24/11/2018

PORNOFANTASMA (2011)


Capa bacaninha - arte minha com foto de banco de imagem. 


Depois de lançar um romance mal sucedido, você faz o quê? Lança um livro de contos, que ninguém dá a mínima...

“Catorze histórias de sexo e morte.” É assim que Santiago Nazarian define seu primeiro volume de contos, após ter lançado cinco prestigiados romances. Os relacionamentos esquizofrênicos, a juventude perdida, o tom de fábula e a violência romântica presentes em seus trabalhos anteriores reforçam aqui a marca do autor, mas com doses extras de fantasia. Terrores cotidianos, apocalípticos e sobrenaturais surgem a cargo de uma sexualidade latente e ambígua. É uma fusão de referências que formam o existencialismo bizarro, quebrando barreiras de gênero e tratando de valores tão universais, tão atemporais. Antes de tudo, PORNOFANTASMA é um livro de histórias, para se ler na cama, antes de dormir, na rede, em frente ao mar; ou numa fogueira de acampamento, ouvindo o pio das corujas e deixando o marshmallow queimar.  – Ok, não é das melhores orelhas também.


Já tinham sido cinco romances, estava na hora. Fui preparando meu volume de contos juntando algumas das melhores coisas que eu tinha publicado e escrevendo outras tantas especificamente para o livro.

Em Osaka, Japão, 2010. 


Na época eu estava morando em Florianópolis, exilado de São Paulo, decepcionado com a vida literária, tentando recarregar com a natureza. Foi a melhor fase de minha vida, 2010 e 2011. Eu continuava fazendo traduções para São Paulo, mas num cenário bucólico, e ainda viajava muito. (Só em 2010 eu fui para Espanha, Alemanha, Finlândia, Dinamarca, República Tcheca, e Japão). Também praticava horrores de esportes, mergulho, kite surf, academia, estava com o melhor corpo que já tive, aos trinta e três anos de idade.


Em Florianópolis (2011). (Usei bem essa foto no Grindr...)

O livro tem muito dessa pegada da natureza, nos cenários. A intenção era o que coloquei na orelha, um livro de histórias – que fizessem sentido contadas, não apenas literariamente. Tem muito de contos de fada, mas também foi meu primeiro flerte mais direto com o terror. Ainda que subvertendo o gênero, temos aí histórias de vampiro, lobisomem, zumbis, navio fantasma, naufrágio, dragão, jacaré assassino, duendes, criança maligna e fantasma. Vamos a cada uma:


Catorze Anos de Fome: Fiz originalmente para uma coletânea do Luiz Roberto Guedes; mexi levemente para esse livro. Tem o vampirismo clássico – se alimentando da juventude – mas com uma nova estética e uma pegada meio "Clive Barker". Podia ter gerado um bom curta.
Conto de Lobisomem:  É meio que um conto sobre “a idade do lobo”, minha virada para os trinta, que passei no Deserto de Atacama. É o conto mais pessoal, e talvez o pior do livro.
Apocalipse Silencioso:  A mistura de drama romântico com zumbis me parecia original na época – um casal que discute a relação trancado no apartamento, porque o mundo lá fora está acabando. A ideia era transformar numa peça de teatro – e cheguei a conversar para virar uma série de TV. Mas acho que acabou se perdendo na saturação de zumbis que veio nos anos seguintes.
Eu Sou a Menina Deste Navio: Um conto clássico de navio fantasma. Tem muito de Shakespeare -  "A Tempestade" - e era um dos meus favoritos... Mas agora não sei mais. 
As Vidas de Max: Inspirado por “A Vida de Pi”, do Yan Martel, que se inspirou em “Max e os Felinos”, do Moacyr Scliar, resolvi fazer minha própria versão da história de um menino que fica à deriva num bote salva-vidas com um grande felino (aqui, um guepardo). Para mim era uma alegoria do despertar sexual – que não foi abordada pelos outros autores. Mandei o conto para o Scliar na época, que generosamente me deu sua benção.
Natrix natrix:  É uma fábula cínica, que me veio num sonho. Recentemente adaptei como livro juvenil, e está para sair pela Melhoramentos.
Marshmallow Queimado: Aqui temos diversos contos dentro de um conto, e resgatei algumas das minhas histórias mais antigas (como a “Garotos Podres”), que escrevi ainda na adolescência.
Piranhitas: O conto mais curto do livro, também é uma alegoria de despertar sexual. Foi lançado também em antologias em espanhol e alemão, e ainda é dos meus favoritos.
O Velho e o Mato: Conto bem fruto da minha vida em Florianópolis, com o fantasma da velhice se aproximando. Pode ser lido como um prelúdio para meu “trevoso”.
Trepadeira: Inspirado por  “Os Desastres de Sofia” (da Condessa de Segur, que inspirou Clarice), é o conto lésbico do livro, naquela pegada “órfã do mal”. Não sei se ainda gosto.
Você É Meu Cristo Redentor: Outro dos meus favoritos. A ideia do “serial killer turista”, que precisa matar uma pessoa em cada cidade que visita, tem muito a ver com o turismo sexual que eu fazia por aqueles tempos.
Pornô Fantasma: Total filhote de Dennis Cooper, é um conto longo, quase uma novela queer, com estrutura muito de videogame, muito de "Silent Hill". Também não sei se anda gosto...
A Mulher Barbada: O conto que fiz para a coletânea da FLIP, em 2003. Tem muito de “A Morte Sem Nome”.
“Todas as Cabeças no Chão, Menos a Minha!”: Outro conto de fadas cínico, também tratando do despertar sexual da adolescência. É outro que adaptei como infanto-juvenil e deve sair em breve.

