EU NÃO SEI SAMBAR
Sábado 10 de septiembre, 18.00 hs – MALBA
PANEL
BRASIL POR BRASIL
JOÂO GILBERTO NOLL, SANTIAGO NAZARIAN, MORENO VELOSO
MODERA: GONZALO AGUILAR
El escritor Joâo Gilberto Noll (Harmada), el poeta y narrador Santiago Nazarian (Pornofantasma) y el músico Moreno Veloso (Máquina de escrever música), tres figuras relevantes de la cultura brasileña contemporánea, abordarán la actualidad cultural de Brasil —los circuitos establecidos, los vasos comunicantes entre distintas disciplinas, los temas de interés y puntos en conflicto que se juegan en cada ambiente—, al tiempo que recomendarán diferentes lecturas para intentar una aproximación a la cultura brasileña.
(reparem no "poeta e narrador"; nesses eventos internacionais, nunca se satisfazem em me chamar apenas de escritor, sempre arrumam uma nova ocupação para mim. Já foi DJ, já foi modelo... Acho que prefiro "modelo" a "poeta")
Estou fazendo as malas para a Argentina - Festival Internacional de Literatura em Buenos Aires, a FILBA, uma espécie de Flip portenha. Além da mesa acima, tenho outra sobre Machado de Assis (? Eu avisei a eles que o Machadão nunca me empolgou, mas parece que eles querem mesmo uma voz discordante), algumas atividades mais soltinhas e ainda vou discotecar na festa de encerramento, na sexta (16). Para ir na contramão, devo tocar artistas brasileiros mais alternativos - CSS, Stop Play Moon, Thiago Pethit, Filipe Catto, Pato Fu...
Nove dias por lá. Vai ser ótimo também para encontrar amigas queridas de quem morro de saudades, a escritora Samanta Schweblin (que conheci ano passado em Madrí) e a estilista Romina Alessi, amiga minha desde a adolescência, e uma das meninas que mais amo no mundo.
É sempre estranho (e gostoso) representar o Brasil nesses eventos... Já escrevi sobre isso inclusive para o Clarín, de lá, ano passado. Aproveito para reproduzir o texto aqui:
Eu contra o Brasil – Santiago Nazarian
Eu não sei sambar. Não jogo futebol. Não mato cobras na porta de casa e sandálias Havaianas provocam bolhas em meus pés.
Sou escritor. Escrevo romances apocalípticos sobre suicidas, jacarés assassinos e cidades infestadas por zumbis. Quando minha carreira alargou fronteiras e eu comecei a ser convidado para eventos literários e publicações fora do Brasil, me vi estranhamente no papel de representante de um país. O país que me gerou, por certo, mas ainda não exatamente o país a que pertenço. Um país que não lê o que escrevo (porque não lê em geral), e que perturba minhas horas de escrita e de leitura com rojões, gritos de torcida, carnaval.
O que há desse país em mim, para eu representar?
Escrever sobre o Brasil... a mim me parece um paradoxo. O Brasil não existe por escrito. Não pode ser capturado nos dedos e não tem concordância verbal. Brasil pontuado e com todos os acentos está muito distante do que vive o povo, do que é feito o povo, do que se vive aqui de fato.
Num encontro com o escritor americano Daniel Mason, em 2003, na Festa Literária Internacional de Parati (FLIP), ele me revelou o desejo de escrever um romance passado no Brasil. “Mas não gostaria que fosse o olhar de um estrangeiro,” me confessou, o que para mim parecia uma missão utópica. Como se pode examinar algo quando se faz parte dele? Aquela velha máxima: só se pode perceber a Terra como redonda olhando-se de fora. O próprio escritor brasileiro deve adotar essa postura, sua porção de estrangeiro, se deseja realmente compreender e interpretar o Brasil. Eu não me atrevo. Como escritor, me interessa sempre criar um universo próprio, impreciso, uma terra onde me sinto mais confortável... mesmo com zumbis. (Por sinal, aparentemente Mason transformou o projeto de Brasil num país fictício, em seu romance, A Far Country, publicado em 2007.)
O olhar do escritor será sempre o de um forasteiro. Escrever - quando estão todos sambando, comemorando gols, matando cobras na porta de casa – já torna você um estrangeiro, excluído, pária.
