17/12/2018

RETROSPECTIVA 2018



Com Murilo, num raro dia em que ele não estava na cozinha. 


Que merda de ano.


Pensei em nem fazer retrospectiva – não tenho nada a comemorar, nenhuma conquista, nenhuma boa notícia, nenhuma viagem, nada de dinheiro, não aconteceu absolutamente NADA de bom em 2018 para mim. Mas sei que há milhares de pessoas ávidas, ansiosas em ler minha retrospectiva...


Vidinha. 

Passei metade do ano em Maresias, numa casa ao lado da praia, só para causar inveja alheia, já que eu mesmo não podia ser feliz.


Recebi pouquíssimos amigos, como o LF, na virada do ano. 


A realidade é que Murilo – meu namorido de quase 6 anos – é chef de um hotel por lá, e era o único jeito de ficarmos juntos. Ele ficava no hotel, do café da manhã até depois do jantar, e eu ficava sozinho em casa, sem internet, sem televisão e sem trabalho. Aproveitei para ler e escrever, é claro. Levei uma pilha de livros de pesquisa, botei um novo romance em pé e de resto passei cozinhando, bebendo, apanhando do marido quando ele chegava em casa tarde da noite, provava o feijão e dizia “falta sal” (exagero... mas nem tanto).

Nossos vizinhos lindinhos. 

 Essa nova temporada litorânea me trouxe uma relação intensa com a natureza. Dessa vez eu nem precisava me aventurar – eu mal ia para a praia – a natureza me invadia. O forro da casa era tomado de gambás, que se alvoroçavam de noite e me davam assombrações reais, tinha de fechar as janelas para eles não virem atacar minha coelha. A casa era vizinha de muro de um mangue, e éramos invadidos por pererecas; um dia encontrei uma suicida, seca dentro do pote de SAL. E tinha as cobras: teve uma que literalmente cutucou meu pé enquanto eu estava na varanda escrevendo. E nunca me esquecerei de quando acordei às seis de uma manhã chuvosa, fui mijar, olhei pela janela e vi uma cobra enorme entrando no quartinho de despejo; me deu uma sensação estranhíssima, surreal, de que os sonhos continuavam em vida...

Essa pequenininha foi que cutucou meu pé - nunca vi cobra vir atrás de gente. 


Mas essa foi a parte boa.


Gaia foi mais feliz na praia do que eu. E escapou das cobras. 

Voltei pra São Paulo no meu aniversário – em que não comemorei, não teve bolo, não teve presente, não fiz nada – daí passei mais seis meses trancado, com qualidade do ar pior, mas com internet e TV a cabo.

Com Sergio Biscaldi e Antonio Xexenesky, em Extrema. 

A ÚNICA viagem do ano, a trabalho, foi para fronteira de Minas, a uma hora daqui, para mediar mesas no Festival Literário de Extrema. Foi bacaninha e pagou direitinho.

Mediando Fernanda Young.
Tive mais três mesas em São Paulo – Bienal, CCJ e Cozinha da Doidivana – e só. Tudo bem que fiz VINTE E QUATRO mesas ano passado – mas ser ignorado assim, depois de nove livros lançados, é para a gente se sentir mesmo em baixa.


De resto, nada. As eleições serviram para acabar de vez com meu ânimo. Briguei com muita gente, batalhei para que vissem o óbvio – parecia que tudo o que escrevi, que fiz a vida toda não serviu pra nada, que ninguém entendeu- gente muito próxima que veio com “Bolsonaro nem é tão mal assim, pior é a roubalheira do PT” deixou claro que não é tão solidária com minha condição de homossexual e de escritor, que não liga em ter um presidente (um jegue) que me condena. Da minha família, só minha irmã ficou do meu lado.

Em novembro teve show do Blondie - bacaninha - único que fui este ano.  Na música, nem o CD novo do Suede prestou. 

Para ter um fiapo de ânimo, apesar da crise editorial, nesses últimos meses o trabalho deu uma boa melhorada, voltaram as traduções, estou com bastante coisa e parece que que ao menos o começo do ano está salvo. Eu tenho um infantil para sair – que deveria ter saído este ano, mas atrasaram horrores nas ilustrações – e um romance novo, que com muito otimismo sairá no segundo semestre (mas eu não apostaria). A falência das livrarias está inviabilizando tudo...


