31/07/2011
Not much...
A PORNOFANTASMA tour por enquanto só passou por São Paulo e Belo Horizonte. Na real, não tenho recebido muitos convites de eventos no Brasil. Mas tem algumas coisinhas bacanas que vêm por aí...
18 de agosto estreia no Rio de Janeiro, Sesc Copacabana, Sala Multi-uso, o espetáculo teatral “Feriado de Mim Mesmo”, da companhia Teatro de Extremos, baseado no meu livro. Ainda não vi nada, e não participei da montagem, mas eles estão com esse projeto (e entusiasmo) há tempos, então espero o melhor.
Além de ir lá para assistir, devo aproveitar a ocasião para fazer a noite de autógrafos do PORNOFANTASMA no Rio. Fique ligado aqui, que dou os detalhes.
No dia seguinte, 19 de agosto, parto para o Festival Nacional do Conto, em Jaraguá do Sul, Santa Catarina. Tenho uma mesa lá às 19h, com Ivana Arruda Leite. Adorei o convite. Apesar de ter morado um ano em Florianópolis, nunca fui convidado para nada lá, nunca havia sido convidado para nada em Santa Catarina. É um amor não correspondido - Santa Catarina me despreza, cospe em mim. Espero agora resolver isso, ou “beijar essa boca que me escarra...”
Daí em setembro tem a FILBA – Festa Literária de Buenos Aires, em que sou um dos autores convidados – uh-hu. Devo ficar dez dias na cidade, participar de uma mesa, discotecar numa festa e rever uma querida amiga, além de comer alfajores e churrasco.
E em novembro tenho uma turnezinha por quatro cidades da Alemanha! Brasil é convidado de honra da Feira do Livro de Frankfurt, em 2013, e já começaram as preparações. Já estão convidando escritores para preparar o terreno, vou fazer algumas leituras e apresentar meu livro. Vai ser minha quarta passagem pela Alemanha, embora seja sempre meio turbulento... Será que agora me acerto?
Aproveito para antes, em outubro, dar meu quarto pulo na Finlândia. Quero cruzar para a Noruega, lá em cima, pela Lapônia. E também devo passar alguns dias na Rússia, só no turismo, e na Estônia. Espero voltar da viagem chegando a 22 países na minha contagem total (por enquanto, são 19).
Volto 09 de novembro e já parto para Minas, Festival Literário de Cataguases, onde terei uma mesa novamente com a querida Ana Paula Maia, dia 12.
E por enquanto é só.
No dia-a-dia, continuam as traduções. Estou malhando também um livro juvenil para a Record – o “Garotos Malditos” – que recebeu ano passado o patrocínio do Prêmio Petrobrás Cultural. Se tudo der certo, termino agora em agosto, para ser publicado no começo do próximo ano.
Depois disso, descansar. Quero dar um bom tempo até publicar um próximo romance. Já publiquei coisas demais, o povo não lê mesmo e vai ficando aquela sensação de “mais um.” Mas já tenho ideias fermentando... Parar de escrever eu nunca paro.
A vida pessoal anda bem restrita e sem graça. Não se pode ganhar todas. A verdade é que ainda não me acertei de volta em São Paulo, e não acho mais a menor graça aqui. Mas é o que temos para hoje. E não faria mais sentido aquela vida de praia (no inverno) em Santa Catarina.
Outro dia, num barzinho no baixo augusta, recebi um bilhete querido de um leitor, num guardanapo:"Que bom te ver por aqui. É só ler seus livros para se apaixonar."
E eu tive de mandar a resposta: "Bom porra nenhuma! Se gostasse mesmo de mim iria querer me ver na Rússia, não no baixo augusta!"
Pois bem, em breve chegarei lá.
27/07/2011
Guilherme Weber e Natália Lage, no Sesc Belenzinho.
Vai até o próximo final de semana a mostra da Sutil Companhia de Teatro, no Sesc Belenzinho. Assisti lá, final de semana passado, a peça inédita, "Trilhas Sonoras de Amor Perdidas."
São memórias nick-hornbyanas de um relacionamento amoroso, à partir das músicas que um casal escutava, discutia, gravava um para o outro...
Me deu saudades de tantas fitas que gravei na adolescência, até o começo da vida adulta. Saudades só por saudosismo mesmo, haha, porque na verdade gravar fita era uma merda, era apenas a única opção da época.
Primeiro que tinha aquela coisa de ter de calcular bem o tempo; ou ficava sobrando espaço em branco nos lados ou uma música era cortada no meio (o que me dava um ódio tremendo).
Depois que tinha toda a falta de praticidade da fita mesmo, difícil localizar uma faixa específica e tal. Isso sem falar no som, que não era lá essas coisas, principalmente quando era uma fita já usada, que ainda deixava sobras das músicas antigas por baixo, numa mixagem do capeta.
Falando em mixagem, essa era uma das coisas divertidas que eu fazia. Usando duas entradas, alguns cabos e um pouco de imaginação, eu fazia umas interferências bizarras, tipo colocar o Walter Mercado falando na introdução de uma música do Roxy Music, o Jordy no meio do Sex Gang Children, além da voz dos meus próprios amigos nas mensagens que deixavam na minha secretária eletrônica. Era divertido.
Mas ainda prefiro o CD-R.
E ainda prefiro as playlists.
Faço horrores de playlists agora no Ipod - para comer, para dormir, para fazer sexo, tomar banho, malhar e cozinhar. É quase o mesmo prazer de gravar uma fitinha, e muito mais prático. Só é chato que não dá para gravar para ninguém. E, hoje em dia, se você grava um CD-R para uma pessoa, ela mete no Ipod, tira as faixas da ordem e suas músicas caem no limbo do shuffle.
Meu shuffle tem um gosto terrível.
Essa nostalgia das fitas gravadas aparece também num dos contos de PORNOFANTASMA, "Marshmallow Queimado."
Foi o último conto que escrevi para o livro. Na verdade, eu tinha algumas histórias que escrevi durante a adolescência, e queria encaixar de alguma forma no livro. Criei então uma moldura em comum para elas, com adolescentes assando marshmallows numa fogueira, e coloquei as histórias nas bocas dos personagens. Foi uma forma bacana para discutir um pouco o processo de criação de histórias em si, e trabalhar os diálogos - que foi uma coisa que fiz bastante em PORNOFANTASMA.
As histórias também carregam o tema básico do livro, com a adolescência e o despertar da sexualidade levando a degradação e morte.
