20/08/2015

O ESCARAVELHO DO DIABO

Resenhei este clássico juvenil, que está ganhando nova edição, para o Suplemento Pernambuco de agosto. 

“Hipnotizando leitores desde o tempo do bonde”, é a chamada na primeira página de uma das edições mais recentes (de quase trinta) de O escaravelho do diabo, de Lúcia Machado de Almeida. Parece ser o alerta de que se trata de uma narrativa de “época”, embora quando tenha sido publicada originalmente, em fascículos da extinta revista O cruzeiro, em meados da década de 1950, fosse uma trama contemporânea, talvez até bem avançada. Também não buscou originalmente um público juvenil, dados os leitores da revista. Porém, a obra foi definitivamente eternizada em livro a partir do início da década de 1970, na clássica coleção Vaga-lume da Editora Ática, voltada ao público infanto-juvenil, especialmente pré-adolescentes. 
 
Cultuada pela nostálgica geração que hoje usa a internet e redes sociais para compartilhar memórias de décadas anteriores, a coleção é sempre citada com especial carinho como um primeiro incentivo à leitura. Meninos – que geralmente são menos chegados aos livros do que as meninas – eram um alvo especial, com histórias de suspense com protagonistas masculinos, frequentemente adolescentes. Dentre os clássicos estão obras de Marcos Rey (como O mistério do Cinco Estrelas), Maria José Dupré (Éramos seis) e as primeiras obras de Marçal Aquino. 
Lúcia Machado de Almeida escreveu diversas obras  para a Vaga-lume, entre elas a série Xisto e O caso da borboleta Atíria. Mineira de uma família de escritores – inclusive tia de Maria Clara Machado - nasceu em 1910 e faleceu em 2005. 
 
O escaravelho do diabo (R$ 33,90) é um dos maiores sucessos da autora e da coleção, e está no pacote de relançamentos que a editora promete para agosto – agora com capas que brilham no escuro, em alusão ao seu inseto mascote. É uma trama de mistério detetivesco que faz jus a seu formato original de folhetim. Na fictícia  cidadezinha de Vista Alegre assassinatos são cometidos em série. As vítimas têm em comum o fato de serem todas ruivas e receberem pelo correio alguma espécie de besouro alguns dias antes, como um aviso. Após o assassinato de seu irmão, Alberto, um jovem estudante de medicina, passa a investigar os crimes em parceria com um inspetor de polícia. Encontram vários suspeitos na pousada de uma senhora irlandesa, ao mesmo tempo em que tentam proteger os últimos ruivos da cidade. Não falta a Alberto um interesse romântico: Verônica, uma bela pianista, que também parece ter algo a esconder. 
 
O argumento, ainda que longe de brilhante, é instigante. A ideia do assassino de ruivos é divertida. Porém a trama se desdobra da maneira mais protocolar possível, talvez procurando representar um protótipo de romance policial, para leitores bem iniciantes. Isso faz com que adultos que se encantaram pela obra na infância hoje possam se decepcionar bastante ao revisitá-la. Não há nada além de nostalgia para um leitor adulto que foi “formado” pelo livro. O caráter datado da obra até pode ser um charme, mas não deixa de, por vezes, soar ingênuo e bastante machista – temos ou as donzelas em perigo que desmaiam ou as interesseiras fúteis. Ainda assim, a maior questão parece ser se a obra ainda tem força para conquistar os joveníssimos leitores de hoje, que já têm à sua disposição tramas bem mais sofisticadas, de Paula Pimenta a J. K. Rowling. 
 
O escaravelho do diabo também está sendo adaptado para o cinema, dirigido por Carlos Milani, com estreia prometida ainda para este ano. Aproveitando-se as ideias originais do argumento e repaginando toda a história pode gerar uma boa diversão para as crianças. Não por acaso a idade do protagonista no filme foi alterada para se ter um herói juvenil.

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