade não dirá quem você é, ou melhor, era.

É hard rock.

18/04/2011

TOCANTINS Eu e minha irmã Nina, no rio Tocantins.

Há três semanas de volta em SP e já estava cansado, desbotado e intoxicado de CO2.


Por isso recebi com entusiasmo o convite de visitar minha irmã caçula, a Nina, que está morando com o marido em Palmas, no Tocantins.





Nina.




É mais bonito do que eu pensava. Achei que seria mais árido, mas é uma área de transição entre serrado e vegetação amazônica, e nesta época do ano é bem verde.

Palmas é uma cidade bem vazia, ainda em formação, que lembra um pouco Brasília pelas quadras longas que exigem carro para tudo. Não é exatamente meu tipo de cidade. Mas a região é bem bonita, as praias do Rio Tocantins, e por perto há cidadezinhas mais charmosas como Taquaruçu.
Barzinhos e caipirinhas em praia de rio. O pôr-do-sol no Tocantins é lindo. O problema do rio são as piranhas. Eles tentam fazer locais reservados para banho, com cercas de contenção, mas as piranhas SALTAM as redes, e parece que o risco é grande. Nina me falou que uma amiga que veio visitá-la levou uma mordida no primeiro mergulho. Eu arrisquei. Voltei inteirinho, mas rapidinho;não me senti muito confortável de ficar tranquilinho nadando. Domingo fomos para Taquaruçu, nas cachoeiras. Cunhado Micha, com sua Rural Willys que atrai tiozões por onde passa.


Estradinhas.


Trilha.

E trilha.


E trilha.


E a cachoeira.



Parece minha irmã?


Uma panorâmica da ferinha de palmas, de noite.


Provei o Tucupi no Tacacá (ou é o contrário?). Não sou muito dessas comidas aguadas, mas ok.






E Joana, a tartura da família.



Eles me convidaram para voltar em breve, para ir com eles ao Jalapão (que fica a 8 horas de Palmas, em estrada de terra, uma coisa bem roots). "Traz amigo, namorado..." Mas eu acho missão quase impossível encontrar alguém em SP que A) Curta sol, natureza e trilhas B) Esteja disposto a pagar uma passagem pro Tocantins C) Não ouça sertanejo universitário. (aliás, devo dizer que a trilha sonora do caminhotão do cunhadão é de primeira - de Chet Baker a Nick Cave).


Estou mesmo me sentindo completamente perdido entre o povinho moderno do baixo augusta...



Hoje é meu último dia e ainda quero tentar me bronzear - porque posso passar horas e horas no sol que é difícil eu ficar bronzeado, vermelho, nada acontece. Se nem o sol do Brasil profundo puder me caramelizar, não há mais salvação.




12/04/2011

PORNÔ FANTASMA

“Jesus, tire essa meleca de cima do meu bolinho de arroz,” diz Bianca desviando o olhar da foto e pegando o frasco de molho inglês.

Jefferson puxa a foto de volta e a examina cuidadosamente, como se para tentar identificar o que nela poderia enojar aquela mulher num almoço de sábado.

“Como você esta pudica,” diz ainda com a foto para si. “É só a foto de um menino nu.”

“Exato. E de pau duro. Com pose de filme pornô de quinta. Não preciso ver essas coisas enquanto eu como.”

Jefferson guarda a foto e abre um sorriso. “Não era para olhar para o pau. Contenha-se. Era só para ver o rosto. O rosto. Não se parece?”

Bianca morde o bolinho sem olhar para Jefferson, tentando não denunciar a ele que ainda está envergonhada.

“Esse papo está meio doente, Jeff...”

Jefferson então se exaspera e debruça-se mais perto de Bianca. Pega um bolinho da travessa.

“Escuta, eu sei que é doença. Mas você sabe pelo que eu passei. Por isso tinha de te mostrar a foto. Não se parece com ele? Me diz. Não parece?”