Nos últimos meses fiz um texto para a matéria de capa da Época, matéria de capa do jornal Cândido e ainda teve um punhado de resenhas para a Folha ao longo do ano. 

Agora tô pensando em aproveitar as traduções, ficar só no trabalho, esquecer natal, réveillon, carnaval e tudo mais – capaz de nem pra Maresias eu ir, porque Murilo fica no estresse total de verão.

Com Murilo, numa rara passagem dele por São Paulo. 

De todo modo, já fui muito feliz nessa vida, se tudo acabar para mim já deu...

15/12/2018

NEVE NEGRA (2017)


Gosto da capa - foi toda feita pela editora, só dei o briefing de colocar neve sobre um fundo negro (e pedi 20 vezes para aumentarem meu nome). 

Ela podia ser minha filha, mas não é.

Acordo e a vejo aqui, confirmando o perfume que faz parte
dos meus sonhos. É doce, mas suave. Fresco e ancestral. Inspiração.
A cada movimento involuntário ela está dentro de mim. Um
suspiro maior e me obrigo a certificar‑me em soslaio. Acordar ao
lado de uma bela mulher é a melhor maneira de confirmar que
estamos vivos.

Quando vê que abro os olhos, ela fecha os seus, fingindo dormir
ao meu lado. Durma, que faz tudo planar mais gostoso. Sinto
o gosto em minha boca. A química no meu sangue. Puxo o cobertor
sobre o colo me perguntando se ela reparou em minha ereção,
se não deveria reparar; lateja armada sob minha calça de linho.
Não é por causa dela, não, na minha idade as respostas não
são tão objetivas. É essa mistura de bourbon, dramin, melatonina.
Meu corpo já está farto e tem reações aleatórias quando
deveria apenas se entregar ao sono. Tento nocauteá‑lo com os
aditivos. Acordo com o membro rígido, a mente fritando,
mesmo que os circuitos lá atrás estejam prestes a se apagar novamente, 
colocar‑me em modo avião. Não é uma sensação ruim,
longe disso. Tem algo de lisérgico. Talvez a combinação desperte
químicas arquivadas décadas atrás, liberte memórias
reprimidas, chicoteie o adolescente morto em mim. De repente,
se eu apenas retirar o dramin, talvez eu consiga um resultado
mais suave. Embora eu não deva rejeitar uma ereção dessas na
minha idade, é um desperdício; não há nada que eu possa fazer
aqui, agora.

Ela poderia ser minha filha, tem idade para isso, não é, e
dorme ao meu lado. Fomos encaixados nessa intimidade incidental.
Acidente dos mais bem‑vindos. Já viajei o suficiente para
saber que uma jovem atraente na poltrona logo ao lado é das coisas
mais raras na classe business premium.


Estamos chegando ao fim da retrospectiva, o resgate dos meus 9 livros publicados. O feedback dos posts - no Instagram, no Facebook - complementou para mim, e deu uma medida de como o pessoal enxerga minha obra. (E não, não permitirei nunca mais comentários neste blog - peguei trauma depois da invasão de haters que tive quando eu estava no auge.)

Os favoritos do pessoal, é claro, permanecem os meus primeiros, até "Mastigando Humanos", que foi de longe o que mais vendeu. Talvez o melhor que eu pudesse fazer por minha obra teria sido morrer em 2007. Mas continuo acreditando, insistindo, fazendo...



Dito, isso, em 2015 eu começava a rascunhar um novo romance, com outra pegada, tratando de um tema histórico e importante, como um desafio para minha carreira.

