18/09/2017

VIVA LA RESISTENCIA

Do alto de Medellin. 

Voltando da Colômbia, após cinco dias em Medellin, numa daquelas viagens mais proveitosas do que divertidas. Viagem de trabalho. Para a Fiesta del Libro y la Cultura, que teve o Brasil como país homenageado. Tive apenas uma mesa na tarde de quinta, mas, como nos melhores eventos literários, as discussões se prolongaram nos bares, nos táxis, no café da manhã do hotel.

Companheiros de festa. 

Encontrei muita gente bacana, que há um tempo não via, como o (fotógrafo argentino) Daniel Mordzinski, o (escritor colombiano) Juan Cárdenas, o Julián Fuks e o Manu Maltez; reencontrei companheiros de sempre como Ana Paula Maia e Joca Terron; e ainda conheci alguns queridos como a Luciana Savaget e o André Neves.


Com Juan Cardenas e Ricardo Silva (ambos colombianos), mediados por Ana Maria Cano. 

Minha mesa em si foi... ok. Meu espanhol estava muito enferrujado, a mediadora não conhecia muito minha obra e o público menos ainda. Mas ao menos consegui tratar de algumas questões importantes, como sobre o neo-conservadorismo coió que vem assolando o Brasil.

A mesa em que Fuks arrasou. 

Isso foi discutido com mais profundidade na mesa do Julian Fuks com Luiz Ruffato e (o escritor colombiano) Evelio Rosero. Fuks, particularmente, deu um show. Discordo um pouco dele sobre a necessidade de uma literatura engajada, mas adoro o último romance dele, estamos sempre debatendo sobre isso, e levei essa discussão numa pergunta que fiz da plateia. Até que ponto o romance se presta a discutir questões urgentes da sociedade atual, e até que ponto deve se ater a questões atemporais, visto que o próprio tempo de maturação da escrita, de anos e anos, impede que romance literário reflita um imediatismo.

O que não discordamos é da necessidade do escritor se posicionar publicamente, nessas mesas, nas redes sociais, nos blogs e colunas de jornais, principalmente com essa nova configuração de censura feita por uma parcela dominada da sociedade, que se considera dominante.

O episódio do Santander e do quadro apreendido são alertas problemáticos, que não podemos deixar passar. Levantei uma discussão semelhante ano passado, quando escritores “fofos” de literatura juvenil condenavam textos de ficção que retratavam cenas de pedofilia (como já fazia Sade, Nabokov, Cooper, Hilda Hilst), acusando-os de apologia, essa palavra tão perniciosa que vem pouco a pouco sendo usada como salvaguarda da censura. Defendo até a morte que, em ficção tudo pode e deve ser feito, independente de ser boa ou má literatura, fantasia ou mau gosto. Ficção é uma forma não só de denuncia, mas de sublimação, de provocação, de compreensão do outro, de revelar outras visões. Se criamos apenas por consenso, deixa de cumprir sua função, deixa de ser arte. E as artes plásticas seguem o mesmo caminho. 

“Tudo bem, podem criar o que quiser, mas não com dinheiro público”, dizem alguns. Bom, o dinheiro público também é MEU, também é dos artistas que estão criando essas obras, também é de público que quer consumir essa arte. O que pago de imposto como escritor, como pessoa física e jurídica também me qualifica a me ver representado. O dinheiro público não é apenas de quem é contra e nem apenas da maioria, é de todos. E certamente esse dinheiro é mais empregado em entretenimento tosco que agrada ao povão do que em arte queer. A maioria se vê representada na maioria.

Fuks e Ruffato têm uma literatura engajada e um discurso importante, porém eu é que me vejo menos representado e o meu perfil é que fica especialmente ameaçado, não apenas por pertencer a uma minoria, como homossexual (diferentemente dos dois), como por minhas próprias temáticas. “Neve Negra” é um romance de terror – ou pós-terror – que lida com questões de pedofilia, incesto e até ideologia de gênero. Se o MBL encrencasse comigo, talvez até servisse para promover o livro – eu poderia pedir umas dicas ao Ricardo Lísias -, mas prefiro meu público restrito, e ficar longe das  mãos de analfabetos, evangélicos e imbecis.

E essas foram algumas das discussões acaloradas que tivemos pela cidade nesta semana. De turismo, consegui visitar o Museu de Antioquia, recheado de obras do Botero; a Comuna 13, comunidade antigamente ocupada pelas Farcs, hoje pacificada; alguns parques e praças; e uma boate de salsa com música ao vivo. Tudo é muito longe em Medellin, a cidade é tomada de morros, o que dificulta as caminhadas, e o trânsito é um horror. Esforcei-me também para provar a comida da região, mas fui mais feliz das outras vezes em Bogotá. 

Joca Pós-Terron, sempre mala comigo. 

Agora o ano parece estar desacelerando, depois de bons meses de viagens, então terei mais tempo para as traduções e para trabalhar no próximo romance, que ainda deve levar uns anos, mas está bem encaminhado. A resistência também segue aqui.

NESTE SÁBADO!