Ele tira novamente a foto e estica ostensivamente para Bianca. Relutante, ela a pega, dobra ao meio e olha apenas o rosto. As mesas daquele restaurante são juntas demais. Cada refeição é uma vitrine e ela acha que Jefferson está se excedendo naquele ambiente em que todos os olhos são invasivos. Casais gays ao lado. Uma jornalista lésbica atrás. Jesus, naquele restaurante cada refeição é um outdoor, e ela não acha que está em condições de vender mercadoria alguma com aquela conversa, naquele clima. Olha o rosto do menino. Entrega a foto de volta para Jefferson. Não está impressionada.

“Parece. Não parece. Tanto faz. É um menino branco, de idade próxima, mesmo corte de cabelo, não há nada de especial. Pode parecer com qualquer um...”

“Diabos, Bianca....” Ok, ela sabe que não é por aí.

“Desculpe, não digo que o Victor se parece com qualquer um. Digo esse menino aí. Esse...”

“Ben. Benjamin Ford.”

“Benjamin Ford... Que nome.”

“Provavelmente é pseudônimo. Todos na indústria pornô têm.”

Bianca bebe sua caipirinha. “E provavelmente por ter essa cara comum é que faz sucesso na indústria pornô, porque se parece com qualquer menino, filho de qualquer um, se encaixa em qualquer fantasia.”

A expressão de Jefferson agora está entre a indignação e o abandono. “Isso não é uma tara doentia minha...”

“Então o que é, Jeff?”

O olhar dele congela nela. Como ela pode pensar nisso? “Como pode pensar nisso? Eu...”

“Como descobriu esse menino?” Bianca pergunta, agora pegando um bolinho, dando um gole na caipirinha e ameaçando acender um cigarro, tudo ao mesmo tempo.

“Um site gay,” Jefferson admite agressivamente.

“Exato, claro, isso, um site gay. Onde as pessoas assistem vídeos para se masturbar. Onde você procurou vídeos para isso também.”

Jeff larga o bolinho que pegara e reclina na cadeira. “Eu não procurei meninos iguais ao Victor para me masturbar. Foi uma coincidência.”

Bianca mantém o olhar firme. Mas suaviza. Sabe que não pode acusar seu amigo de desejar o filho morto. É muita doença. É muita doença, mas ela sabe que pode ser. Só não pode acusar. Não pode acusar. Suaviza.

“Desculpe... Olha, Jeff, este papo está muito mórbido...”

Ele se debruça novamente próximo a ela. “Bianca, você é minha melhor amiga. Eu precisava desabafar isso com você. Por favor. Se eu não posso desabafar contigo, com quem mais?”

Jefferson olha para os lados e percebe que o casal gay na mesa do lado também acompanha a discussão, agora talvez com interesse redobrado. Um deles veste regata, Jeferson repara. Diabos, o pessoal não tem o mínimo bom senso para vestir uma regata num restaurante, Jefferson pensa. Recosta-se novamente na cadeira e abaixa o tom de voz.

“Eu quero ir atrás desse menino.”

Bianca engasga na caipirinha - ou no bolinho de arroz? “Atrás desse menino? Você está louco?!”

“Eu sinto que é o destino.”

Ela pega o guardanapo e limpa a bebida que escorre da boca. “Destino? Que destino? Você nunca acreditou nessas coisas... Que papo louco é esse, Jeff? O que anda acontecendo com você?”

“Tenho pensado muito no Victor.”

“Normal, natural. Seu filho morreu muito novo, é natural que se lembre dele. Eu sei como é triste. Mas esse Ben Foster...”

“Ben Ford.”

“Esse Ben Ford não tem nada a ver com essa história. Essa é a doença.”

Jefferson sacode a cabeça para continuar a argumentar, então vem o garçom com os pratos. Garçom bonito, pensa Jefferson. Lembra também um amigo de Victor, o Miguel - maldito Miguel. Jefferson agradece os pratos. Bianca começa imediatamente a comer. O garçom-miguel parte.

“Eu acho que ele pode estar em perigo.”