E têm a trilha sonora de fitinhas, com as bandas mais importantes da minha juventude...
Mas sobre isso eu já falei bem, no post abaixo...
Então aproveitem a mostra da Sutil Companhia, que ai até dia 31/07 e também traz "Não Sobre o Amor."
24/07/2011
Chegaram esta semana as edições especiais dos 5 álbuns do Suede - a melhor banda de todos os tempos - com dois CDs cada, mais um DVD - 15 discos por 50 libras (incluindo o frete), na Amazon.co.uk. Bem razoável, cada CD triplo sai por 30 reais!
O single de "Beautiful Ones," recheados de b-sides fodásticos.
Não tenho ouvido outra coisa. Aliás, não tenho ouvido outra coisa desde 1994, quando fiquei fã mesmo da banda, mas esta semana foi mais intenso.
Brett Anderson e Bernard Butler, vocalista e guitarrista da minha vida.
Para quem chegou no mundo agora (e a Marion bem me lembrou no Facebook, grande parte do povo de lá estava nascendo quando Suede estava no auge), Suede é uma banda inglesa que começou a fazer sucesso em 1992, como a precursora do Britpop. Era a época do grunge (de que eu nunca gostei), um estilo eminentemente americano. O Britpop trouxe às paradas a influência do pop-rock clássico britânico (Beatles, David Bowie, Smiths), sotaque pesado nos vocais e letras que narravam crônicas do cotidiano inglês. As bandas mais bem sucedidas desse estilo foram Blur, Oasis e Radiohead (apesar de na época haver uma explosão de outras: Pulp, Supergrass, Marion, Mansun, Menswear, Salad)
Suede foi a primeira dessas a fazer um enorme sucesso (que ficou praticamente restrito à Inglaterra), mas a saída do guitarrista original, mudanças de estilo e os vícios do vocalista em drogas foi diminuindo a popularidade da banda, até ela terminar em 2003. Ano passado eles voltaram, para uma série de shows de "grandes sucessos", mas ainda não lançaram nada novo. E agora relançam os CDs originais com uma porrada de bônus.
O single favorito. Grande candidata à minha "música favorita de todos os tempos."
Eu conheci Suede no colegial (ok, ensino médio), logo que voltei de uma temporada na Inglaterra (de lá eu trouxe mesmo uma porrada de CDs do Blondie e do Eurythmics, que são bandas de que gosto há mais tempo). O visual andrógino do vocalista Brett Anderson, as letras de sexo ambíguo e drogas e aquelas guitarras rasgadas me causavam certo fascínio e repulsa. Quando comecei a namorar uma menina da escola, fã de Suede, virou de vez a banda da minha adolescência, e depois da minha vida.
E com certeza o homem mais bonito de todos os tempos.
Tenho quase tudo deles, quase todos os singles originais, vários álbuns piratas, camisetas... Cheguei a ver dois shows da banda, em Londres, em 2002. A banda já não era mais a mesma coisa, tanto no som quanto na popularidade, mas foi maravilhoso de qualquer forma. E consegui até conhecer a banda, conversar com Brett Anderson, o baterista Simon Gilbert e, em outro show, com o guitarrista original, Bernard Butler, meu guitarrista favorito.
A formação mais pop e mais bonitinha da banda, em 96.
Então aproveito a febre (pessoal) do momento e coloco aqui os 5 CDs, comentando essas novas edições.
"The Drowners", o primeiro single (de 1992).
SUEDE (1993):
O álbum de estréia, que me fez apaixonar pela banda. A faixa de abertura - "So Young" - é até hoje minha favorita, com Brett gritando "She can... start... to walk out... when she wants" (traduzido por: "ela pode parar quando quiser"; referência às drogas). As letras narram paixões violentas, relações homossexuais, carregadas de tóxicos. Tudo o que um moleque perdido, como eu era, queria na vida. E as guitarras miadas de Bernard Butler são as melhores da história.
As faixas extras: essa nova edição traz todos os B-sides, incluindo os que não estavam na coletânea "Sci-fi lullabies" ("Dolly" e Painted People", que não são grande coisa). A maior parte é absurda de boa - "My Insatiable One", "To the Birds", "He's Dead" (mas eu já tinha todas mesmo). Brett diz na entrevista que eles tinham essa preocupação de colocar b-sides fenomenais (e exclusivos) nos singles, o que era uma maneira afinal dos fãs comprarem, já que o "lado A" eles já teriam nos álbuns. Hoje ele contesta se algumas não deveriam estar nos álbuns (e no encarte de cada um dos 5 cds ele dá novas opções de tracklist).
Além dos b-sides, o disco traz várias demos (de "Metal Mickey", "Drowners", "To the Birds") e duas faixas inéditas. Uma delas é um instrumental que parece uma versão embrionária de "Wild Ones" (misturada com "Pantomime Horse") e outra que não é nada demais. Tem também "Just a Girl" com Justine (do Elastica, integrante da formação embrionária do Suede), música que já tinha sido lançada, mas que não é nada demais. Enfim, o álbum original e os b-sides já são mais do que motivo para comprar o disco.
O DVD:
Além de todos os clipes, o DVD desse disco traz "Love and Poison" um show dessa primeira turnê, que já tinha sido lançado em VHS (e passou na MTV Brasil) e que é um absurdo de bom, com a banda na sua melhor forma eufórica. Tem também o vídeo do Brit Awards que eu postei lá em cima (que musicalmente é meio trash até, mas vale pela performance) e mais um show inteiro captado de forma amadora com uma câmera na mão. Vale para os fãs (e por ter Brett peladinho, hehe). Ainda tem uma entrevista com Brett e Bernard, gravada este ano, falando sobre a gravação do álbum.
Enfim, fodástico.
DOG MAN STAR (1994):
É o álbum mais sombrio e difícil da banda, feito durante a saída do guitarrista e compositor Bernard Butler (que deixou várias faixas inacabadas). É recheado de baladas lindas, mas bem kitsches, com orquestras e vocais em falsete. Uma obra prima.
Os extras: além de todos os b-sides, do single de "Stay Together" e de demos de músicas como "The Power", "Heroine" e "Introducing the band" (que está uma zona), traz algumas músicas inéditas inacabadas e esquecíveis e versões extendidas de "The Asphalt World" e "Wild Ones", que na verdade são inferiores às versões oficiais.