Recebi, porém, uma encomenda. Joca Terron fez uma curadoria para a RT Features – produtora de cinema brasileira com co-produções importantes lá fora, como “A Bruxa” e “Call Me by Your Name”; eles são das raras produtoras brasileiras que compram e negociam sistematicamente direitos autorais de literatura brasileira. A proposta do Joca era fazer uma coleção de livros literários de terror, ou o que foi posteriormente chamado de “pós-terror”; a RT Features ficaria com os direitos para cinema e a Companhia das Letras teria preferência na publicação. Pagavam na planta, para o que eu quisesse fazer dentro do tema, com no mínimo 250 mil toques (cerca de 200 páginas) a ser escrito dentro de um ano.

Na noite mais fria do ano, na cidade mais fria do Brasil, um pai de família volta para casa. Pintor de sucesso, com uma arte de gosto discutível, passa boa parte de seu tempo em feiras e exposições no exterior. Ao chegar à sua cidade natal, na Serra Catarinense, tem início uma sequência de eventos que porão em xeque suas certezas.

Enquanto a neve cai la fora e sua família dorme tranquilamente, um estranho ronda a sua casa e sua pastora-belga agoniza sangrando no quintal. Mas só quando seu filho de sete anos desperta é que de fato começa o pesadelo que acabará com o aconchego do lar.

Ambientado num raro cenário de neve no Brasil, este habilidoso misto de terror psicológico e drama familiar expõe paranoias ancestrais da paternidade: Não reconheço mais meu filho. O filho é mesmo meu? Há algo de errado com ele?

Nona obra de Santiago Nazarian, um dos autores mais originais da cena brasileira contemporânea, Neve Negra retrata a perturbadora luta de um pai contra os próprios demônios, num romance que mescla questões existenciais com o humor negro de que só Nazarian é capaz.

 - Gosto mais ou menos da orelha, foi feita meio por mim, meio pela editora, foi muito mexida e acho que ficou um pouco embolada. 



Foi uma bela encomenda, um bom dinheiro, e uma ótima oportunidade de finalmente fazer um livro assumidamente de terror. Só não foi um desafio, porque foi algo que fiz com o pé nas costas.



“Neve Negra” foi uma continuação natural de BIOFOBIA, ambas histórias de terror passadas numa casa isolada, com poucos personagens, tratando de questões familiares. Aqui quis tratar da questão da paternidade, eu mesmo contemplando a ideia de (não) ter filhos. Pensei também em como o raro fenômeno da neve no Brasil podia gerar um cenário inédito e mergulhei na história. Foi entregue antes do prazo - porque eu nunca, JAMAIS furo um prazo – e saiu em 2017 pela Companhia das Letras (que desistiu da ideia de coleção e lançou de forma independente).


Essa migração para a Companhia se deu de forma natural, porque a proposta da RT Features estava atrelada a eles. Poderiam recusar o texto final, mas gostaram bastante do livro. Foi importante para mim também, conhecer e trabalhar com a editora mais prestigiada do Brasil. Realmente eles têm um trabalho mais cuidadoso de edição, leitura – pediram boas modificações, como o corte de dois capítulos (dos quais cortei só um) – e o selo da editora faz toda a diferença.

Dentro do livro há um livro infantil - quando pai se senta com o filho para lhe ler uma história - ilustrado todo pelo Laurent Cardon; também foi cuidado direto pela editora, não tive muita interferência, mas adorei o resultado. 

Uma mudança um pouco amarga para mim foi no título. Inicialmente se chamaria “TREVOSO”, que não apenas é um termo bem usado na comunidade gótica, mas também foi incorporado numa “entidade” do livro e segue essa linha do terror atual de usar adjetivos (“Insidious”, “Sinister”, “Malicious”).  A editora não gostou, muita gente não gostou, e pediram para eu pensar em alternativas. Como era meu primeiro livro com eles, achei por bem ceder, e eu mesmo vim com o genérico “Neve Negra” – embora numa pesquisa tivesse aparecido um obscuro filme espanhol com o mesmo nome. Aconteceu que o filme não era exatamente obscuro, apenas estava ainda por ser lançado. E “Neve Negra” com o Ricardo Darín foi lançado EXATAMENTE na mesma época que meu livro.

O filme é ok. Não é ruim, mas meu livro é melhor.


Ainda que eu concorde que TREVOSO é um título pouco literário, “Neve Negra” ficou como uma pequena mancha na minha bibliografia de títulos tão inspirados.