Bianca agora faz uma expressão de que prefere curtir seu linguine do que continuar a conversa. “Se quer ajudar adolescentes problemáticos, Jeff, tem muitas maneiras melhores do que correr atrás de um ator pornô. Sei lá. Ligue para o Criança Esperança.”

“Acho que posso fazer por ele o que não pude fazer pelo Victor.”

Bianca agora tem de largar os talheres e encarar seu amigo. Tem vontade de gritar. Mas sussurra incisivamente.

“Você está mesmo louco. Está projetando num ator pornô o seu filho morto. Não percebe quão doente é isso, Jeff? Você precisa se tratar... Sério. Não, sério, não estou falando para ser agressiva. É sério, Jeff, você precisa conversar com um psiquiatra sobre isso. Urgente!”

Jefferson tenta interrompê-la, estendendo a mão. Já previa aquele papo. Finalmente ela se silencia.

“Eu sei o que parece, Bianca. Não estou louco, claro que não. E claro que descobri este menino porque entrei num site de putaria, queria bater uma punheta, sim, mas foi o que me acordou para minha consciência social.”

Bianca ri em deboche. “E o que é sua ‘consciência social’?”

“Que muitos dos meninos que estão lá são reféns das drogas. E fazem qualquer coisa, qualquer coisa pela grana ou pela cocaína, pela heroína, pelo crack. É disso que se alimenta a indústria pornográfica, de garotos de família viciados, como o Victor. E nós estamos financiando...”

“Victor não era ator pornô.”

Jefferson balança a cabeça como se não importasse. Olha então para seu hambúrguer, que esfria. “Não importa. Talvez tivesse chegado lá, se não tivesse morrido antes. Talvez morresse logo em seguida, como esse Ben Ford.”

“Ben Ford morreu?”

Jefferson então empurra o prato como se já tivesse terminado de comer. “Não... que eu saiba. Ele ainda está vivo. Eles postam vídeos novos dele toda sexta...”

“Você vê essas porcarias toda sexta?”

“Eu vejo essas porcarias todos os dias, Bianca. Todos os dias. E todos os dias me preocupo. Todos os dias penso que esse menino, que parece tanto o Victor, está com os dias contados. E todas as sextas ele parece mais cansado, mais exausto, mais perdido, um dia a menos de vida. Diabos, Bianca, você sabe que sou gay; sabe que depois que me separei nunca mais... Mas isso não me excita, te juro. Não me excita. E eu acho que isso sim é doente. Toda sexta ele está de volta e mais perto da morte. Não sei como alguém pode se masturbar com esse menino com o olhar tão perdido. Ele nem sabe onde está, nem sabe o que está fazendo, é só um menino...”

Bianca então o interrompe. “Ele é maior de idade? Digo, esse Ben Ford?”

Jefferson dá de ombros. “Deve ser, para fazer esses filmes. Deve ter pouco mais de dezoito.”

“Você precisa ter certeza, Jeff, ficar vendo essas coisas com menor de idade já é crime em si...”

Ele balança a cabeça. “Não, não. É um site confiável. Paguei com cartão de crédito.” Bianca se espanta.

“Você PAGA para ver isso?” Jefferson estende as mãos em obviedade. “Achou que seria de graça?” Bianca volta a seu linguine.

“Por mais que eu queira, nunca vou entender vocês gays.”

“Nós homens, Bianca. Pornografia é coisa de homem. Qualquer homem pagaria.”

Ela engole e o incentiva, para acabar logo com essa história.

“Tá. E daí?”

Ele pega da caipirinha dela. Bebe. Já não há muito além de gelo. Acena para o garçom, “traz mais uma?” e continua: “Daí que quero sua ajuda.”

“Ai...” diz ela.

