09/04/2011

SNUFF BOOKS

Terminei de ler o primeiro livro de contos do jovem poeta Hugo Guimarães. Jovem de 26 anos, veja bem, não esses escritores tiozinhos que já passaram dos trinta e ainda vestem essa estirpe...

E para mim faz todo sentido. “Jovem” é um adjetivo que, para mim, carrega uma carga valorosa para o terreno literário. Não é à toa que o Romantismo foi todo construído por autores jovens... e suicidas. O autor “jovem” é aquele ainda carregado de entusiasmo, espontaneidade, que se revela numa potência lírica invejável.

Eu, infelizmente, devo dizer que perdi isso...

Por isso também detesto o termo “promissor”, porque parece que o autor ainda está por fazer. E se a maturidade solidifica a obra literária, solidificar também pode ser sinônimo de engessar. Algo se ganha, algo se perde.

Será interessante notar o que a maturidade dará a Hugo Guimarães; por enquanto, seu texto é potência pura. Ele já publicou um livro de poemas pela Dix (selo da Annablume) – “Poesia Gay Underground” - e agora me mandou esse de contos, ainda sem editora e sem título definido.

É o mais perto que consigo encontrar de um “snuff book” – termo que tirei dos “snuff movies”, filmes reais em que se tortura e mata pessoas para diversão do público (considerados oficialmente lenda urbana – ao menos como indústria, porque como prática particular já foram encontrados vários). O snuff book do Hugo tem vítimas reais – Bento Ribeiro, Federico de Vito, alguns vizinhos e amigos dele que eu só posso supor que existam – mas em situações fictícias de sexo e violência (também só posso supor...). Ser ficção, e ter a prosa poética suja do autor, é o que dá valor literário à coisa, e o que diferencia um artista de um retardado mental (como o que invadiu a escola no Rio). Trata de desejo, trata de violência e do poder de sublimação da literatura.

Para mim, o melhor autor que trabalha isso é Dennis Cooper, um de meus autores favoritos. Num de seus romances (“Try”), por exemplo, ele narra o encontro de um garoto de 13 anos com um gordo sádico que o droga, estupra, filma, repassa a um cliente, mata, repassa a um necrófilo, a um canibal, e termina enterrando os restos. Os livros de Cooper estão sempre carregados de uma auto-expiação e auto-análise literária, discutindo a romantização da violência e sua distância do real, como um trem-fantasma ou uma montanha russa, em que sabemos que não estamos caindo realmente, em que sentimos prazer com um medo imaginário.

A escola de Cooper vem de um psicopata real, mas que também era um grande escritor – O Marquês de Sade. Seu “120 Dias de Sodoma” será a referência eterna do gênero (e dificilmente será superado em violência, visto que é praticamente um manual de formas de tortura). Outro clássico do gênero, bem mais lírico, é o Conde de Lautréamont (e seu “Os Cantos de Maldoror”), epítome do Romantismo francês.

Cooper é assumidamente filhote deles. E há alguns anos eu traduzi uma entrevista dele aqui no blog em que ele fala especificamente dessas raízes da literatura snuff:

Quando eu tinha 15 anos eu comecei a escrever como uma forma de arte. Foi quando eu li pela primeira vez Rimbaud e Sade. E pensei “Oh, Deus! Pode-se escrever sobre isso!” Minhas fantasias foram justificadas pelo Sade. Não dá para ser mais extremo do que ele. Mas tudo o que eu escrevia como adolescente era lixo.

Eu tentei imitar 120 Dias de Sodoma, e escrevi esse romance extremo de 800 páginas. Era sobre uma festa na escola onde meus amigos e eu fizemos todos esses carinhas bonitinhos virem, então os prendemos e torturamos e matamos. Era uma coisa bem longa, totalmente horrível e ridícula.


Pois bem, o crítico soberbo diria que Hugo Guimarães é um Sade ou Cooper wannabe, porque sempre precisa relacionar o novo autor a algo já conhecido (isso é, se esse crítico conhecer Dennis Cooper), mas conversando um pouco com Hugo já vemos que suas influências vêm mais do punk rock, homocore, e dos filmes de terror extremo (que atualmente chamam de “torture porn”, como o “Cannibal Holocaust”, “The Hills Have Eyes” e, mais recentemente, “O Albergue”); além de sua própria vida, é claro.

