Aos catorze anos, fui jogado ao mar...
Nah, nem tanto.
A divulgação ainda anda meio lenta, eu ando meio lento, muita coisa na vida real, mas tenho recebido impressões bem entusiasmadas dos leitores sobre PORNOFANTASMA.
Além do conto título, o favorito parece ser "As Vidas de Max", conto nascido das minhas leituras de Moacyr Scliar e Yann Martel.
No meu aniversário de catorze anos, fui jogado ao mar. Faltou-me chão, cambaleei das pernas, deslizei pelo convés de uma vida – tão breve, que eu chamava de “a vida inteira” – e acabei a bordo de um pequeno barco, frente à frente com um guepardo.
Estava relendo meus emails com Scliar, e fiquei triste de não poder mandar o livro pra ele, como prometido. Era dos raros autores brasileiros que unia literatura de verdade a algo mais fantástico, como eu me proponho a fazer...
Minha irmã batia na porta do banheiro. “Mãe, o que se passa com esse moleque?” Elas ainda não estavam acostumadas. Nem eu. Olhava a clara rala como membrana entre meus dedos e me perguntava se era realmente aquilo. Era realmente aquilo? Eu chegara lá. Às vésperas do meu aniversário de catorze anos, em alto mar.
Conheci o Scliar muito superficialmente. Me apresentei algumas vezes, como fã, e nunca conversamos muito. Mas o email que ele me mandou sobre "As Vidas de Max" (o conto que está em PORNOFANTASMA) vai ficar guardado para sempre.
E acho que não tenho por que não colocá-lo aqui. Vai:
Scliar, querido, como vai?
Nos encontramos algumas vezes em Flip, Bienais, etc. Sou leitor seu desde a adolescência, agora tenho cinco romances publicados.
A história é a seguinte: há alguns meses eu estava avaliando para uma editora o novo livro do Martel ("A 20th Century Shirt", ainda não lançado) [o livro acabou sendo publicado com o nome "Beatice and Virgil" - no Brasil saiu pela Nova Fronteira, não por acaso] e me lembrei da polêmica em torno dos livros de vocês. Fiquei instigado e li os dois - gostei muitíssimo, mas me senti praticamente compelido a exercitar a minha versão num conto...
Para mim, a idéia do adolescente num barco com um grande felino me desperta instantaneamente uma alegoria de despertar sexual (que não foi exatamente o ponto de nenhum de vocês). Acabei indo por esse caminho, e colocando num contexto bem mais burguês e debochado (o rapaz como um adolescente num cruzeiro de férias com a família, etc).
Acho que o conto rendeu bem. Estou preparando um livro de contos (o meu primeiro nesse formato), a ser lançado no começo do próximo ano pela Record e quero incluir lá.
O conto é assumidamente uma homenagem a vocês dois (a começar pelo título) e claro que vou colocar as referências no livro. Mas, antes de tudo, queria mandar para você.
Se quiser ler e me mandar suas impressões, será uma honra para mim.
Desde já, obrigado. Nos cruzamos em breve.
*'s
Santiago Nazarian
[Infelizmente, eu e Scliar nunca mais nos cruzamos.]
A resposta:
Meu caro Santiago, muito obrigado pela mensagem, pelas amáveis palavras e pelo belíssimo conto, que li com o maior interesse e emoção. Realmente, você deu uma dimensão nova à idéia! Para mim é motivo de orgulho que minha história possa, ao menos em parte, ter lhe servido de inspiração. E agora temos um time: jaguar, tigre e guepardo! Imbatível! Aguardo ansioso seu livro. Até lá, receba o grande abr. do fã Moacyr Scliar
O que eu não mencionei para Scliar, e meio que tinha deixado de lado para mim mesmo é que dos treze para os catorze anos eu ESTIVE num navio. Um transatlântico bem burguês, como narrado no livro, com minha mãe e minha irmã, "com shows de mágica e bingo. Até com números circenses e entradas sub-reptícias no cassino."
Eu não encontrei nenhum guepardo, não. Na verdade, tive uma namoradinha, gaúcha, Fernanda, não esqueci dela (ela esqueceu de mim? O que foi feito dela?). Mas o conto é um pouco mais boiolinha... É essa minha tendência, sabe, de androginizar e (homo)sexualizar todo adolescente, como se todo adolescente fosse andrógino, e como um menino de 14 anos fosse de fato um ser sexual...
Bem, um menino de 14 anos é um ser sexual, se a gente lembrar bem, mas quando nós, bode velhos, olhamos de fora, eles parecem apenas crianças. Diferentemente das meninas, meninos de 14 anos, na verdade, na realidade, no mundo real, fora das páginas e longe dos guepardos, são crianças... Quer ver?
Que bebê! Esse era EU, aos treze para os catorze, num cruzeiro em alto mar, cumprimentando o capitão.
Mas o livro é muito mais do que isso! É um oceano de prazeres, e espermas e espadas e águas-vivas. Compra logo e não me enche o saco!
Só venha falar comigo quando terminar "Todas as cabeças no chão, menos a minha!" O último conto, e o meu favorito.