“É. ‘Ai’. Quero sua ajuda. Quero que descubra onde gravam esses vídeos. Para você não é difícil. O site não tem muitas informações, mas você não teria dificuldade em descobrir. Quero saber a cidade, o endereço, quero ir atrás desse menino. Vou pagar o que for preciso para tirá-lo disso. Pagar para o que ele quiser fazer e o que for preciso para o livrar do vício. Ele não deve ter um pai que se importe, assim como eu não me importei o suficiente quando o Victor estava em perigo. Eu preciso fazer isso. Quero ajudar esse menino, Bianca. Me ajude a encontrar esse Benjamin Ford. Ou quem quer que ele seja.”

(primeiro capítulo de "Pornô Fantasma", a novelinha contida em PORNOFANTASMA; lançamento daqui a um mês, exatinho.)

09/04/2011

SNUFF BOOKS

Terminei de ler o primeiro livro de contos do jovem poeta Hugo Guimarães. Jovem de 26 anos, veja bem, não esses escritores tiozinhos que já passaram dos trinta e ainda vestem essa estirpe...

E para mim faz todo sentido. “Jovem” é um adjetivo que, para mim, carrega uma carga valorosa para o terreno literário. Não é à toa que o Romantismo foi todo construído por autores jovens... e suicidas. O autor “jovem” é aquele ainda carregado de entusiasmo, espontaneidade, que se revela numa potência lírica invejável.

Eu, infelizmente, devo dizer que perdi isso...

Por isso também detesto o termo “promissor”, porque parece que o autor ainda está por fazer. E se a maturidade solidifica a obra literária, solidificar também pode ser sinônimo de engessar. Algo se ganha, algo se perde.

Será interessante notar o que a maturidade dará a Hugo Guimarães; por enquanto, seu texto é potência pura. Ele já publicou um livro de poemas pela Dix (selo da Annablume) – “Poesia Gay Underground” - e agora me mandou esse de contos, ainda sem editora e sem título definido.

É o mais perto que consigo encontrar de um “snuff book” – termo que tirei dos “snuff movies”, filmes reais em que se tortura e mata pessoas para diversão do público (considerados oficialmente lenda urbana – ao menos como indústria, porque como prática particular já foram encontrados vários). O snuff book do Hugo tem vítimas reais – Bento Ribeiro, Federico de Vito, alguns vizinhos e amigos dele que eu só posso supor que existam – mas em situações fictícias de sexo e violência (também só posso supor...). Ser ficção, e ter a prosa poética suja do autor, é o que dá valor literário à coisa, e o que diferencia um artista de um retardado mental (como o que invadiu a escola no Rio). Trata de desejo, trata de violência e do poder de sublimação da literatura.

Para mim, o melhor autor que trabalha isso é Dennis Cooper, um de meus autores favoritos. Num de seus romances (“Try”), por exemplo, ele narra o encontro de um garoto de 13 anos com um gordo sádico que o droga, estupra, filma, repassa a um cliente, mata, repassa a um necrófilo, a um canibal, e termina enterrando os restos. Os livros de Cooper estão sempre carregados de uma auto-expiação e auto-análise literária, discutindo a romantização da violência e sua distância do real, como um trem-fantasma ou uma montanha russa, em que sabemos que não estamos caindo realmente, em que sentimos prazer com um medo imaginário.

A escola de Cooper vem de um psicopata real, mas que também era um grande escritor – O Marquês de Sade. Seu “120 Dias de Sodoma” será a referência eterna do gênero (e dificilmente será superado em violência, visto que é praticamente um manual de formas de tortura). Outro clássico do gênero, bem mais lírico, é o Conde de Lautréamont (e seu “Os Cantos de Maldoror”), epítome do Romantismo francês.

Cooper é assumidamente filhote deles. E há alguns anos eu traduzi uma entrevista dele aqui no blog em que ele fala especificamente dessas raízes da literatura snuff:

Quando eu tinha 15 anos eu comecei a escrever como uma forma de arte. Foi quando eu li pela primeira vez Rimbaud e Sade. E pensei “Oh, Deus! Pode-se escrever sobre isso!” Minhas fantasias foram justificadas pelo Sade. Não dá para ser mais extremo do que ele. Mas tudo o que eu escrevia como adolescente era lixo.

