06/09/2013

O ROMANCE, A NOVELA, A CRÔNICA, O CONTO E A FRASE DE EFEITO...



Esses dias apareceu no meu Facebook:


Ele: Cara recentemente li o seu livro ''Mastigando Humanos' e achei ele muito interessante...Porém não entendi porque que ele é um romance?
Eu: O que é um romance?
Ele: Poxa isso foi socrático...
Eu: Romance é um formato literário, mais do que um gênero. Uma categoria.
Ele: ...
Eu: As categorias mais conhecidas atualmente são POESIA, CONTO, NOVELA E ROMANCE. O romance é simplesmente (em linhas gerais) uma narrativa longa, ocorrida num espaço longo de tempo de um ou mais protagonistas.
Ele:...
Eu: Não tem nada a ver com amor ou coisa assim, necessariamente.
Ele: Maldito ensino médio público.

Haha. Achei fofo. E compreensível e desculpável um adolescente fazer essa confusão. Afinal, até Adriane Galisteu quando me entrevistou sobre o livro perguntou algo parecido...


(Ela deve ter estudado em colégio público.)

Menos clara - mesmo dentro do meio literário - é a distinção entre "romance" e "novela" - aliás o termo novela praticamente não mais é usado (deve ser o medo de que o público em geral - que nem entende exatamente que um romance não precisa ser romântico - ache que os autores passaram a escrever para a TV). 

No seu livro "A Oficina do Escritor", o falecido Nelson de Oliveira define assim: 

"O que diferencia a novela do romance são basicamente o número e disposição de unidades dramáticas: na novela, há a sucessão cronológica, em linha reta, de várias unidades dramáticas, sucessão que pode ser prolongada indefinidamente. No romance, há menor número de unidades dramáticas e todas estão interligadas."

Eu não sei se entendi direito, ou se concordo. Para mim, a distinção se dá muito claramente, e é mais ou menos o que disse para o leitor no Facebook. O romance foca uma história mais macro, de um grande período da vida do protagonista ou mesmo de vários personagens (épicos familiares, etc). A novela se concentra num episódio da vida do protagonista ou um episódio da vida de vários protagonistas (um mesmo acontecimento flagrado por diferentes pontos de vista) num curto espaço de tempo. 

Isso faz com que geralmente o romance seja maior em extensão do que a novela, mas não necessariamente. E sim, isso faz com que a IMENSA maioria dos romances que se produz hoje em dia no Brasil seja novelas. 

 Se eu fosse categorizar minha própria obra, colocaria assim: 

Olívio - novela
A Morte Sem Nome - romance
Feriado de Mim Mesmo - novela
Mastigando Humanos - romance
O Prédio, o Tédio e o Menino Cego - romance
Garotos Malditos - novela

(No caso, Garotos Malditos é mais extenso do que A Morte Sem Nome e Mastigando Humanos).

Na prática, essas categorias não existem mais. Nas divisões das livrarias, dos prêmios literários, novela e romance são a mesma coisa. Sem grandes crises. Isso até gera a impressão de que, quando um crítico chama o seu "romance" de "novela" é para diminuir sua obra. Pessoalmente, eu não considero "novela" uma categoria "menor" do que romance. Admiro horrores obras concisas, focadas ("Metamorfose", "A Paixão Segundo GH", "Morte em Veneza", para citar só alguns dos favoritos) e não tenho muito saco para romances épicos.

De toda forma, se para o grande público e para o mercado essas distinções não importam, acho importante para o autor ter a consciência do que está escrevendo, para estruturar melhor sua obra. 

Eu valorizo muito a prosa espontânea, acho que seguir o fluxo de consciência dá um sabor (e uma insanidade) muito especial para o texto. Mas cada vez mais procuro fazer isso dentro de uma estrutura pré-definida, para que os arroubos criativos ajam a favor da consistência literária. Finalizando agora uma nova NOVELA, sinto um sabor especial em ter podido viajar dentro de bases bem definidas. Já é meu oitavo livro, e estou com mais consciência do que nunca do que estou fazendo. Ao ponto de já conseguir estimar, quando comecei o livro, quantas páginas ele teria. Acertei na mosca. (Será um livro maior do que "Feriado de Mim Mesmo" e "Olívio", menor do que todos os outros.) 

Já o conto todo mundo sabe o que é... Bem, nem tanto. Dessa vez eu concordo mais com a definição de Nelson de Oliveira: 

A crônica é a prosa curta, amena e coloquial, com toques de malícia e humor, sobre os fatos políticos da atualidade ou sobre os hábitos e costumes dos diversos segmentos sociais. O conto é todo o resto, toda prosa curta que não é crônica. 

A crônica foca uma observação do cotidiano; como Nelson coloca, trata da realidade atual. É basicamente um "causo" do dia-a-dia. Isso também não faz dela uma obra menor, mas me interessa menos. Muita gente faz crônica sobre a vizinha ao lado achando que está escrevendo um conto sobre a verdade universal. (Ou um post de blog, achando que está fazendo literatura.)

Já a diferença entre conto e novela parece mais óbvia (pela extensão), mas eu mesmo me confundo quando trato de Pornofantasma. Alguns contos lá chegam a cinquenta páginas (como o conto título) e são divididos em capítulos. Costumo brincar que um escritor mais preguiçoso (e menos produtivo) diagramaria com letra grande, espaço duplo e lançaria como um ROMANCE de cento e poucas páginas. Então alguns contos de lá eu prefiro chamar de "mini-novelas", basicamente pela extensão e pela divisão em capítulos. 

E há ainda a praga dos MICRO-CONTOS...

Esses eu abomino. Primeiro porque grande parte dos micro-contos são apenas piadas ou frases de efeito. Depois porque muita gente recorre a eles para se auto-intitular escritor sem ter de escrever. "Escrevi um livro!" E o que há lá é uma dúzia de frases engraçadinhas. (É como o cara que se dizer fotógrafo porque comprou uma câmera profissional). Micro-conto não tem estrutura, não tem personagem, não tem esforço. Qualquer rafinha pode fazer.

Mas...

Eu mesmo já fiz dos meus. Em 2004, início de carreira, o brother Marcelino Freire organizou "Os Menores Contos do Século" uma coletânea de micro-contos bem interessante para analisar o formato e ver o que diversos escritores - novos e velhos, incluindo Lygia, Proust e Sallinger - tinham a dizer neste formato. Achei importante participar, como currículo, mas não me orgulho do que fiz lá. Na época, pensei bem o que definiria um "micro-conto." Tem aquele, o mais famoso, do hondurenho Augusto Monterroso: 

Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá.  

É bom. Mas é pouco. E me faz pensar muito no que constitui um micro-conto.

Se for para seguir a minha análise pessoal, muito do que se há por aí nem de micro-conto pode ser chamado. Para ser um micro-CONTO é preciso ter um personagem e contar uma história, mesmo que seja em uma frase, como a acima. Ainda assim... Não dá para desenvolver?

(bem, vocês sabem, poucas linhas nunca me bastam; o Twitter mesmo nunca me cativou. E eu basicamente abandonei o meu.)

Enfim, ando pensando e pesquisando sobre tudo isso, até porque tenho conversado com alguns alunos de oficinas literárias, em aulas isoladas, como autor convidado e tento racionalizar o que aprendi basicamente na prática e de forma intuitiva.




NESTE SÁBADO!