O DVD: estranhamente, não traz os clipes, só os filmes feitos para serem projetados durante a turnê, que não têm a participação da banda, então são meio frustrantes. Tem ainda dois shows, gravados de forma amadora, mas que valem pelo registro do Bernard tocando faixas do "Dog Man Star."
Dog Man Star é possivelmente o melhor álbum do Suede, e essa reedição não tem grandes complementos, mas não faz feio.
COMING UP (1996) :O álbum mais pop da banda, que teve 5 singles de sucesso. É inteirinho bom, de um jeito pop-chiclete. E esse foi um que já acompanhei ansiosamente o lançamento, comprei antes os singles e tudo mais.
Os extras: Essa reedição tem simplesmente 19 b-sides (aguns editados para caberem no disco, como "Asda Town", "WSD" e "Feel"), a maioria muito, muito boa ("Young Men", "Europe is Our Playground", "Money"). Traz também uma faixa inédita, "Motown", mas numa versão de ensaio, fraquinha, e demos bem mal-gravadas. Vale só para o fãs.
O DVD: Traz os clipes, um show da época em gravação profissional, com a participação de Neil Tenant, do Pet Shop Boys, que canta em duas músicas (inclusive uma excelente versão de "Rent") e um show de Paris, em gravação amadora, mas que foi a primeira apresentação do guitarrista Richard Oakes. E ainda uma entrevista. Puta registro.
Resumindo, o CD é ótimo, mas sem grandes extras além dos b-sides (que eu, obviamente, já tinha). O DVD é bem bacana.
HEAD MUSIC (1999):
É o álbum "eletrônico" da banda, e quando eles começaram a perder público. Brett estava bem chapado na época, faz letras bagaceiras e algumas músicas não precisariam estar no disco. Mas ainda é legal.
Os extras: Tem demos (meio indiferentes) e todos os b-sides. São sem dúvida os piores b-sides de toda a carreira do Suede, uma coisa punk eletrônica tola. Mas há ainda uma música inédita, "Music Like Sex", que é bacaninha.
O DVD: Traz os clipes, um making of e entrevista da gravação do disco e um show (que eu já tinha quase inteiro numa edição especial dupla do "Head Music", para você ver como sou fã).
No geral, vale porque os b-sides só estavam mesmo nos singles originais, mas é certamente a pior reedição dos 5 álbuns.
A NEW MORNING (2002):
É o álbum mais conturbado, menos inspirado e de menor sucesso do Suede, que contribuiu para acabar com a banda. Brett tinha saído das drogas, estava loiro, bronzeado e cantando sobre "Positividade", então compos algumas merdas. Mas eu também esperei ansiosamente, estava morando na Inglaterra na época do lançamento, vi dois shows da turnê (um deles, inclusive, com orquestra, que merecia ter sido registrado) e foi um álbum importante para mim. Reconheço que, como álbum, é o pior de todos, mas ainda tem algumas das minhas faixas favoritas: "Lost in TV" e "Untitled."
Os extras: São os melhores dos 5 discos relançados, sério. Além de versões demos realmente boas (a de "Untitled" talvez seja melhor do que a oficial) tem ótimos b-sides (eles estavam se esforçando para não acabar) como "Golden Gun", "Simon", "Instant Sunshine" e "Cheap". Tem ainda uma música inédita que é ótima, bem gravada e parece um b-side da época "Coming Up" - "Refugees" (nada a ver com o "Refugees" que Brett Anderson gravou com o The Tears).
O DVD: também é ótimo. Tem um show acústico curtinho (09 músicas) gravado profissionalmente, com Brett lindinho, charmoso, simpático; outro show acústico ainda mais curto (05 músicas) também bacana; os clipes todos e uma entrevista.
Eu diria que "A New Morning" é o álbum com os melhores extras desses relançamentos.
Para concluir, por 30 reais cada álbum, valeu MUITO a pena ter comprado as novas edições. É para fãs mesmo, mas quem não é tão fã, pode comprar só pelo material original, que é melhor obviamente do que qualquer extra que eles colocaram lá.
Para os meus leitores, eu teria de dizer que nenhuma banda é mais próxima do que tento fazer em literatura - a violência romântica, a sexualidade ambígua, androginia, a carga kitsch. Afinal, é a influência mais pesada que tive em minha vida.
E quem quiser procurar... Dou então as minhas dez faixas favoritas, que sempre mudam, mas nem tanto, o mais difícil é colocar só dez.
SUEDE TOP 10
So Young
New Generation
The Asphalt World
Yes! Este sou eu (no meio, claro) com Bernard Butler e David McAlmont, em 2002, quando eu morava em Londres.
20/07/2011
No meu aniversário de catorze anos, ganhei um buquê de lírios. Achei lindo. Primeira vez que eu ganhava flores. Presente do meu primo Paulo – primeira vez também que ele comprava um presente com o próprio dinheiro. Mas minha mãe disse que eram flores fúnebres, flores de enterro. Não me importei. Aos catorze anos a ideia de morte me era tão abstrata quanto a fotossíntese, e certamente quando eu morresse não faria diferença para mim quais flores estariam sobre meu caixão. Os lírios mereciam minha gratidão. Coloquei-os num vaso antigo que nunca servira para nada, e dentro do meu quarto, sob a janela, ao lado da minha cama.
De noite, minha mãe veio colocá-los para fora.
“Durante a noite, as plantas respiram; não é saudável dormir com uma planta ao lado da cama. Ela acaba lhe roubando o ar, empestando o ambiente com esse perfume, sufocando-a; vou colocar o vaso no jardim.”
Mas o jardim não precisava dos meus lírios. Estava vivo. Com plantas enraizadas, árvores e rosas de todas as cores. Não é esse o charme de ganhar um buquê? Levar para dentro de casa um pouco da vida e da natureza que há lá fora? Colocar um vaso no jardim, para mim, era como levar sanduíches a uma festa. (Trecho do meu "Trepadeira" @ PORNOFANTASMA)
Os Desastres de Sofia, da Condessa de Ségur, é um dos livros da minha infância. Narra as peraltices de uma menina loirinha, a Sofia, que vive como filha única numa mansão cheia de pagens, empregados, e que toca o puteiro roubando chocolates da mãe, comendo o pão dos cavalos, derretendo a boneca de cera no sol e assassinando peixinhos dourados. Tem o bondoso primo Paulo, que sempre tenta assumir a culpa para livrá-la, e uma mãe meio carrasca, que vira e mexe lhe dá uns cascudos e uns castigos, junto a uma lição de moral:
"Não sabe o que quer dizer seu sonho, Sofia? É que o bom Deus a previne de que, se continuar a fazer maldades, só terá aborrecimento, em vez de alegrias. Aquele jardim enganador é o inferno. O jardim do bem é o paraíso. Pra chegarmos ao paraíso temos de andar por um caminho difícil, privando-nos de coisas de que gostamos, mas que são proibidas. Mas acontece que agente acaba acostumando a ser obediente, meiga e bondosa e não se sofre mais quando não se faz o que se quer." (de "As Frutas Cristalizadas" @ Os Desastres de Sofia)
Eu já li com uma visão bem irônica, na verdade, já peguei com uns dez anos de idade, herdei da minha mãe, e o livro é excessivamente burguês e moralista. Mas a linguagem e os valores da época (meados do século XIX) deixaram o texto mais delicioso para mim.