O livro saiu no segundo semestre de 2017. Não teve NENHUMA resenha negativa, mas também teve muito mais matérias-entrevistas do que resenhas - o melhor texto foi o do Cristóvão Tezza, na Folha. O povo gostou, mas não o suficiente, e foi mais um livro morno entre meus lançamentos.

O lançamento na Blooks, com os queridos Xerxenesky e Tati Bernardi. 

Está com os direitos vendidos para cinema com a RT Features, e até sei de gente empolgada em levar para as telas. Mas nesses anos todos já percebi que isso não significa grande coisa, não significa que vá acontecer. Ao menos foi uma grana bacana para escrever.

Tenho muito orgulho do livro – realizei um sonho de fazer um livro de terror , e acho um terror foda. É um livro muito pouco pessoal, e isso também é motivo de orgulho para mim, como contador de histórias.
 
Foto de orelha foi mais um auto-retrato, tirado no meu aniversário de 40 anos. 

Sigo agora com o projeto anterior, um livro bem mais ambicioso, com um tema histórico, que exigiu muita pesquisa. Esses tempos "trevosos", de crise na cultura, nas livrarias, nas editoras deixa tudo mais difícil. Mas vai sair. Sigo com fé. 

08/12/2018

BIOFOBIA (2014)


Minha melhor capa. (Meu melhor livro?)


Aos pés da casa, ela se ajoelhava. De botas, luvas,
chapéu, arrancava trevos do solo e brotos de samambaias.
Pragas. Infestavam o terreno e tomavam conta
de tudo, se ela não tomasse conta. Ela nunca pensou
que o mato precisasse ser disciplinado, mas precisava.
Era como tudo selvagem, afinal: animais, crianças,
cabelo. Para parecer apenas natural, tinha de ser contido
— ou pareceria histérico, doloroso, moribundo.
Se o deixasse livre e solto, se tornava desordenado,
agressivo, cruel. A natureza é madrasta. A verdade da
mata é impenetrável, intransponível, inabitável, não
se pode pôr os pés lá. Não há trilhas, não há frutos,
não há para onde avançar nem para onde fugir. Tudo
se torna um emaranhado de ramos, picões, cipós.
O mato impede o avanço. A mata impede o recuo.
Sementes duelam com sementes que duelam com
o solo que duelam com formigas que querem levar
as sementes para longe. Mamíferos subindo pelas
Pássaros saltando de galho em galho. Frutas
mordidas, madeira corroída, nada é harmônico
e nada ornamental. Para se ter um belo bosque em
seu terreno é preciso uma equipe de paisagistas que
vença a guerra. Ou muito esforço, suor e sangue
derramado.

Próximo aos 40, com 7 livros lançados, o sucesso anos atrás, pensava se o melhor já tinha mesmo passado, se minha carreira agora seguiria morna, sem brilho.

Foto de orelha, do Murilo - entalhando a referência para a capa. 

BIOFOBIA foi escrito muito nesse espírito, me sentindo esquecido pelo meio literário e pelo mundo, solteiro havia quatro anos, solitário, depois de ter me mudado para duas cidades em que eu não conhecia ninguém (Florianópolis e Helsinque), começando a sentir o peso da idade, o corpo que não era o mesmo, a cabeça lesada...

Conhecer o Murilo em 2013 foi colocando minha cabeça no lugar. E voltei ao romance adulto (em todos os sentidos).


Boa orelha. (Tinha pedido uma orelha assinada pelo Michel Laub, que provavelmente não gostou do livro e fez um texto que era praticamente uma crítica - a editora ficou puta e novamente fui eu fazer o texto.)

Canalizei todas essas frustrações num personagem, o protótipo de um loser, um quarentão alcoólatra, cocainômaco, um artista sem arte, que vive de um sucesso do passado, que nem foi tão bem sucedido assim.

A escolha pelo roqueiro foi para fugir do clichê do “escritor em crise”, e também para reforçar a dor da juventude perdida – no meio musical, o sucesso têm de acontecer cedo.  A ambientação (o grande personagem da história) é basicamente a casa da minha mãe, em São Roque.

