DE VOLTA À BATALHA SANGRENTA
Hoje de noite recebo do Ronaldo Bressane o link de um debate entre os críticos literários Alcir Pécora e Beatriz Resende, no blog do Instituto Moreira Salles. “Você está sofrendo bullying de gangues?” Bressane me perguntava por alguma colocação feita lá. Fui ao cinema (assisti “Sem Limites”, um thrillerzinho divertido com o De Niro) e deixei para ver o vídeo na volta, porque sei que ia ser cansativo...
E foi.
A mim, essas discussões literárias todas passam tão longe da literatura. Sempre achei isso. Desde o início. E desde as discussões densas até as mais superficiais. Discute-se mercado, discute-se marketing, critica-se o envolvimento do escritor com tudo isso, mas é só nisso que os críticos se envolvem. Tão cansativo e velho ouvir crítico reclamando de escritor marketeiro, ou das panelinhas, ou da promoção falsa de uma geração literária. É contraditório e paradoxal, porque chamam tanto atenção para isso, para dizer que isso não é importante, que o que importa – os livros em si, não aparecem.
O melhor (e mais absurdo) exemplo disso foi aquela matéria de página na Ilustrada, final do ano passado, condenando a antologia “Geração Zero Zero” (organizada pelo Nelson de Oliveira), o marketing dos autores, blábláblá. E a matéria... só falava de marketing! Nem mesmo leram e analisaram o livro porque o livro não estava pronto! Quero ver se vão dar esse espaço todo quando o livro sair, para tratar dos textos.
Também já falei disso aqui: a escolha do foco de uma crítica já confere importância ao assunto focado. É como se eu perdesse posts e posts aqui para dizer que Big Brother é imbecilizante, que não assisto Big Brother, que Big Brother não me interessa em nada. Não me interessa, então ignoro.
Além de desprezarem os livros, não entendo essa patrulha sobre a vaidade do escritor, sobre as panelas, sobre o marketing. A maior parte dos grandes escritores sempre foi de grandes filhos da puta, narcisistas, marketeiros, sim, egocêntricos, isso é problema para seus amigos e familiares. Crítico não devia se deter nisso. Crítico devia se deter no livro.
E infelizmente isso não acontece só na crítica. Quantos eventos literários em que participei que se discutia o mercado, a importância da Internet, os prêmios literários, mas e os livros? Ou melhor e as HISTÓRIAS, o conteúdo, os temas?
No Congresso de Novos Narradores Iberoamericanos, em que participei ano passado, em Madri, discutiu-se muito o mercado em cada um dos países, as possibilidades de publicação no exterior, o papel da crítica... Numa das últimas mesas eu não me contive e tive de perguntar: Aquele era um congresso de NARRADORES? Onde estavam as narrativas? Para discutir mercado, não seria melhor ter convidado então editores de cada país? Eu nem consegui saber o que escrevia cada um dos autores que estavam lá!
Outra coisa estranha, de discussões supostamente mais profundas (como no debate entre Pécora e Rezende) é acreditar que o escritor deve ter esse compromisso consciente com a revolução linguística. Eu, como escritor, quero antes de tudo contar uma história, tratar de temas que me interessam, que me incomodam, que me fascinam e me sufocam. A forma como vou fazer isso vem depois, e vem a serviço da idéia, da trama. Pode ser inovadora, pode ser estranha, ou pode ser absolutamente objetiva. Mas eu não estou escrevendo sobre a linguagem.
Essas discussões são mesmo um pé no saco, você deve estar achando um pé no saco este post e eu queria poder colocar mais fotos minhas de sunguinha na praia... Haha. Mas voltei à guerra, então preciso derramar sangue. Estou de volta a SP, estou lançando livro novo e é hora de mastigar, engolir, deglutir ou vomitar toda essa discussão de crítica, mercado, marketing, blábláblá. Eu já me mantenho sempre o mais distante que eu posso...
E é um pouco por isso que Beatriz Rezende me cutucou. Eu não poderia deixar de dizer que, ainda que gentil e elogiosa, achei completamente equivocada a visão dela sobre minha obra e minha relação com a literatura. Ela coloca que eu comecei “magnificamente”, mas por ter sido de certa forma excluído das panelinhas literárias, eu decidi me dedicar a uma literatura que vende, que é aceita, etc.
Eu vejo exatamente o oposto; nos primeiros livros eu me preocupava mais em ser aceito, em escrever um livro sério, ser considerado um escritor; com o tempo, percebi que não valia mesmo a pena e procurei fazer apenas o que eu gosto, me divertir, chutar o balde e ir atrás do meu universo realmente – e o que eu sempre gostei foi de garotos andróginos e jacarés assassinos, ora. (Acha que me inspiro mais com Alcir Pécora ou com um surfistinha cabeludo que não sabe conjugar os verbos?). Sei bem do risco que se corre escrevendo essas coisas – não é literatura séria, não é bem aceita, seria literatura juvenil? “O Prédio, o Tédio e o Menino Cego” foi sem sombra de dúvida meu livro que teve pior recepção. Mas meu grande tesão foi sempre trazer essas bagaceirices para o campo literário – e se algumas pessoas entendem, como entenderam, já vale a pena.
Paradoxalmente, meu livro que Beatriz sempre mais elogiou – Feriado de Mim Mesmo – é meu livro mais bem sucedido comercialmente, sem dúvida o meu livro mais bem aceito.
Semana passada encontrei Marçal Aquino no lançamento do livro novo do Michel Laub e ele ecoou pensamentos parecidos com os de Beatriz. “Está de livro novo? Deixou de lado aquela coisa de zumbis?” Ele acha isso bobagem de antemão. Não é estranho que meu livro que Marçal mais goste seja “Olívio”, o meu primeiro, que mais se parece com os dele próprio ou que talvez mais se pareça com vários outros livros; que eu não renego, mas que eu ainda estava longe de ter encontrado minha voz. Do meu último (“O Prédio”), ele diz nem ter conseguido passar da página 40... (Mas, peraí, os zumbis só começam a aparecer na página duzentos e cacetada...).
Enfim, tenho de estar preparado para isso. Eu faço o que eu gosto, escrevo o que eu gosto, e tenho o privilégio de poder passar um ano na praia, bem longe desse mundinho, fazendo kitesurf e convivendo com meus próprios (porno)fantasmas. Também tenho de aceitar essa jeremiada como parte do jogo.
Fica então o aviso: PORNOFANTASMA tem zumbis, tem garotos andróginos e jacarés assassinos. É bem menos engraçadinho do que os anteriores, não tem muito humor, não, mas tem toda essa bagaceirice, e muito mais. Tem até um 69 entre um garoto e um guepardo!
Ah, o link entre o debate de Beatriz e Pécora. Aviso que é papo longo e enfadonho.
http://blogdoims.uol.com.br/ims/ficcao-compadrio-e-as-tias-beatriz-rezende-e-alcir-pecora/