Então, quando estava elaborando os contos de PORNOFANTASMA, pensei numa versão adolescente-perversa de Sofia. Esse discurso moralista colocado na boca de uma primazinha crente do mal; o primo Paulo já como um adolescente bagaceiro. Eu tinha muitos contos do despertar da sexualidade masculina, queria um conto mais feminino, com a sexualidade perversa que faz parte de todo o livro.
"O toque do Diabo é um sinal de Deus, Sofia. Ele existe para não nos desviarmos do caminho, para sabermos quando estamos sendo desviados. Se você pega o caminho errado, Ele está lá, tocando você, fazendo-a sentir na pele, para que possa voltar a tempo ao caminho de Deus. Acha que o Diabo não queria ter apenas palavras macias e carícias para te seduzir? Mas
Deus lhe deu dedos de taturana, língua de água-viva...” ("Trepadeira" @ PORNOFANTASMA)
O clima onírico do conto foi intensificado por meus próprios pesadelos - especialmente um que eu tive depois de uma noite pé na jaca em que assisti ao genial curta "Bugcrush" que trata, vejam só, do despertar da (homo) sexualidade (masculina) e de taturanas alucinógenas. Tem também as águas-vivas de Florianópolis e do livro A Garota dos Pés de Vidro, do inglês Ali Shaw, um dos meus favoritos entre os que traduzi.
A inconsciência veio como águas-vivas. Cercavam meu barco. Fui mergulhando no sono com elas por todo lado, medusas, gelatinando meus sonhos. Começava a ficar arriscado me deixar levar. E se o barco virasse? Me queimaria naquele sagu abissal. Eu permanecia no barco de olhos abertos, não querendo dormir, olhando o céu que também ia se nublando, nublando... Minha prima estava no barco comigo. Estava deitada, já dormindo. Sua respiração profunda ia arrastando as nuvens para perto do barco, sugando partículas líquidas de um mar de águas-vivas... O céu ia se carregando de umidade, nuvens densas, mas que não despencavam. Elas iam se acumulando, nos envolvendo, e o ar ficava cada vez mais pesado, as nuvens cada vez mais baixas, flutuávamos numa neblina espessa, um oceano de orvalho; em certo ponto ficava difícil dizer se as águas-vivas estavam acima ou abaixo de nós. A umidade grudava em mim como suor, escorria pelas minhas pernas. Eu queria gritar à minha prima para parar de respirar, que estava atraindo as nuvens e eu iria sufocar, mas eu não tinha nem fôlego para vencer aquele ar denso com palavras... ("Trepadeira")
Meus pesadelos têm sido cada vez mais produtivos. Vários dos contos do PORNOFANTASMA vieram assim - alguns inteiros (como o do dragão), outros apenas a premissa, e outros uma ou outra cena (como um sonho do protagonista de "Max e os Felinos", que foi um sonho que eu tive.). Tá eu sei que é bem clichê dizer isso, muitos escritores (especialmente de terror) se inspiram por seus pesadelos, mas é verdade, ué.
Final de semana passado eu passei na Esbórnia, quando devia estar escrevendo. Mas enquanto fritava na cama, meio dormindo, meio acordado, acabei tendo um argumento perfeito para um conto longo. Agora vem a parte a racional e a disciplina; estou mergulhando numa pesquisinha e escrevendo....
"Os Desastres de Sofia" também é o nome de um conto da Clarice Lispector, sim, também a inspirou, mas que eu nunca li. Vira e mexe me comparam com Clarice - e eu deveria me sentir honrado - mas é como comparam qualquer mulher que escreve com Clarice, haha.
Na verdade, não sou muito fã de Clarice, não. Acho que ela tem grandes obras, é claro, é uma grande escritora, mas aquele sentimentalismo minimalista não é muito minha praia... E para mim, um dos melhores exemplos de que nenhum escritor é infalível, e de que Clarice está longe de ser invencível, é um continho que achei há anos em "Os Melhores Contos de Clarice Lispector" (da Global), que dá para reproduzir inteiro aqui:
ANIVERSÁRIO
- Amanhã faço dez anos. Vou aproveitar bem este meu último dia de nove anos.
Pausa, tristeza:
- Mamãe, minha alma não tem dez anos.
- Quanto tem?
- Só uns oito.
- Não faz mal, é assim mesmo.
- Mas eu acho que se devia contar os anos pela alma. A gente dizia: aquele cara morreu com vinte anos de alma. E o cara tinha morido mas era com setenta anos de corpo.
(Puta merda... Sorte nossa que Clarice não tinha blog...)
17/07/2011
Cuidado! Este não é um filme pra você... Na verdade, nem este post.
Madrugada dessas, meu irmãozinho Nicolas me falou sobre "A Serbian Film", um filme sérvio, obviamente, que está sendo considerado "o mais chocante de todos os tempos." "Li uma sinopse com spoilers e não tive coragem de assistir o filme," me disse Nicolas. Foi praticamente um desafio que me obrigou a ver o filme na mesma noite.
E sim, "A Serbian Film" é sem dúvida um dos filmes mais chocantes de todos os tempos.
Um ator pornô aposentado é convidado a fazer um último filme. A grana é boa, mas ele não sabe exatamente do que se trata. "É um filme pornô, para que te interessa o enredo?" pergunta o diretor (que é a cara do Zé do Caixão quando jovem). Contrato assinado, o ator passa por gravações cada vez mais estranhas, que vão se intensificando conforme ele é drogado com um estimulante para touros.
Se você quer mesmo saber, o filme envolve necrofilia, incesto, estupro de um bebê recém-nascido, tortura e assassinato. Coisa leve.
