Eu até gosto da capa. Mas acho que sou só eu. |
Pô, orelha bacana para um juvenil, vai? Não sei por que não funcionou... |
Eu já tinha lançado 5 romances e 1 livro de
contos. Então parti pro juvenil.
Ludo-pai: foi essa foto que mandei pro ilustrador, como referência da pose que queria o personagem na capa. Ele fez basicamente uma versão teen minha, para eu não ter como reprovar. |
Apesar de ter livros que tratassem da
adolescência e tivessem certo universo jovem-pop (“Mastigando Humanos” e “O
Prédio, o Tédio e o Menino Cego”), nunca tinha escrito algo voltado diretamente
para o público juvenil.
Do meio das árvores secas da floresta escura emergiu o
maníaco com a máscara de pele humana. Motosserra em
mãos, desceu-a entre as pernas do pobre paraplégico, cortando-
o ao meio, assim como a sua cadeira de rodas. Não
teve nem chance. A menina que estava com ele se pôs a correr
pela floresta, gritando feito bocó, como se alguém pudesse
ajudá-la naquele fi m de mundo escuro. Eu fiquei lá,
vendo tudo, paralisado. Só quando ouvi um pigarro vindo
do canto é que reparei que minha mãe estava na porta
do quarto.
– Ludo, não tinha nada um pouco mais saudável para
você assistir?
Peguei o controle remoto e desliguei o DVD. Não porque
queria satisfazer minha mãe, mas porque sabia que não
ia conseguir assistir ao filme direito com ela lá.
– É um clássico, mãe, um clássico do horror.
Ela fez uma careta.
– Clássico do horror, pffff, nem preciso ouvir mais
nada. Vai dormir logo, que amanhã é seu primeiro dia de
aula, não esquece. - Fodão começar um livro juvenil com uma descrição de "O Massacre da Serra Elétrica", vai? (Se bem que já ficou datado - que moleque hoje que assiste DVD?)
Uma grande editora do segmento aqui de São Paulo
me fez o convite, perguntou se eu não tinha nada direcionado a adolescentes
para lançar por eles. Apresentei a sinopse de “Garotos Malditos”, o editor
curtiu, e me veio com proposta das mais indecorosas. Não só ofereceu um
adiantamento baixo, como a ser pago “quando a primeira versão do livro fosse
aprovada pela editora.” Coisa estranha – se eles estavam me encomendando um juvenil, que pagassem
para escrever. Se o livro só seria pago depois de pronto, eu preferia vender
para a editora que pagasse melhor e que o aceitasse como eu escreveria, como a Record, para quem eu já escrevia.
Ilustração de miolo. |
Foi mais um editor que ficou puto comigo. Eles se
acostumam com autor esmolando para ser publicado, quando vêem que a gente não
precisa deles, baixa a mágoa. Eles desistiram do livro, mas eu tive uma ideia
melhor.
Fiz um projeto e inscrevi no Prêmio Petrobras
Cultural, que dava uma bolsa de 50 mil para o autor escrever o livro. Ganhei o
prêmio e o livro saiu em 2012, pela Record, muito bem patrocinado.
Quarta capa com os logos todos. |
Aqui vale discorrer sobre a lei Rouanet: Foi meu
único livro que teve esse benefício. Para tal, não só tive de concorrer com
outros milhares de proponentes, como atender a toda a burocracia,
contrapartidas e prestação de contas. O dinheiro vem como um prêmio, mas não é
bem assim. Na prática, recebi uma boa grana para escrever (em isenção da
Petrobras), mas fiz propaganda com o logo da empresa e do governo em todos os
livros, todo material de divulgação (incluindo banners e anúncios de metrô) e
tive de doar 10% da tiragem para bibliotecas públicas. Então na prática o
programa te credencia a receber para fazer publicidade da Petrobrás e do
governo federal. Claro, isso em literatura é raro e muito bem vindo, ainda que o processo
todo seja mega burocrático - passei aaaanos com uma contadora específica para isso - mas o governo e as empresas gastariam bem mais com publicidade em outros veículos.
O livro teve anúncios de metrô e busdoor. |
Porém arrisco dizer que talvez tenha sido meu
livro que menos repercutiu. A imprensa em geral não divulga muito literatura
juvenil, mas ao menos teve uma matéria bacana da Maria Fernanda Rodrigues no
Estadão (um jornal que não costuma me prestigiar). A Record não tinha um trabalho em escolas,
o livro ficou meio perdido, mas foi adotado em uma turma ou outra (acho que
hoje seria impossível).
Foi todo ilustrador pelo João Lestrange - menino bacana, que não sei por onde anda. Ele era leitor dos meus livros e sempre me mandava ilustrações - resolvi testar ele nesse. Conversamos basicamente por email, porque na época das prévias eu estava morando na Finlândia (entre 2011 e 2012), vivendo um inverno profundo, do qual quase não sobrevivi. A escrita foi bem difícil para mim - não sei exatamente o motivo -, mas foi meu livro mais difícil de escrever. A Record, como de costume, foi bem tranquila com todo o texto - não é qualquer editora que deixaria sair um juvenil com esse teor de sexo e violência. Sou bem grato a eles por isso.
Essa era minha realidade - 6 meses de inverno escandinavo - durante a finalização do livro. |
Ainda gosto bem do livro. Acho um juvenil bem
ousado e bem engraçado/divertido, algo que eu adoraria ter lido na
adolescência. Tem a mensagem de que “sexo salva”, contra o moralismo e na contramão dos filmes de terror clássicos – aqui, a única forma de escapar das possessões
demoníacas é perdendo a virgindade.