Ilustração lindinha que o leitor Fabiano Rodrigues me mandou, baseado em "As Vidas de Max."

No meu aniversário de catorze anos, ganhei um buquê de lírios.
Achei lindo. Primeira vez que eu ganhava flores. Presente
do meu primo Paulo — primeira vez também que ele comprava
um presente com o próprio dinheiro. Mas minha mãe disse
que eram flores fúnebres, flores de enterro. Não me importei.
Aos catorze anos a ideia de morte me era tão abstrata quanto
a fotossíntese, e certamente quando eu morresse não faria diferença
para mim quais flores estariam sobre meu caixão. Os
lírios mereciam minha gratidão. Coloquei-os num vaso antigo
que nunca servira para nada, e dentro do meu quarto, sob a
janela, ao lado da minha cama.

De noite, minha mãe veio colocá-los para fora.
“Durante a noite, as plantas respiram, Sofia; não é saudável dormir
com uma planta ao lado da cama. Ela acaba lhe roubando
o ar, empestando o ambiente de perfume, sufocando-a; vou
colocar o vaso no jardim.”

Mas o jardim não precisava dos meus lírios. Estava vivo.
Com plantas enraizadas, árvores e rosas de todas as cores. Não é
esse o charme de ganhar um buquê? Levar para dentro de casa
um pouco da vida e da natureza que há lá fora? Colocar um vaso
no jardim, para mim, era como levar sanduíches a uma festa. - Trecho de "Trepadeira."


Foi lançado pela Record em 2011, sem grande alarde. Livro de contos já tem menos repercussão naturalmente, e meu auge já tinha passado; foi meio que ignorado. Reynaldo Damazio fez uma crítica negativa na Folha (e hoje é um amigo querido), mas o Globo deu uma matéria bacaninha, e teve minha quarta entrevista no Programa do Jô.  Acho que foi ok...


Eu estou sempre viajando. Eu nunca conheço um lugar a fundo.
Eu olho para você, vestindo as meias, e sinto em seu olhar
fugidio a decepção. Você não pode se apaixonar. Por isso veio
para cá. Por isso se entregou na primeira noite. Você sabe que
sou um turista, que nosso amor é condenado, por isso fez sexo
comigo. E agora que seus hormônios foram decantados, seu
colo do útero preenchido, sobra apenas a decepção de não poder
e nem querer nada mais. Uma mulher como você não foi
feita para isso. Você veste as meias sentindo a decepção daquele
vazio. Eu nunca vou poder te preencher.

Mas eu também não me satisfiz. Sou apenas um turista.
Visito as cidades e passo por você. Passo por cima. Você é meu
ponto turístico. Mas não te conheço a fundo, nem depois de
pernas abertas, nem depois de ânimos e hormônios decantados.
A gente pode visitar uma cidade e se hospedar num hotel.
A gente pode visitar museus e comprar souvenires. A gente
pode até penetrar numa moradora local. Mas só se sente realmente
em casa quando experimenta uma vida inteira, e uma
morte por lá.

Por isso eu mato.

Você é minha Torre de Pisa.. - de "Você É Meu Cristo Redentor."


A quarta entrevista no Jô. 


A foto de orelha eu mesmo fiz, com timer da câmera, num navio chegando em Helsinque (2010). 

 O livro continua em catálogo na Record. Tenho vontade de fazer um novo volume de contos, mais ou menos na mesma pegada, mas guardarei para um momento de crise criativa, porque já tem romance novo para sair.

O rascunho original de capa - pena que não conseguimos comprar essa foto. 

ENTÂO VOCÊ SE CONSIDERA ESCRITOR?

Então você se considera escritor? (Trago questões, não trago respostas...) Eu sempre vejo com certo cinismo, quando alguém coloca: fulan...