Escrevendo no próprio cenário. 

Foi meu quinto lançamento pela Record. E a primeira vez que tive um (ótimo) trabalho de edição – o Lucas Bandeira de Melo deu ótimas sugestões; uma delas era ir revelando aos poucos a decadência do personagem, de início acharíamos que ele de fato podia ser um rockstar; boa ideia, mas que não se encaixava na minha necessidade de revolver todo o fracasso de uma vida; de todo modo, incorporei essa ideia no roteiro para o cinema.

A equipe do filme que (ainda) não foi.

Sim, há um roteiro para cinema. Com tantos livros lançados e nenhum devidamente adaptado para as telas, abordei o Beto Brant ao encontrá-lo numa festa na casa da Márcia Tiburi. “Quando é que você vai adaptar um livro meu?” Entreguei o livro para ele em seguida e um mês depois ele sugeria que inscrevêssemos o projeto de longa num edital de roteiro. Ganhamos o edital, veio mais uma boa grana, e escrevi o roteiro em parceria com Renato Ciasca, sócio dele, com coordenação do Marçal Aquino.




O livro na verdade já foi escrito pensando nas possibilidades de adaptação – tanto para o cinema quanto para o teatro; não é à toa que é passado todo numa única locação e nunca tem mais de três personagens em cena (pensava em fazer a peça com apenas três atores – dois homens e uma mulher).

Escrevi o roteiro, escrevi a peça – Laerte Késsimos e Eric Lenate se empolgaram em levar ao teatro – mas, como sempre, até hoje não deu em nada. Não conseguiram captar para a produção e se encontra num limbo incerto. 

Gravando o booktrailer. 

Isso remete a uma reflexão importante embutida no livro: até que ponto posso sobreviver nesse “lado B”, nesse universo “alternativo”, sendo sempre considerado “diferente”, “original”, "underground", mas nunca entre os “melhores”. Até que ponto isso é resultado da busca da diferença em si – “quem é diferente não faz diferença” – ou até que ponto eu simplesmente não sou bom o suficiente? Não consigo avaliar. Me acostumei tanto com gente dizendo: “você escreve bem, mas não me identifico com seus temas.”


Ele até conquistara um público fiel, uma aura cult,
mas nunca prêmio algum, nunca fora além. Nunca
fora cantor do ano, sua banda nunca a mais pedida
no rádio. Talvez não merecesse — quem poderia dizer?
Ele próprio não tinha capacidade de avaliar. Só
queria acreditar, precisava acreditar; é muito duro ter
de se contentar com a própria mediocridade. Nem
todo mundo pode ser grande, é verdade. Mas mesmo
um vendedor de concessionária pode ser rei dentro de
casa, pode ser exemplo dentro de casa, pode ser chefe
de família. Ele era exemplo-rei-chefe de quê, de uma
quitinete vazia no baixo augusta? Era esse o ponto.
Via tantos outros artistas supervalorizados. Talvez
não quisesse realmente — a sua era uma música mais
alternativa, menos comercial. Nunca esperou unanimidade,
nunca quis ser mainstream. Não podia esperar
conquistar as massas. Porém, quem faz diferente não
faz a menor diferença. Quem não diz o que já se sabe
não é ouvido. Agora já fazia quase uma década que
não gravava e continuava enganando em shows com
covers e sucessos do passado. Semissucessos do passado.
Grandes fracassos.


Tem gente (como a Ivana Arruda Leite) que acha que reclamo demais – ganhei aí um prêmio ou outro; publiquei sempre por grandes editoras, tenho boa entrada na mídia – mas geralmente é gente que não gosta do que eu escrevo, que acha que tenho mais do que mereço.

Bem, ao menos tenho mais do que o André, meu personagem - criá-lo fez parte disso, de colocar um ser em baixa para eu me sentir melhor nas minhas conquistas...