"A Serbian Film", parece querer extrapolar todos os tabus e limites, mas aparentemente com um bom pretexto. É uma alegoria da situação da Sérvia massacrada pela guerra. Isso é colocado textualmente em diversos momentos do filme. É bem dirigido, bem atuado, o que deixa a coisa mais maligna por um lado, mas menos perversa por outro. Uma crítica que li dizia que o filme era "profissional demais", que sua competência técnica afastava o espectador da ideia de que aquilo poderia ser real. Concordo, se o filme fosse um pouco mais tosco, diminuiria a distância entre ele e um suposto snuff real. Fica muito claro toda a mensagem por trás, como uma desculpa para o sadismo. Além disso, o filme não é graficamente explícito não, nem poderia, com todas as cenas com crianças...
Assim, como eu assisti o filme já esperando a coisa mais chocante da minha vida, terminei de ver dizendo para mim mesmo: "Ah, não é tão pesado assim." Mas até que é. O filme tem uma carga muito, muito pesada, o clima de pesadelo surreal que os bons filmes de terror devem ter, e eu mesmo fui dormir e tive pesadelos com o filme.
Não assistiria de novo.
Mas sinceramente, acho importante existir filmes assim. Bem ou mal, é importante que ainda existam filmes que balancem com os tabus e tirem o espectador da zona de conforto.
Depois disso, resolvi rever meu ranking dos "Filmes mais pesados de todos os tempos." Coloco aqui em ordem descrecente. O campião de shock value para mim continua sendo Saló, do Pasolini.
OS DEZ FILMES MAIS PESADOS DE TODOS OS TEMPOS
Saló - Pier Paolo Pasolini: Alegoria da Itália Fascista, o último filme de Pasolini, baseado no livro do Marquê de Sade, retrata um grupo de adolescentes que são sequestrados, levados para uma mansão e torturados de maneira ritualística de todas as formas possíveis, em efeitos gráficos explícitos. Vi uma vez no cinema, e nunca mais.
Irreversível - Gaspar Nóe: Uma história de estupro e vingança contada de trás para frente, de maneira vertiginosa e escabrosa. Me provocou profundo mal estar.
Audition - Takashi Miike: Esse é um que consegui ver várias vezes, cheguei até a legendar numa mostra no CCBB. É um puta filme. Mais incrível por ser uma comédia romântica durante mais de uma hora e depois se transformar totalmente, com várias cenas sendo revistas e reposicionadas. Não vou contar muito aqui, para não estragar, mas é uma obra prima.
Anticristo - Lars Von Trier: Amei esse filme, mas acho que não veria de novo não. O filme de terror do Lars Von Trier é bizarríssimo, tem um clima absurdo e cenas gráficas de fazer você se contorcer na cadeira.
A Serbian Film - Srdjan Spasojevic: Acho que colocaria aqui, em quinto lugar no ranking dos mais pesados.
Cannibal Holocaust - Ruggero Deodato: Esse tem um lado tosco forte, mas é mais pesado (e menos desculpável) por conter cenas reais de tortura e morte de animais. Me arrependi de ter comprado o DVD.
Funny Games (1997) - Michael Haneke: Psicologicamente pesadíssimo, vai num crescendo muito bem estruturado. Chegou a ser refilmado por ele recentemente, com elenco americano, mas meio sem sentido. Essa versão original, austríaca, de 97 é mais chocante por ter um elenco desconhecido, um clima menos profissional, aproximando o espectador do terror da coisa.
Requiem para um Sonho -Darren Aronofsky: Vi no cinema e entrei totalmente naquela viagem das drogas. Me fez muito mal. Mas é um grande filme.
Imprint - Takashi Miike: Telefilme feito para a série de TV "Masters of Horror", em que cada episódio era dirigido por um grande nome do cinema de terror. Takashi Miike pesou a mão e fez um pesadelo passado numa ilha-prostíbulo, com cenas gráficas de tortura arrepiantes. Mas a vontade de chocar é muito escancarada, e o filme não é lá essas coisas.
Hannibal -Ridley Scott: Graficamente é bem, bem mais pesado do que "O Silêncio dos Inocentes." Tem cenas mega tenebrosas, como o policial que frita e come o próprio cérebro, e Gary Oldman cortando o próprio rosto e dando para os cachorros comerem. Fora isso, acho um bom filme de suspense.
14/07/2011
Lançamento neste domingo, Vila da Lorena.
Dizem que sentimentos guardados por muito tempo podem gerar doenças. Mas quem sabe também não podem gerar grande literatura? Os monstros guardados de Rafael Primot são isso, doença da pior estirpe, literatura da melhor espécie. Em onze contos que se dividem e se completam, parecemos ver diferentes máscaras de um mesmo autor, de um mesmo ator, de um mesmo monstro que se esconde em personagens cotidianos, e se revela em perversões comuns a todos nós. Podem ser velhos, crianças, pedófilos e operadores de telemarketing. Vivem perversões sexuais, sociais e gastronômicas. Na justiceira de “Benfazeja”, no misofóbico corneado de “Pequenos Viventes” ou no masoquista de “Flor Azul-Marinho”, encontramos aquele monstro tão identificável, que vive sempre por perto, mas que tentamos sufocar em nós mesmos. O Livro dos Monstros Guardados foi originalmente escrito e montado para o teatro, trazendo o Prêmio Shell a seu autor. Agora Primot faz sua estreia em livro, com páginas que ficarão guardadas como ferro em brasa em nossa memória.
Orelha que assino para o livro de estreia do Rafael Primot. Já diz tudo. Na verdade, eu queria aproveitar este post, o lançamento dele, para colocar aqui outros novos autores da "Geração Dez" que merecem ser lidos, mas a verdade é que... não tenho gostado de muita coisa não. Eu leio, leio sim, estou com uma pilha aqui e li vários novos autores nos últimos tempos, talvez até já tenha lido o SEU livro (talvez não...) mas não tenha gostado...
Eu costumava ser mais sincero. Ou talvez um crítico mais construtivo. Costumava escrever ao autor que me mandava o livro, dando minhas impressões reais, mesmo quando eu não gostava. Não dava certo. Geralmente quem manda o livro quer apenas ouvir elogios. Eu entendo. Eu também não sou muito bom de aceitar críticas, tenho esse defeito.... mas é que meus livros são realmente bons!