Eu tentei imitar 120 Dias de Sodoma, e escrevi esse romance extremo de 800 páginas. Era sobre uma festa na escola onde meus amigos e eu fizemos todos esses carinhas bonitinhos virem, então os prendemos e torturamos e matamos. Era uma coisa bem longa, totalmente horrível e ridícula.


Pois bem, o crítico soberbo diria que Hugo Guimarães é um Sade ou Cooper wannabe, porque sempre precisa relacionar o novo autor a algo já conhecido (isso é, se esse crítico conhecer Dennis Cooper), mas conversando um pouco com Hugo já vemos que suas influências vêm mais do punk rock, homocore, e dos filmes de terror extremo (que atualmente chamam de “torture porn”, como o “Cannibal Holocaust”, “The Hills Have Eyes” e, mais recentemente, “O Albergue”); além de sua própria vida, é claro.

De qualquer forma, é raro encontrar no Brasil quem faça o que Hugo Guimarães está fazendo. Mais raro ainda é quem consegue publicar esse tipo de coisa num mercado ainda tão conservador (Hugo Guimarães resenhado por Alcir Pécora seria o episódio que precederia o Apocalipse). Talvez o parente mais próximo por aqui seja Glauco Mattoso – poeta e podólatra, bem distante da adolescência, e com algumas narrativas bastante extremas.

A Dix também lançou em 2008 a antologia “M(ais)” de literatura brasileira sadomasoquista, organizada pelo próprio Glauco e (o professor da USP) Antonio Vicente Seraphim Pietroforte. É um documento valioso sobre o tema, embora a seleção (com mais de 40 textos) seja bem irregular, e vá do Hugo a José de Alencar (ok, rima não intencional), passando por várias outras coisas de qualidade bem inferior. E, de qualquer modo, eu só consideraria como “snuff” a literatura sadomasoquista mais extrema, pouco presente no volume.

De minha “larva”, acho que o mais próximo do snuff é “A Morte Sem Nome”, certamente mais masoquista do que sádico. A intenção do livro era só exercitar várias formas de auto-flagelação mesmo, não há uma trama identificável. E trabalha nesse registro de romantização e sublimação da violência. Eu escrevi com 22 para 23 anos – potência lírica da juventude – e não seria mais capaz e escrever algo assim hoje.

Mas toda essa categorização da literatura snuff pode ser questionada, se levarmos em conta outro tipo de obra...

Nos Estados Unidos é comum: a celebrização de serial killers reais. Publicações descrevendo em detalhes a biografia (e os assassinatos) dessas figurais vendem horrores. No Brasil, ainda há relativamente poucos – casos e publicações. Eu discuti isso pessoalmente (acreditem) com Marilyn Manson, quando ele esteve no Brasil, no final dos anos 90.

Eu: No Brasil não há essa cultura de assassinos seriais; não acontece com freqüência.

Manson: Acontece. Vocês só nunca encontram os corpos.


(Ou seja, nossa polícia que é mais incompetente, ahaha.)

Um livro impressionante desse universo, escrito aqui, é o “Serial Killers Made in Brazil”, da jornalista Ilana Casoy. Talvez seja a única possibilidade real de “snuff book”: o livro traz entrevistas com assassinos que narram em detalhes seus crimes. É de se pensar até que ponto isso deveria ser publicado. Afinal, está se explorando comercialmente a morte de pessoas, discussão que é brilhantemente exposta no livro, inclusive, por Marcelo Costa de Andrade, que violentou e matou treze crianças.

A jornalista coloca: “Eu escrevo pra gente que quer saber a verdade, que nem você está fazendo, contando, pra entender a cabeça de pessoas como você. Pra poder ajudar essas pessoas a se curarem.”

E ele pergunta: “É pra vender o livro depois?”