O livro foi bem resenhado. Adorei um texto do Galera sobre o livro no Globo. Só no Estadão que teve uma crítica demolidora – André de Leones já tinha feito uma avaliação péssima no Goodreads e PEDIU para escrever no jornal (segundo me disse o pessoal do próprio Estado); se tivessem encomendado para ele a resenha e ele não tivesse gostado, entendo, tá no direito de meter o pau, mas que filho da puta PEDE para publicar uma resenha metendo pau num colega? Se eu não gosto de um livro, eu não sugiro. Não tenho (não tinha) nenhuma treta pessoal com esse ser, nunca o encontrei pessoalmente, mas se tornou inimigo mortal para o resto da vida.



O mais bacana foi a entrevista no Metrópoles, com Manuel da Costa Pinto, que adorou o livro.


Com Nicole. 
O livro é dedicado a Nicole (Witt), que foi minha agente por mais de dez anos, que eu sentia que era a única que esperava mais um livro meu. A capa foi feita pelo Taiya Locherbach, amigo de Florianópolis. Eu entalhei o título numa árvore, como referência, e mandei para ele, que entalhou sua própria árvore e tirou a foto. Também gravei um booktrailer - pela primeira e última vez -, gostei bem do resultado, mas é um puta trabalho, a gente mobiliza um monte de gente e só tem meia dúzia de visualizações; acho que não agrega em nada ao livro.


Irmãozinho Taiya me deu minha melhor capa. 

(a versão estendida do trailer)


Continua em catálogo na Record – foi outro livro que não vendeu nada. Com certeza é dos melhores meus, embora o povo em geral prefira o romantismo gótico dos primeiros.

03/12/2018

AS COISAS



Dia desses estive no Mix Literário - braço literário do Festival Mix Brasil - para ouvir o que os novos autores gays têm a dizer. Gosto de acompanhar a cena, mas o filtro é sempre difícil, com tanta gente ruim escrevendo, o que desmotiva muito o garimpo. Aqui pelo menos eu teria a (ótima) curadoria do Alexandre Rabelo, e alguns nomes que eu já conhecia e já dei força, como o Hugo Guimarães e Danilo Leonardi.

Nessa época de crise editorial, falência de livrarias, levanta-se a bandeira de "leia autores independentes", "editoras pequenas", "autores não-cis", "fora do eixo Rio-São Paulo", a cota parece não ter fim.

Enquanto que é verdade que algumas editoras menores arriscam em publicações menos comerciais (ou não conseguem os autorzões de peso), muitas delas estão simplesmente cobrando para publicar novos autores que não conseguem entrar nas maiores casas. Isso não é necessariamente demérito, vários grandes começaram pagando para serem publicados ou investiram na auto-publicação (como Daniel Galera e Ana Paula Maia). Mas isso também dá entrada a gente que jamais conseguiria publicar de outra forma, porque não tem talento o suficiente.

É preciso conhecer as casas editoriais para entender as que têm um critério de qualidade, mesmo quando cobram parte dos custos do autor.

Dito isso, estava pessoalmente curioso em conhecer Tobias Carvalho, que venceu o Prêmio Sesc de Literatura, na categoria contos, aos vinte e três anos de idade. Como resultado do prêmio, seu livro saiu pela Record, uma das maiores editoras do país. E foi só começar a ouvi-lo ler que ficou evidente que havia algo lá - que ganhar um prêmio desses não foi à toa. Se moleques como esse fazem por merecer estar nas grandes, por que insistir nessa de "só as pequenas (se) salvam"?

Assim, escrevi sobre o livro de estreia de Carvalho, este fim de semana na Folha. Curioso que na mesma página Ricardo Domeneck analisa a obra de Mailson Furtado, poeta que ganhou o Jabuti de livro do ano com uma auto-publicação. A pertinente análise de Domeneck levanta luzes sobre critérios atuais.