– Posso me sentar aqui com você? – me perguntava a
menina que vomitou em mim no primeiro dia de aula,
já se sentando ao meu lado na hora do recreio. Camila?
Era isso, Camila. Lambia um sorvete de menta – ou pistache,
ou um limão bem verde-ordinário – e me fazia recuar
com medo de que aquela pasta verde fosse ser despejada
de novo sobre mim. – Me desculpe pelo vômito de ontem
– ela voltou a dizer.
Eu franzi a testa e balancei a cabeça como uma introdução
para dizer “não foi nada”, mas não consegui completar
o sentido. Eu mesmo estava comendo um saquinho
de ovos de amendoim e a visão daquele sorvete com a
memória do vômito me deixou meio enjoado.
– São os demônios... – disse ela.
Eu assenti, querendo mudar de assunto. Mas foi isso
mesmo que ela disse? “Demônios”?
– Ou os hormônios – explicou ela. – Dá na mesma.
Sabe, a adolescência...
Eu engoli uma concordância, com a mão cheia de ovinhos.
Observava o estranho movimento do intervalo naquela
escola. Na verdade, nada estranho. De fato, tão estranho
como qualquer intervalo, mas ainda assim, certamente
esquisito. Havia um grupo de alunos na quadra à frente jogando
futebol... mas a bola parecia uma cabeça humana.
Algumas meninas brincavam de roda e entoavam cantigas
– sem problemas, se elas já não tivessem a minha idade e
as cantigas não fossem em latim. E mais da metade dos
alunos dormia pelos corredores, como mendigos, jogados
em farrapos. Aquilo era absolutamente natural, ou o que
poderia se chamar de peculiarmente estranho.
– O pessoal daqui é esquisito mesmo – dizia Camila,
como se adivinhasse meu pensamento.
Eu assenti, de boca cheia.
– É que o colégio tem esse enfoque alternativo, e procura
respeitar as diferenças individuais, as crises pelas quais
cada adolescente passa. Então a gente acha mais estranho
porque cada um está apenas vivendo seu momento
pessoal... ou pelo menos é isso o que a diretora disse à
minha mãe.
Assenti novamente. Achei mais esquisito aquela menina
ficar falando sobre a “proposta pedagógica” do colégio
no intervalo. Não deveríamos estar falando sobre outras
coisas?
– Você é diferente dos meninos daqui...
OK, isso não era espanto para mim. Ela me achava
diferente, como todos os meus colegas sempre acharam.
Só que, naquele colégio, minha diferença não era lá tão
diferente, fala?
Eu torci a boca e resolvi participar ativamente do diálogo:
– Minha mãe acha que este colégio é a minha cara.
Nessa hora, Camila soltou uma risada que me fez virar
a cabeça e olhar para ela. Era uma risada divertida, meio
esganiçada, mas doce, gostosa; gostei daquela risada.
– Como é que um colégio pode ter a cara de alguém? –
perguntou ela.
Eu ri. Pois é. Como é que um colégio pode ter a cara de
alguém? (E eu continuava observando a cara dela. Camila
até que não era feia, não, era interessante. Uma cara de
menina meio desengonçada, é verdade, não era nenhuma
modelo de passarela; mas, na verdade, essas modelos de
passarela não são todas umas catarinas desengonçadas?
E catarina desengonçada era o que me parecia Camila,
talvez. Eu podia ver uma graça. Aquela vomitófora adolescente
ao meu lado não era assim tão má; ao menos
agora abria a boca para despejar coisas que eu mesmo
digerira individualmente.)
Ela continuou:
– Os meninos daqui são muito problemáticos, individualistas,
você é todo animado, cheio de amigos.
Ahn? Animado? Cheio de amigos?
– De onde tirou que sou cheio de amigos? Acabei de
entrar aqui.
– Exato – ela retrucou –, e já é todo popular, conversando
com aquele Dominique com quem ninguém fala,
atraindo a atenção de todo mundo, conquistando as gatinhas.
Hahá. Aquilo era piada ou o quê?
– Conquistando as gatinhas?
– Bem, você não está aqui no intervalo conversando
comigo?
Hahahahahahahá. Menina convencida. Hahahahaha
hahá. Confesso que fiquei sem graça. Hahahahahá.
Fiquei meio sem ter o que dizer. Hahahahahahahahá.
Balançando a cabeça, tentando não olhar para ela, encontrei
Lupe, o menino com a camiseta dos Toxic Avengers,
de pé na minha frente.
– Opa – aproveitei a oportunidade –, bacana sua camiseta. -
(Ohhhh, relendo agora é meu MELHOR LIVRO. Hahaha. Ou nem tanto. Mas é bem fofo, vai? Fiquei com saudades do Ludo. Queria que tivesse pego mais os adolescentes do que "Mastigando Humanos". - Por sinal, é meu único livro com travessões, uma mínima concessão a um padrão escolar pau no cu.)
Eu tinha inclusive ideia para uma sequência: “Garotos
Malditos – Tocando o Terror”, que focaria na banda de rock que Ludo forma no
final do livro. Mas como não vendeu nada, não foi o caso.
De toda forma, o livro continua em catálogo na
Record/Galera.
[Ah, o livro não tem foto na orelha - porque queria que os leitores ficassem com a imagem do Ludo, não de um tiozão de meia idade.]