Até já perdi amigos por isso, por ser construtivo. Pior ainda é quando o autor não é meu amigo, nem meu leitor. Vem com aquilo: "Quem essa bicha pensa que é para criticar meu livro?" Bom, se não queria saber minha impressão real, se não me admira como autor, por que me mandou seu livro? Porque quer é que eu indique para minha editora, para eventos, trabalhos, para o Marcelino, que eu coloque no blog...
Coloco: seu livro é uma merda.
Mas não estou falando do SEU livro não...
Ou talvez esteja...
Enfim...
Agora não dou mais minha opinião, só quando eu gosto. Não sou pago para isso. E já sou pago para ler muita coisa ruim, em inglês, avaliar para editoras, muito livro tosco de vampiro, muito escritorzinho americano cria desses cursos de "creative writing", aqueles autorzinhos eficientes, com as fórmulas certinhas, mas nada de novo a dizer. Então quando encontro um grande autor, me sinto grato, e faço questão de dizer.
Conversei mais ou menos sobre isso com o Michael Sledge, autor americano de "A Arte de Perder", romance sobre o relacionamento de Elizabeth Bishop com a brasileira Lota, publicado no Brasil pela Leya, com tradução da minha mãe, Elisa Nazarian.
Fiquei de intérprete do Sledge durante um dia por São Paulo. Comentei como o livro dele estava indo bem no Brasil. Ele: "Verdade? Por que você acha isso?" E eu mencionei as dezenas de matérias e entrevistas que saíram. "Mas não dá para saber realmente o que os críticos acharam; eles falam sobre o livro, a história, mas não há uma opinião," apontou ele. Puta merda, é exatamente o que eu tenho reparado sobre meus próprios livros, saem matérias, saem entrevistas, mas você mal consegue tirar aspas com uma opinião. O cara vem dos EUA, passa uma semana no Brasil e repara isso de cara. Então só pude repetir a ele a verdade que já se tornou um clichê: não existe mais crítica literária no Brasil.
Será que ninguém mais é pago para isso?
Michael Sledge esteve na FLIP, numa mesa com Andres Neuman, que foi meu companheiro de Bogotá 39, palestra lotada. Todo mundo vai pra FLIP ver esses autores, não é? Todo mundo gosta de acompanhar o que está acontecendo na literatura, né? Então por que será que Sledge dá uma palestra dias depois, aqui em São Paulo, de graça, na Livraria da Vila, e tem meia dúzia de gatos pingados?
Eu, minha mãe e Michael Sledge, ontem na Vila.
É o que eu sempre digo: há eventos de literatura o ano todo, com os mesmos autores da FLIP, inclusive os estrangeiros, e ninguém vai.
Então deixa de ser pau no cu e vai no lançamento/leitura do Rafael Primot no domingo.
13/07/2011
Minha missão como escritor neste mundo está cumprida, coloquei na Rede Minas, num só programa, Suede, Eurythmics, Rufus Wainwright e horrores de Scott Walker. hehe
11/07/2011
Mattoso, Cuenca e eu, em páginas do passado (JB).
Poetas, escritores, artistas. Eles vêm aos milhares, eles se trancam como você. Eles trancam a mim, suas esposas, seus amores, num quarto abafado. E quem somos nós para nos queixar, Paulo Roberto, quem sou eu? O que você espera de mim neste quarto de hotel? (do meu "A Mulher Barbada")
Acabou mais uma Flip. Escapei de mais uma. E mais uma vez ouvi um batalhão de gente me perguntando se eu não ia, eu mesmo me perguntando se não deveria. Mas minha Flip já foi...
Em 2003, meses depois de ter lançado meu primeiro livro (Olívio) por uma editora pequena (Talento) eu estava na primeira Flip, na primeira mesa, como um dos autores convidados. Já contei isso aqui, a Editora Planeta estava entrando no Brasil, queria participar da Flip e, ainda sem medalhões, resolveu investir em três autores praticamente desconhecidos: Chico Mattoso, João Paulo Cuenca e Santiago Nazarian.
Eu caí lá por indicação da crítica Beatriz Resende, que havia sido juri do prêmio que me revelou (o Fundação Conrado Wessel) e era amiga do então editor Paulo Roberto Pires. Eu não conhecia ninguém, ninguém do meio literário - era nessa época inclusive que eu escrevia textos de disk-sexo. Mandei meu livro de estreia para o Paulo, uma semana depois tinha um email oferecendo um contrato com a Planeta. Essas coisas ainda acontecem hoje em dia?
Aconteciam em 2003, quando estava havendo aquele boom de novos autores. A Planeta, na época, foi uma das editoras que mais investiram nisso, e além de mim e do Cuenca, também publicou livros do Joca Terron, Clarah Averbuck, Claudia Tajes e Alexandre Plosk, entre outros. (A atuação do Paulo Roberto Pires inclusive foi destacada no caderno Ilustríssima, da Folha, de ontem.)
Para aquela primeira Flip, a ideia da Planeta foi mandar nós três alguns meses antes para Parati, para que cada um escrevesse um conto longo passado lá, formando assim um livro a ser lançado no evento, que recebeu (da editora) o infame título de Parati Para Mim.
Parati Para Mim (Editora Planeta, 2003)
Jogada de marketing, sim, mas e daí? São três belos contos, e ninguém pode dizer que os três autores ficaram só nisso. Inclusive, creio eu, foi daí que veio a semente para o projeto Amores Expressos.
Mas nem tudo foi amor e sucesso...
Na verdade, a temporada em Parati, em si foi um pouco conturbada para mim. Aquela cidade tem uma energia muito negativa - ahaha - é verdade, alguma coisa me incomoda naquela cidade. E eu não poderia dizer que sofri bullying literário (para usar uma expressão do Ronaldo Bressane) dos outros dois autores, mas era mais como se os dois me chamassem para jogar bola e eu fosse o CDF que ficava trancado no quarto estudando; não me entrosei muito com eles, não me entrosei com a cidade, estava caindo de paraquedas no mercado literário e ansioso para voltar para a Loca! Mas isso transpareceu poeticamente no texto; terminei antes do prazo e pedi para ir embora.
Meu "A Mulher Barbada" retrata uma mulher que vai à Parati com o marido (que não por acaso recebeu o nome do meu editor da época, que não ficou com a gente em Parati) e sofre de "um mal de século genérico". É uma mulher bem pentelha, na verdade, um pé no saco. Eu basicamente canalizei a Lorena de A Morte Sem Nome, num novo contexto, com um tom mais frágil, e fiz minha Luziânia.