De qualquer forma, é raro encontrar no Brasil quem faça o que Hugo Guimarães está fazendo. Mais raro ainda é quem consegue publicar esse tipo de coisa num mercado ainda tão conservador (Hugo Guimarães resenhado por Alcir Pécora seria o episódio que precederia o Apocalipse). Talvez o parente mais próximo por aqui seja Glauco Mattoso – poeta e podólatra, bem distante da adolescência, e com algumas narrativas bastante extremas.

A Dix também lançou em 2008 a antologia “M(ais)” de literatura brasileira sadomasoquista, organizada pelo próprio Glauco e (o professor da USP) Antonio Vicente Seraphim Pietroforte. É um documento valioso sobre o tema, embora a seleção (com mais de 40 textos) seja bem irregular, e vá do Hugo a José de Alencar (ok, rima não intencional), passando por várias outras coisas de qualidade bem inferior. E, de qualquer modo, eu só consideraria como “snuff” a literatura sadomasoquista mais extrema, pouco presente no volume.

De minha “larva”, acho que o mais próximo do snuff é “A Morte Sem Nome”, certamente mais masoquista do que sádico. A intenção do livro era só exercitar várias formas de auto-flagelação mesmo, não há uma trama identificável. E trabalha nesse registro de romantização e sublimação da violência. Eu escrevi com 22 para 23 anos – potência lírica da juventude – e não seria mais capaz e escrever algo assim hoje.

Mas toda essa categorização da literatura snuff pode ser questionada, se levarmos em conta outro tipo de obra...

Nos Estados Unidos é comum: a celebrização de serial killers reais. Publicações descrevendo em detalhes a biografia (e os assassinatos) dessas figurais vendem horrores. No Brasil, ainda há relativamente poucos – casos e publicações. Eu discuti isso pessoalmente (acreditem) com Marilyn Manson, quando ele esteve no Brasil, no final dos anos 90.

Eu: No Brasil não há essa cultura de assassinos seriais; não acontece com freqüência.

Manson: Acontece. Vocês só nunca encontram os corpos.


(Ou seja, nossa polícia que é mais incompetente, ahaha.)

Um livro impressionante desse universo, escrito aqui, é o “Serial Killers Made in Brazil”, da jornalista Ilana Casoy. Talvez seja a única possibilidade real de “snuff book”: o livro traz entrevistas com assassinos que narram em detalhes seus crimes. É de se pensar até que ponto isso deveria ser publicado. Afinal, está se explorando comercialmente a morte de pessoas, discussão que é brilhantemente exposta no livro, inclusive, por Marcelo Costa de Andrade, que violentou e matou treze crianças.

A jornalista coloca: “Eu escrevo pra gente que quer saber a verdade, que nem você está fazendo, contando, pra entender a cabeça de pessoas como você. Pra poder ajudar essas pessoas a se curarem.”

E ele pergunta: “É pra vender o livro depois?”


Foi curioso então ver a autora, Ilana Casoy, no Jornal Hoje, esta semana, debatendo sobre o caso do colégio em Realengo. Ela afirmou que casos como esse são mais comuns nos EUA, mas que com a globalização isso está mudando. Eu concordo, e tenho a triste certeza de que vai acontecer de novo, daqui a não muito tempo. Foi colocado que o assassino queria se tornar célebre. E conseguiu. Quantos outros estão acompanhando as notícias nestes dias, e gostariam de estar no lugar dele?

- Sei que já escrevi diversos posts semelhantes, citando os mesmos livros e as mesmas entrevistas, mas a leitura do Hugo, o caso do Rio, me trouxeram o tema de volta. E, além do mais, quem leu aqueles posts já não está vivo para contar.

ENTÂO VOCÊ SE CONSIDERA ESCRITOR?

Então você se considera escritor? (Trago questões, não trago respostas...) Eu sempre vejo com certo cinismo, quando alguém coloca: fulan...