Bem, talvez eu esteja exagerando...
Talvez minha experiência como brasileiro seja atípica não apenas por ser escritor. Talvez haja a estranheza adicional por minha homossexualidade – veja só, mais uma minoria. Ou talvez seja apenas o trauma de infância por não jogar futebol...
“Para que time você torce,” é a primeira pergunta que todo menino escuta quando entra num novo colégio, quando conhece novos meninos. Sua habilidade para jogar bola na infância determinará se você será uma criança integrada ou não. Você vê os dois meninos mais populares da classe escolhendo os jogadores para seus times e você vai ficando por último, junto aos gordos, os mancos, os amaldiçoados. Eu ainda conseguia conquistar alguns amigos pelo videogame – fui o primeiro a ter o Nintendo de 8-bits do meu colégio (veja só, um geek de raiz). Mas, no final, meus amigos sempre acabavam sendo roubados pelo meu primo, que jogava bola e tinha um campo de futebol em casa. (Eu ficava trancado no quarto, tentando matar o Drácula de Castlevania.)
Em meu romance Mastigando Humanos, um jacaré solitário tenta escrever num quarto de hotel, enquanto a cidade toda é sacudida por Godzilla. O jacaré prepara um grande romance sobre sua vida, mas se pergunta quem se interessará por essas picuinhas quando há um réptil tão maior, mais perigoso, sem a mínima delicadeza ou sofisticação destruindo a cidade. Ronaldo Fenômeno é meu Godzilla. Que se torna notícia instantânea em todo país (e além) apenas por uma contusão no joelho (ou por ser pego num motel com travestis), enquanto anos de meu trabalho se tornam um 1/4, quem sabe meia página, numa resenha de jornal (se tivermos sorte).
Seremos sempre minoria.
Mas não é preciso nem pensar apenas em nós escritores (nós leitores), animais sempre tão exóticos, penso nos esportistas menos óbvios, ginastas, tenistas. Gente que passa anos e anos treinando contra todo o país, o país lutando contra, o país investindo apenas em futebol, sem conseguir patrocínio, sem lugar para treinar, as quadras ocupadas por campos. Esportistas que pagam caro para conseguir um ginásio, uma raquete, uma passagem internacional. E quando conseguem uma medalha num grande mundial.... Vitória do Brasil!!! Vitória do Brasil? Eu reclamaria essa vitória só para mim.
Lutar contra também forma o que somos.
E isso tudo é o que nos forma, o que me forma genuinamente brasileiro. Relendo este texto, vejo o que tenho para contar, que minha experiência de vida é intrinsecamente formada por eu morar no Brasil. As Copas do Mundo, os carnavais, o samba e todos os clichês inevitavelmente fazem parte de minha vida. (Aliás, levei chineladas de Havaianas na infância...). Ser excluído dos times talvez tenha tornado o futebol mais importante para minha formação do que para os campeões da minha escola.
Mas estou apenas nos clichês... Será que é só isso de que é feito o Brasil e os brasileiros?
Eu não saberia dizer. Como eu disse, me falta algo do olhar do estrangeiro, por isso não me atrevo a escrever (em livro) sobre o Brasil. O que há no meu país além do clichê é algo que eu, peixe mergulhado na água, não posso perceber. Só posso tentar decifrar e explicar minha experiência como brasileiro com o que existe de estereótipo, com o que se vê comentado pelo estrangeiro, com o que chama a atenção de fora. Há várias outras coisas em mim tipicamente brasileiras, que eu não poderia perceber.
Quando estive na Finlândia, recebi olhares curiosos. Tenho olhos e cabelos castanhos, um tom de pele certamente não-escandinavo, de repente também uma malemolência, algo que visto de fora, de longe, por olhos cristalinos, pode formar a figura precisa de um latino. “Você é brasileiro mesmo? Brasileiro nascido no Brasil?” Veja só, conquistei uma grife. Aproveito toda essa estirpe e chachachá num país que não está acostumado a receber tantos turistas.
Eu não leio Machado, não sou fã de Caetano e não tenho rixas com argentinos. Mas moro na praia, pratico kite-surf, e faço uma caipirinha como ninguém.