Eu não sou escritora, Paulo Roberto, sou apenas mulher. Sou o bastante e estou viva, finalmente, posso contar minha história. Posso vivê-la intensamente, em páginas amassadas, em papel de pão. Posso deixar a barba crescer sobre o meu rosto e o peso do corpo envergar minhas costas. Minha cama. E enquanto eu tiver esses dedos, enquanto eu tiver vontades, você vai ter de me ouvir.
O livro foi lançado na primeira Flip, tivemos nossa mesa e foi uma repercussão incrível. De repente estávamos passeando de escuna com Hobsbawm, almoçando na casa de Liz Calder e dando entrevistas para o Jornal Nacional (para Edney Silvestre, que hoje é um dos destaques desta Flip).
Eu achei que a vida literária seria sempre assim...
Com Liz Calder, idealizadora da Flip e uma das fundadoras da Bloomsbury.
Apesar disso, nunca mais voltei a Flip. Não queria destruir aquela impressão da primeira, de quando fui como convidado; e a hospedagem é sempre tão cara, tudo sempre tão cheio, nunca me motivei tanto pelos autores de lá... Então deixei para um dia, quem sabe, que eu seja convidado de novo....
Minha cisma com a cidade também permaneceu. Ano passado voltei a Parati, em janeiro, a convite do Marcelino Freire. E a cisma permaneceu. Definitivamente tem algo naquela cidade que me incomoda. Não posso negar: não gosto de Parati.
Já o meu conto... continua aí. Foi muito bem recebido na época, foi um conto importante na minha trajetória de escritor e ainda tinha algo de fantástico, de fantasma, uma sexualidade indefinida...
Isso, a Planeta gentilmente me cedeu os direitos e ele se reencaixou bem no meu PORNOFANTASMA.
Na publicação original, ele era dedicado à Adriana Calcanhotto, que me inspirou o título e que abriria a primeira Flip cantando. Nunca soube se ela leu ou gostou. Então quando republiquei no PORNOFANTASMA, dediquei o conto a quem realmente merecia, Paulo Roberto Pires, meu antigo editor.
É o conto mais antigo do livro, e devo confessar que não consigo lê-lo direito. Me incomoda ler qualquer livro anterior meu, na verdade, observo mais as imperfeições do que as virtudes. Mas quem sou eu para julgar? Eu não posso julgar. Assim, achei que o conto merecia estar lá. Fora que eu queria mais um conto feminino para o livro.
Você sabe o que é ser mulher? Eu sei, você tem a sua. Mas eu tenho milhares, todos os meses, todos os dias. Derramada no vaso, na cama, na rua. Pulsando, palpitando, reagindo, rejeitando tudo o que poderia chamar de masculino. É assim, o que não cresce sobre mim. O que eu não deixo embrutecer me faz mais mulher.
(Pronto! Mais um post merchandising para você comprar PORNOFANTASMA)
08/07/2011
Saiu no final de semana passado uma matéria de página do PORNOFANTASMA, com uma crítica bacana e entrevista, no Correio Braziliense, assinada por Ricardo Dahen. Reproduzo a entrevista aqui:
- Você parte da premissa de que teus personagens precisem encarar
transformações? Qual a importância desse caráter, no que você escreve?
Bem, não sei se essa não é a estrutura básica da formação do personagem, sabe? Apresentar o personagem num determinado contexto, para então oferecer uma mudança. Essa é a premissa básica da narrativa em geral. E qual é a graça da história de um personagem que não passa por mudanças? Em Feriado de Mim Mesmo coloquei um personagem lutando contra essa mudanças; em Olívio era um personagem que precisava passar por mudanças para manter o que ele já tinha. Em Pornofantasma acho que há mais o conflito na aceitação de mudanças já ocorridas do que esse processo em si. É o adolescente tendo de encarar sua sexualidade, o homem formado tendo de aceitar que já não é mais um menino... Eu mesmo vivo sempre esse conflito; aceito a transformação como necessária numa narrativa de vida, mas sei o quanto é dolorosa, por isso tento tomar as rédeas dela, nas minhas mudanças de cidade, na condução dos relacionamentos...
- Quais são os mandamentos para a manutenção de sua originalidade? Há
um vampirismo (assumido) em relação ao que você consome do caldo pop?
Você se alimenta de que?
Esse vampirismo é o mesmo que qualquer artista tem; qualquer artista se alimenta de influências externas, do caldo pop ou da alta cultura, processando da sua maneira. Talvez a minha busca pela originalidade se fundamente mais pela busca de um repertório diferenciado. Eu sou aquele cara meio babaca que acha que se todo mundo gosta de um livro, de uma banda, de um filme, ele não pode ser bom. Eu busco referências diferenciadas conscientemente. Jamais teria Beatles como minha banda favorita, sabe? Jamais teria Machado de Assis... Acho que isso já dá uma diferenciação, mas é claro que dá trabalho. É difícil encontrar obras com densidade que já não façam parte do panteão. Então outra parte da minha busca é trazer referências estranhas ao meio literário; fazer literatura com referências não literárias – que vão do videogame aos filmes B de terror. Mastigando Humanos é um romance literário, gosto de acreditar, mas sua maior influência de base é o filme Alligator, assumidamente trash, que eu via quando criança no SBT.
- O que você acha do pendor moderinho da multiplicação de vertentes
góticas limpinhas, em produtos como a série Crepúsculo e afins?
Não é algo que me incomode tanto, para falar a verdade, mas também não me interessa. Os meninos do Crepúsculo são bonitinhos, eu até tinha certa curiosidade, mas vi um dos filmes num vôo de avião, e achei uma coisa arrastada, tediosa, não entendi muito a graça. Mas enfim, eu tenho 34 anos, não é um produto direcionado a mim, não era mesmo para eu gostar. Deixe a petizada se divertir com isso.
- Já foi dito que "ódio e rancor" transparecem nos teus escritos.
Você concorda?
Sim. E não consigo identificar exatamente as raízes disso. Sou uma pessoa rancorosa... Haha. É feio dizer isso, mas é verdade. Eu guardo mágoa, corto amizades, se alguém pisa na bola comigo, é muito difícil desculpar. E na literatura, não escrevo sobre o amor. O amor não é algo que me interessa literariamente. Eu trabalho no lado negro da força, não é? Mas vejo isso de forma positiva, acho que isso é necessário. Acho que é importante que se trabalhe esses sentimentos negativos não sociedade. Expor perversões, fraquezas, uma forma de expurgá-las, revelá-las. A hipocrisia me incomoda deveras. Detesto gente que é só amor, felicidade, e não tem sentimentos mesquinhos. Acho isso falso.