Foi curioso então ver a autora, Ilana Casoy, no Jornal Hoje, esta semana, debatendo sobre o caso do colégio em Realengo. Ela afirmou que casos como esse são mais comuns nos EUA, mas que com a globalização isso está mudando. Eu concordo, e tenho a triste certeza de que vai acontecer de novo, daqui a não muito tempo. Foi colocado que o assassino queria se tornar célebre. E conseguiu. Quantos outros estão acompanhando as notícias nestes dias, e gostariam de estar no lugar dele?

- Sei que já escrevi diversos posts semelhantes, citando os mesmos livros e as mesmas entrevistas, mas a leitura do Hugo, o caso do Rio, me trouxeram o tema de volta. E, além do mais, quem leu aqueles posts já não está vivo para contar.

06/04/2011

DE VOLTA À BATALHA SANGRENTA

Hoje de noite recebo do Ronaldo Bressane o link de um debate entre os críticos literários Alcir Pécora e Beatriz Resende, no blog do Instituto Moreira Salles. “Você está sofrendo bullying de gangues?” Bressane me perguntava por alguma colocação feita lá. Fui ao cinema (assisti “Sem Limites”, um thrillerzinho divertido com o De Niro) e deixei para ver o vídeo na volta, porque sei que ia ser cansativo...

E foi.

A mim, essas discussões literárias todas passam tão longe da literatura. Sempre achei isso. Desde o início. E desde as discussões densas até as mais superficiais. Discute-se mercado, discute-se marketing, critica-se o envolvimento do escritor com tudo isso, mas é só nisso que os críticos se envolvem. Tão cansativo e velho ouvir crítico reclamando de escritor marketeiro, ou das panelinhas, ou da promoção falsa de uma geração literária. É contraditório e paradoxal, porque chamam tanto atenção para isso, para dizer que isso não é importante, que o que importa – os livros em si, não aparecem.

O melhor (e mais absurdo) exemplo disso foi aquela matéria de página na Ilustrada, final do ano passado, condenando a antologia “Geração Zero Zero” (organizada pelo Nelson de Oliveira), o marketing dos autores, blábláblá. E a matéria... só falava de marketing! Nem mesmo leram e analisaram o livro porque o livro não estava pronto! Quero ver se vão dar esse espaço todo quando o livro sair, para tratar dos textos.

Também já falei disso aqui: a escolha do foco de uma crítica já confere importância ao assunto focado. É como se eu perdesse posts e posts aqui para dizer que Big Brother é imbecilizante, que não assisto Big Brother, que Big Brother não me interessa em nada. Não me interessa, então ignoro.

Além de desprezarem os livros, não entendo essa patrulha sobre a vaidade do escritor, sobre as panelas, sobre o marketing. A maior parte dos grandes escritores sempre foi de grandes filhos da puta, narcisistas, marketeiros, sim, egocêntricos, isso é problema para seus amigos e familiares. Crítico não devia se deter nisso. Crítico devia se deter no livro.

E infelizmente isso não acontece só na crítica. Quantos eventos literários em que participei que se discutia o mercado, a importância da Internet, os prêmios literários, mas e os livros? Ou melhor e as HISTÓRIAS, o conteúdo, os temas?

No Congresso de Novos Narradores Iberoamericanos, em que participei ano passado, em Madri, discutiu-se muito o mercado em cada um dos países, as possibilidades de publicação no exterior, o papel da crítica... Numa das últimas mesas eu não me contive e tive de perguntar: Aquele era um congresso de NARRADORES? Onde estavam as narrativas? Para discutir mercado, não seria melhor ter convidado então editores de cada país? Eu nem consegui saber o que escrevia cada um dos autores que estavam lá!

Outra coisa estranha, de discussões supostamente mais profundas (como no debate entre Pécora e Rezende) é acreditar que o escritor deve ter esse compromisso consciente com a revolução linguística. Eu, como escritor, quero antes de tudo contar uma história, tratar de temas que me interessam, que me incomodam, que me fascinam e me sufocam. A forma como vou fazer isso vem depois, e vem a serviço da idéia, da trama. Pode ser inovadora, pode ser estranha, ou pode ser absolutamente objetiva. Mas eu não estou escrevendo sobre a linguagem.

