Sim, eu era ruivinho e encaracolado.
Agora que o inferno astral do aniversário ficou para trás – posso aproveitar tantas coisas boas que andam acontecendo ou estão prestes a acontecer. Cristiane Lisbôa diz para não comentar, para não atrair olho gordo, mas com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo, fico pensando se uma não pode funcionar como um “boi de piranha cármico” da outra. Talvez eu devesse apenas espalhar boatos falsos, que atraíssem em si os maus olhados. Então tá: “Fui convidado para ir para a Austrália! Para nadar com os crocodilos!” (Enquanto isso, nado a salvo para a outra margem.)
Meu retrato de Dorian Gray, feito pelo João Lestrange de presente de aniversário para mim. Foda que no retrato eu já estou bichado... e ainda assim melhor do que muitos dias...
O aniversário passou, foi dos melhores, isso eu já disse. E fiquei lembrando de tantos aniversários passados, tantos aniversários desperdiçados. Aniversário é uma coisa meio triste, diz aí? Aniversário é uma coisa meio deprê. Não é só por envelhecer, tem aquilo de ser um dia mega importante na nossa vida, e não querer dizer porra nenhuma para ninguém mais. Geralmente eu tento driblar. Geralmente eu tento fingir que não tem nada acontecendo. Mas secretamente sempre espero que um terremoto arrase o mundo, que os mortos ressuscitem ou que eu apenas abra a porta e encontre os amigos gritando: “surpresa!” Nunca aconteceu.
O que eu me lembro dos aniversários é isso:
- Sempre fiquei mega constrangido com o povo cantando “parabéns a você.” O que o aniversariante faz? Canta junto? Sorri amarelo? Se esconde num buraco? Quando eu era pequeno, me escondia, literalmente. Gritava, chorava, esperneava, de pânico do parabéns.
- Sempre havia um enfeite em cima do meu bolo. Lembro de um fofão num aniversário, de uma onça com um coqueiro em outro (e como eu já era metidinho a biólogo, eu protestei e protestei que coqueiro não era habitat de onça). O mais constrangedor foi um dos Smurfs. Eu tinha uns sete ou oito anos, e assistia Smurfs meio secretamente. Minha mãe sabia, e colocou um enfeite de Smurfs no bolo, para todos meus colegas verem. Smurfs era coisa de criancinha. Me escondi num buraco.
- Eu era fã do He-man, claro. E já tive um enfeite de He-man no bolo. Mas, só para me humilhar, meu primo milionário mandou construir um Castelo de Grayskull em tamanho real no jardim da casa dele, no seu aniversário. Era o mesmo primo que costumava roubar todos os meus amigos, quando eles descobriam que na casa dele tinha um campo de futebol. Eles ficavam jogando o sábado inteiro, eu trancado na frente da TV, jogando Castlevania e Super Mario.
- Meu aniversário de trinta anos, passei em Santiago do Chile, a caminho do deserto do Atacama. Estava hospedado no Crowne Plaza, hotel bem bacanudo; e na noite da virada dos vinte e nove para os trinta, eu tomava um drinque no bar do hotel, sozinho, me preparando para sair. Uma mulher cantava “Se você disser que yo desafino amor...” num portunhol bizonho. E eu tive a melancólica sensação de que isso era fazer trinta anos – conquistar certa sofisticação, com certa decadência. Essa sensação ainda não passou.
- O aniversário do ano passado, passei num pântano. Também estava sozinho, em Florianópolis, e decidi ir para as dunas da Joaquina por um caminho alternativo. Era um pântano. E eu afundava meus pés na lama, na água, me preparando para ser picado por uma cobra. Seria uma boa morte. Seria um bom final para a história.
- Tive um namorado que disse que nunca comemorou o aniversário na infância. Nunca fizeram festa. Só uma vez... E montaram literalmente um circo na casa dele, com palhaços, malabaristas, engolidores de espada... Para montar toda a estrutura, de surpresa, tiraram ele de casa, levaram no parque, no shopping, no zoológico. Quando voltou para casa, estava tão cansado que dormiu, o aniversário TODO. E ouviu pelo resto do ano os colegas comentando: “Nossa, sua festa foi a melhor de todas!”
- E quando eu tinha uns oito anos, tinha um amigo chamado Igor. Moleque bacana, e razoavelmente popular. Mas por algum motivo, no aniversário dele NINGUÉM foi. Tinha toneladas de brigadeiro, cachorro-quente, bolo, mas NINGUÉM foi. Só eu. E como eu era um moleque sem noção, ao invés de consolá-lo, eu piorava as coisas: “Mas não vem ninguém nessa festa? Que festa chata!” A mãe dele tentava consertar: “A gente congela as comidas, filho, a gente reforça o convite pro sábado que vem.” Desde então, batizei essa sensação de que não virá ninguém de “Síndrome de Igor.”
O bolo de aniversário este ano, no Bar Balcão, feito pela Hitomi, depois do lançamento na Vila. Este ano venci a Síndrome de Igor. E eu mesmo puxei o parabéns.