- Qual a carga pessoal reproduzida na tua literatura?
Bem, tem tudo o que eu acredito, o que me interessa, o que eu gosto. De fatos concretos, muito pouco. Eu trabalho muito o fantástico, a fábula, então a minha biografia objetiva não cabe muito aí. Minha literatura também cada vez se comunica menos com meu estado de espírito, porque os livros vão se tornando mais planejados, vão se encaixando nas necessidades profissionais, e você passa anos planejando, escrevendo, então não importa tanto se você está feliz, se está triste, se está frustrado, porque durante a escrita do livro você vai passar por mudanças, e o livro deverá permanecer na toada a que ele se propôs inicialmente.
- O que a exploração da ambiguidade sexual agrega ao que vc produz?
Já recebeu críticas moralistas com relação a isso?
Eu sou um gay atípico. Eu não gosto de homem, sou fascinado pela feminilidade. Já namorei meninas, mas não me considero bissexual. O que mais me fascina é o lado feminino do sexo masculino – por isso a sempre a figura do andrógino nos meus livros. Esse é meu padrão de beleza. E obviamente isso se revela nos meus livros. E nem é algo tão incomum no universo literário. “O Retrato de Dorian Gray” é o livro que me fez querer ser escritor. Críticas moralistas quanto a isso, sinceramente não recebi. Deve incomodar muita gente; talvez seja motivo de chacota por aí, mas não chega a mim. E de qualquer forma essa ambiguidade é bem mais suave do que uma literatura panfletariamente gay, que nunca me interessou em fazer.
- Com o bullying tão difundido e em evidência, é possível que
latentes Nazarians estejam sendo produzidos?
Eu não sou fruto de bullying, sério. Tive alguns momentos, mas nada de grave ou traumático. Fui criado num ambiente de classe média alta, filho de artistas, estudei em colégios alternativos. Talvez minha doença seja mais fruto de tédio do que de revolta.
06/07/2011
Marcelino Freire tem muito amor para dar. E enquanto eu fazia meu livro de sexo e morte, ele preparava seu livro de amor e morte, o amor como tema, o amor como crime, amores complicados, amores pornográficos.
Li alguns contos em primeira mão, outros ele mesmo leu para mim, quando me visitou lá em Florianópolis. Mas agora, com o livro em mãos, é que percebi como estava com saudades da prosa de Marcelino Freire.
É uma prosa oral, rápida, e absolutamente livre. Acho que isso é o mais interessante e gostoso na literatura do Marcelino, como ele escreve apenas com o que quer escrever, cada palavra encaixada, cada palavra puxando a próxima. Ele tem inclusive falado muito sobre isso no blog dele, criticado as estruturas e adereços tão recorrentes e dispensáveis para se contar uma história:
"Noto, não é de hoje, o uso repetitivo, insistente de alguns verbos. Digo: fracos. Digo: verbos que aprendemos no primário. No secundário, não sei. Os pentelhos agarram no pé do nosso parágrafo. E não largam mais. Ai, ai. Quais? Eis: os verbos de ligação. A saber: ser, estar, parecer, permanecer, ficar, continuar e andar. Pode notar. Deles, é claro, o verbo “ser” ganha disparado. Tudo é, tudo foi, tudo será. Até entendo. Na verdade, não compreendo, sobretudo, quando esses verbos aparecem em conjunto. Em tropa, em bando. Como se só eles dominassem o romance, o conto." (do blog dele: http://marcelinofreire.wordpress.com/ )
Muito autores reiteram a dificuldade de escrever, escrever como um trabalho penoso. Lendo Marcelino dá para pensar que a coisa não precisa ser assim. A literatura fluindo livremente, o autor escrevendo apenas o que quer escrever. Lembro que comigo mesmo também foi assim, essa foi minha grande descoberta. Quando eu percebi que se o personagem entrava numa sala, eu não precisava descrever a sala. Eu não precisava nem descrever o personagem. E eu podia cortar a narrativa quando eu quisesse. Eu só precisava colocar o papel a narrativa que já estava escrita em mim, o que eu sentia e já tinha de fato para contar.
"Um Conto não nasce na hora em que a gente escreve, na hora em que a gente está escrevendo. Não nasce quando a gente acaba o conto, coloca o ponto final. A impressão que eu tenho é que um conto nasce em algum ponto da vida da gente. Ele fica lá, congelado, esperando que algo o acorde..."
Esse trecho é de um conto do livro novo dele, "União Civíl", meu favorito. Discorre muito sobre o processo de se contar uma história, é uma pequena oficina literária, à partir de uma cena vista pelo autor. A união de dois homens, imaginada desde a infância:
"As alianças a gente conseguiu numa promoção de chiclete. Era. Vinham grátis anéis e brincos. Bolas de hortelã. A gente ficou fazendo, deitados na grama, depois do matrimônio, bolas enormes. De hortelã."
E o livro exercita essa liberdade em várias outras formas (criminosas), várias formas de amar. Verdade que Marcelino também aposta na concisão através dos microcontos - que para mim são pouco mais de frases de efeito ou piadas infames - mas mesmo esses carregam o peso da linguagem, a discussão da palavra.
O lançamento acontece em SP na próxima semana, em duas datas (convite acima). Marcelino está lançando o livro pelo seu próprio selo - Edith - um "coletivo cultural". Se há um escritor que pode fazer isso é ele, que carrega a literatura de tanta gente nas costas, promove tanto a literatura contemporânea por aí. Inova também já colocando o livro disponível na Amazon, para o Kindle.
Enfim, o crime perfeito.
03/07/2011
1 a 24 de julho, sextas, sábados e domingos, no João Caetano/SP.
Felipe Sant'Angelo é um jovem dramaturgo com um humor ácido, crítico e politicamente incorreto delicioso. Estreou esta semana nova peça, "O Silêncio que Veio do Céu", um melodrama cínico sobre os pecados e as virtudes pela ótica do cristanismo. Ele também consegue sempre colocar viradas metalinguísticas na peça e discutir um pouco o processo de escrita e encenação em si. Bem bacana.
O elenco tem Ana Nero, Ernani Sanchez (meu cunhado), Gabriela Caraffa, Marcelo Selengardi e Renan Winnubst. Direção de Bruno Guida.
O teatro João Caetano fica perto da Estação Santa Cruz do Metrô. Vai lá.