Essas discussões são mesmo um pé no saco, você deve estar achando um pé no saco este post e eu queria poder colocar mais fotos minhas de sunguinha na praia... Haha. Mas voltei à guerra, então preciso derramar sangue. Estou de volta a SP, estou lançando livro novo e é hora de mastigar, engolir, deglutir ou vomitar toda essa discussão de crítica, mercado, marketing, blábláblá. Eu já me mantenho sempre o mais distante que eu posso...

E é um pouco por isso que Beatriz Rezende me cutucou. Eu não poderia deixar de dizer que, ainda que gentil e elogiosa, achei completamente equivocada a visão dela sobre minha obra e minha relação com a literatura. Ela coloca que eu comecei “magnificamente”, mas por ter sido de certa forma excluído das panelinhas literárias, eu decidi me dedicar a uma literatura que vende, que é aceita, etc.

Eu vejo exatamente o oposto; nos primeiros livros eu me preocupava mais em ser aceito, em escrever um livro sério, ser considerado um escritor; com o tempo, percebi que não valia mesmo a pena e procurei fazer apenas o que eu gosto, me divertir, chutar o balde e ir atrás do meu universo realmente – e o que eu sempre gostei foi de garotos andróginos e jacarés assassinos, ora. (Acha que me inspiro mais com Alcir Pécora ou com um surfistinha cabeludo que não sabe conjugar os verbos?). Sei bem do risco que se corre escrevendo essas coisas – não é literatura séria, não é bem aceita, seria literatura juvenil? “O Prédio, o Tédio e o Menino Cego” foi sem sombra de dúvida meu livro que teve pior recepção. Mas meu grande tesão foi sempre trazer essas bagaceirices para o campo literário – e se algumas pessoas entendem, como entenderam, já vale a pena.

Paradoxalmente, meu livro que Beatriz sempre mais elogiou – Feriado de Mim Mesmo – é meu livro mais bem sucedido comercialmente, sem dúvida o meu livro mais bem aceito.

Semana passada encontrei Marçal Aquino no lançamento do livro novo do Michel Laub e ele ecoou pensamentos parecidos com os de Beatriz. “Está de livro novo? Deixou de lado aquela coisa de zumbis?” Ele acha isso bobagem de antemão. Não é estranho que meu livro que Marçal mais goste seja “Olívio”, o meu primeiro, que mais se parece com os dele próprio ou que talvez mais se pareça com vários outros livros; que eu não renego, mas que eu ainda estava longe de ter encontrado minha voz. Do meu último (“O Prédio”), ele diz nem ter conseguido passar da página 40... (Mas, peraí, os zumbis só começam a aparecer na página duzentos e cacetada...).

Enfim, tenho de estar preparado para isso. Eu faço o que eu gosto, escrevo o que eu gosto, e tenho o privilégio de poder passar um ano na praia, bem longe desse mundinho, fazendo kitesurf e convivendo com meus próprios (porno)fantasmas. Também tenho de aceitar essa jeremiada como parte do jogo.

Fica então o aviso: PORNOFANTASMA tem zumbis, tem garotos andróginos e jacarés assassinos. É bem menos engraçadinho do que os anteriores, não tem muito humor, não, mas tem toda essa bagaceirice, e muito mais. Tem até um 69 entre um garoto e um guepardo!

Ah, o link entre o debate de Beatriz e Pécora. Aviso que é papo longo e enfadonho.

http://blogdoims.uol.com.br/ims/ficcao-compadrio-e-as-tias-beatriz-rezende-e-alcir-pecora/

02/04/2011

ORELHA Dá pra ler? Haha. Clica que aumenta.

PORNOFANTASMA já está no prelo. Começa a ser distribuído para as livrarias em meados de abril. Noite de autógrafos dia 12 de maio, na Livraria da Vila da Alameda Lorena, em SP. Já vai divulgando por aí.

NESTE SÁBADO!