08/07/2011

ENTREVISTA.

Saiu no final de semana passado uma matéria de página do PORNOFANTASMA, com uma crítica bacana e entrevista, no Correio Braziliense, assinada por Ricardo Dahen. Reproduzo a entrevista aqui:

- Você parte da premissa de que teus personagens precisem encarar
transformações? Qual a importância desse caráter, no que você escreve?

Bem, não sei se essa não é a estrutura básica da formação do personagem, sabe? Apresentar o personagem num determinado contexto, para então oferecer uma mudança. Essa é a premissa básica da narrativa em geral. E qual é a graça da história de um personagem que não passa por mudanças? Em Feriado de Mim Mesmo coloquei um personagem lutando contra essa mudanças; em Olívio era um personagem que precisava passar por mudanças para manter o que ele já tinha. Em Pornofantasma acho que há mais o conflito na aceitação de mudanças já ocorridas do que esse processo em si. É o adolescente tendo de encarar sua sexualidade, o homem formado tendo de aceitar que já não é mais um menino... Eu mesmo vivo sempre esse conflito; aceito a transformação como necessária numa narrativa de vida, mas sei o quanto é dolorosa, por isso tento tomar as rédeas dela, nas minhas mudanças de cidade, na condução dos relacionamentos...


- Quais são os mandamentos para a manutenção de sua originalidade? Há
um vampirismo (assumido) em relação ao que você consome do caldo pop?
Você se alimenta de que?

Esse vampirismo é o mesmo que qualquer artista tem; qualquer artista se alimenta de influências externas, do caldo pop ou da alta cultura, processando da sua maneira. Talvez a minha busca pela originalidade se fundamente mais pela busca de um repertório diferenciado. Eu sou aquele cara meio babaca que acha que se todo mundo gosta de um livro, de uma banda, de um filme, ele não pode ser bom. Eu busco referências diferenciadas conscientemente. Jamais teria Beatles como minha banda favorita, sabe? Jamais teria Machado de Assis... Acho que isso já dá uma diferenciação, mas é claro que dá trabalho. É difícil encontrar obras com densidade que já não façam parte do panteão. Então outra parte da minha busca é trazer referências estranhas ao meio literário; fazer literatura com referências não literárias – que vão do videogame aos filmes B de terror. Mastigando Humanos é um romance literário, gosto de acreditar, mas sua maior influência de base é o filme Alligator, assumidamente trash, que eu via quando criança no SBT.


- O que você acha do pendor moderinho da multiplicação de vertentes
góticas limpinhas, em produtos como a série Crepúsculo e afins?

Não é algo que me incomode tanto, para falar a verdade, mas também não me interessa. Os meninos do Crepúsculo são bonitinhos, eu até tinha certa curiosidade, mas vi um dos filmes num vôo de avião, e achei uma coisa arrastada, tediosa, não entendi muito a graça. Mas enfim, eu tenho 34 anos, não é um produto direcionado a mim, não era mesmo para eu gostar. Deixe a petizada se divertir com isso.

- Já foi dito que "ódio e rancor" transparecem nos teus escritos.
Você concorda?

Sim. E não consigo identificar exatamente as raízes disso. Sou uma pessoa rancorosa... Haha. É feio dizer isso, mas é verdade. Eu guardo mágoa, corto amizades, se alguém pisa na bola comigo, é muito difícil desculpar. E na literatura, não escrevo sobre o amor. O amor não é algo que me interessa literariamente. Eu trabalho no lado negro da força, não é? Mas vejo isso de forma positiva, acho que isso é necessário. Acho que é importante que se trabalhe esses sentimentos negativos não sociedade. Expor perversões, fraquezas, uma forma de expurgá-las, revelá-las. A hipocrisia me incomoda deveras. Detesto gente que é só amor, felicidade, e não tem sentimentos mesquinhos. Acho isso falso.


- Qual a carga pessoal reproduzida na tua literatura?

Bem, tem tudo o que eu acredito, o que me interessa, o que eu gosto. De fatos concretos, muito pouco. Eu trabalho muito o fantástico, a fábula, então a minha biografia objetiva não cabe muito aí. Minha literatura também cada vez se comunica menos com meu estado de espírito, porque os livros vão se tornando mais planejados, vão se encaixando nas necessidades profissionais, e você passa anos planejando, escrevendo, então não importa tanto se você está feliz, se está triste, se está frustrado, porque durante a escrita do livro você vai passar por mudanças, e o livro deverá permanecer na toada a que ele se propôs inicialmente.

- O que a exploração da ambiguidade sexual agrega ao que vc produz?
Já recebeu críticas moralistas com relação a isso?

Eu sou um gay atípico. Eu não gosto de homem, sou fascinado pela feminilidade. Já namorei meninas, mas não me considero bissexual. O que mais me fascina é o lado feminino do sexo masculino – por isso a sempre a figura do andrógino nos meus livros. Esse é meu padrão de beleza. E obviamente isso se revela nos meus livros. E nem é algo tão incomum no universo literário. “O Retrato de Dorian Gray” é o livro que me fez querer ser escritor. Críticas moralistas quanto a isso, sinceramente não recebi. Deve incomodar muita gente; talvez seja motivo de chacota por aí, mas não chega a mim. E de qualquer forma essa ambiguidade é bem mais suave do que uma literatura panfletariamente gay, que nunca me interessou em fazer.


- Com o bullying tão difundido e em evidência, é possível que
latentes Nazarians estejam sendo produzidos?

Eu não sou fruto de bullying, sério. Tive alguns momentos, mas nada de grave ou traumático. Fui criado num ambiente de classe média alta, filho de artistas, estudei em colégios alternativos. Talvez minha doença seja mais fruto de tédio do que de revolta.

NESTE SÁBADO!