Mattoso, Cuenca e eu, em páginas do passado (JB).
Poetas, escritores, artistas. Eles vêm aos milhares, eles se trancam como você. Eles trancam a mim, suas esposas, seus amores, num quarto abafado. E quem somos nós para nos queixar, Paulo Roberto, quem sou eu? O que você espera de mim neste quarto de hotel? (do meu "A Mulher Barbada")
Acabou mais uma Flip. Escapei de mais uma. E mais uma vez ouvi um batalhão de gente me perguntando se eu não ia, eu mesmo me perguntando se não deveria. Mas minha Flip já foi...
Em 2003, meses depois de ter lançado meu primeiro livro (Olívio) por uma editora pequena (Talento) eu estava na primeira Flip, na primeira mesa, como um dos autores convidados. Já contei isso aqui, a Editora Planeta estava entrando no Brasil, queria participar da Flip e, ainda sem medalhões, resolveu investir em três autores praticamente desconhecidos: Chico Mattoso, João Paulo Cuenca e Santiago Nazarian.
Eu caí lá por indicação da crítica Beatriz Resende, que havia sido juri do prêmio que me revelou (o Fundação Conrado Wessel) e era amiga do então editor Paulo Roberto Pires. Eu não conhecia ninguém, ninguém do meio literário - era nessa época inclusive que eu escrevia textos de disk-sexo. Mandei meu livro de estreia para o Paulo, uma semana depois tinha um email oferecendo um contrato com a Planeta. Essas coisas ainda acontecem hoje em dia?
Aconteciam em 2003, quando estava havendo aquele boom de novos autores. A Planeta, na época, foi uma das editoras que mais investiram nisso, e além de mim e do Cuenca, também publicou livros do Joca Terron, Clarah Averbuck, Claudia Tajes e Alexandre Plosk, entre outros. (A atuação do Paulo Roberto Pires inclusive foi destacada no caderno Ilustríssima, da Folha, de ontem.)
Para aquela primeira Flip, a ideia da Planeta foi mandar nós três alguns meses antes para Parati, para que cada um escrevesse um conto longo passado lá, formando assim um livro a ser lançado no evento, que recebeu (da editora) o infame título de Parati Para Mim.
Parati Para Mim (Editora Planeta, 2003)
Jogada de marketing, sim, mas e daí? São três belos contos, e ninguém pode dizer que os três autores ficaram só nisso. Inclusive, creio eu, foi daí que veio a semente para o projeto Amores Expressos.
Mas nem tudo foi amor e sucesso...
Na verdade, a temporada em Parati, em si foi um pouco conturbada para mim. Aquela cidade tem uma energia muito negativa - ahaha - é verdade, alguma coisa me incomoda naquela cidade. E eu não poderia dizer que sofri bullying literário (para usar uma expressão do Ronaldo Bressane) dos outros dois autores, mas era mais como se os dois me chamassem para jogar bola e eu fosse o CDF que ficava trancado no quarto estudando; não me entrosei muito com eles, não me entrosei com a cidade, estava caindo de paraquedas no mercado literário e ansioso para voltar para a Loca! Mas isso transpareceu poeticamente no texto; terminei antes do prazo e pedi para ir embora.
Meu "A Mulher Barbada" retrata uma mulher que vai à Parati com o marido (que não por acaso recebeu o nome do meu editor da época, que não ficou com a gente em Parati) e sofre de "um mal de século genérico". É uma mulher bem pentelha, na verdade, um pé no saco. Eu basicamente canalizei a Lorena de A Morte Sem Nome, num novo contexto, com um tom mais frágil, e fiz minha Luziânia.
Eu não sou escritora, Paulo Roberto, sou apenas mulher. Sou o bastante e estou viva, finalmente, posso contar minha história. Posso vivê-la intensamente, em páginas amassadas, em papel de pão. Posso deixar a barba crescer sobre o meu rosto e o peso do corpo envergar minhas costas. Minha cama. E enquanto eu tiver esses dedos, enquanto eu tiver vontades, você vai ter de me ouvir.
O livro foi lançado na primeira Flip, tivemos nossa mesa e foi uma repercussão incrível. De repente estávamos passeando de escuna com Hobsbawm, almoçando na casa de Liz Calder e dando entrevistas para o Jornal Nacional (para Edney Silvestre, que hoje é um dos destaques desta Flip).
Eu achei que a vida literária seria sempre assim...
Com Liz Calder, idealizadora da Flip e uma das fundadoras da Bloomsbury.
Apesar disso, nunca mais voltei a Flip. Não queria destruir aquela impressão da primeira, de quando fui como convidado; e a hospedagem é sempre tão cara, tudo sempre tão cheio, nunca me motivei tanto pelos autores de lá... Então deixei para um dia, quem sabe, que eu seja convidado de novo....
Minha cisma com a cidade também permaneceu. Ano passado voltei a Parati, em janeiro, a convite do Marcelino Freire. E a cisma permaneceu. Definitivamente tem algo naquela cidade que me incomoda. Não posso negar: não gosto de Parati.
Já o meu conto... continua aí. Foi muito bem recebido na época, foi um conto importante na minha trajetória de escritor e ainda tinha algo de fantástico, de fantasma, uma sexualidade indefinida...
Isso, a Planeta gentilmente me cedeu os direitos e ele se reencaixou bem no meu PORNOFANTASMA.
Na publicação original, ele era dedicado à Adriana Calcanhotto, que me inspirou o título e que abriria a primeira Flip cantando. Nunca soube se ela leu ou gostou. Então quando republiquei no PORNOFANTASMA, dediquei o conto a quem realmente merecia, Paulo Roberto Pires, meu antigo editor.
É o conto mais antigo do livro, e devo confessar que não consigo lê-lo direito. Me incomoda ler qualquer livro anterior meu, na verdade, observo mais as imperfeições do que as virtudes. Mas quem sou eu para julgar? Eu não posso julgar. Assim, achei que o conto merecia estar lá. Fora que eu queria mais um conto feminino para o livro.
Você sabe o que é ser mulher? Eu sei, você tem a sua. Mas eu tenho milhares, todos os meses, todos os dias. Derramada no vaso, na cama, na rua. Pulsando, palpitando, reagindo, rejeitando tudo o que poderia chamar de masculino. É assim, o que não cresce sobre mim. O que eu não deixo embrutecer me faz mais mulher.
(Pronto! Mais um post merchandising para você comprar PORNOFANTASMA)