Segue o meu texto na Folha:


É preciso muita autoconfiança ou total desprendimento para se batizar um livro de estreia com um genérico “As Coisas”. Entretanto, publicada como vencedora do Prêmio Sesc de Literatura, na categoria contos, a primeira obra do gaúcho Tobias Carvalho já sai com o devido destaque que se sobressai ao título. Com um histórico de quinze anos, o prêmio se firmou na cena literária nacional, não só pela qualidade de seus autores (como Luisa Geisler, Rafael Gallo e Marcos Peres), mas por todo o suporte que o próprio Sesc oferece aos vencedores, fazendo-os circularem pelas unidades do país. 
 “As Coisas” de Tobias Carvalho são os órgãos sexuais masculinos. Ou ao menos é a nona definição que ele apresenta da palavra ao abrir o livro. Em vinte e três contos curtos, o livro foca a vida amorosa-sexual de jovens porto-alegrenses que se confundem com o próprio autor, numa narrativa entre a confessional e a auto-ficção. Se parece tão biográfico (sendo ou não) é pela verdade que Carvalho consegue exprimir e a identificação que consegue causar. Os aplicativos de pegação, o sexo descompromissado, as conversas desajeitadas antes e depois do sexo, criam um universo melancólico atemporal, ainda que muito atual. A escrita é limpa, com um caráter orgânico que remete ao escritor gaúcho Caio Fernando Abreu – uma comparação aparentemente inescapável para jovens autores gays – porém com um sentimentalismo mais sutil, menos derramado.

                Nem tudo funciona. Nos poucos contos em que o protagonista muda de perfil, a voz se torna menos pessoal e menos verdadeira - o talento para criar personagens ainda não se flagra de forma evidente. Ainda assim, “As Coisas” é uma belíssima estreia, de um autor que já chega com o mais importante: veia. Não é pouca coisa.


Avaliação: Ótimo.   



01/12/2018

GAROTOS MALDITOS (2012)



Eu até gosto da capa. Mas acho que sou só eu. 


Pô, orelha bacana para um juvenil, vai? Não sei por que não funcionou...



Eu já tinha lançado 5 romances e 1 livro de contos. Então parti pro juvenil.

Ludo-pai: foi essa foto que mandei pro ilustrador, como referência da pose que queria o personagem na capa. Ele fez basicamente uma versão teen minha, para eu não ter como reprovar. 

Apesar de ter livros que tratassem da adolescência e tivessem certo universo jovem-pop (“Mastigando Humanos” e “O Prédio, o Tédio e o Menino Cego”), nunca tinha escrito algo voltado diretamente para o público juvenil.


Do meio das árvores secas da floresta escura emergiu o
maníaco com a máscara de pele humana. Motosserra em
mãos, desceu-a entre as pernas do pobre paraplégico, cortando-
o ao meio, assim como a sua cadeira de rodas. Não
teve nem chance. A menina que estava com ele se pôs a correr
pela floresta, gritando feito bocó, como se alguém pudesse
ajudá-la naquele fi m de mundo escuro. Eu fiquei lá,
vendo tudo, paralisado. Só quando ouvi um pigarro vindo
do canto é que reparei que minha mãe estava na porta
do quarto.
– Ludo, não tinha nada um pouco mais saudável para
você assistir?
Peguei o controle remoto e desliguei o DVD. Não porque
queria satisfazer minha mãe, mas porque sabia que não
ia conseguir assistir ao filme direito com ela lá.
– É um clássico, mãe, um clássico do horror.
Ela fez uma careta.
– Clássico do horror, pffff, nem preciso ouvir mais
nada. Vai dormir logo, que amanhã é seu primeiro dia de
aula, não esquece. - Fodão começar um livro juvenil com uma descrição de "O Massacre da Serra Elétrica", vai? (Se bem que já ficou datado - que moleque hoje que assiste DVD?)




Um dos estudos de capa. 

Uma grande editora do segmento aqui de São Paulo me fez o convite, perguntou se eu não tinha nada direcionado a adolescentes para lançar por eles. Apresentei a sinopse de “Garotos Malditos”, o editor curtiu, e me veio com proposta das mais indecorosas. Não só ofereceu um adiantamento baixo, como a ser pago “quando a primeira versão do livro fosse aprovada pela editora.” Coisa estranha – se eles estavam me encomendando um juvenil, que pagassem para escrever. Se o livro só seria pago depois de pronto, eu preferia vender para a editora que pagasse melhor e que o aceitasse como eu escreveria, como a Record, para quem eu já escrevia. 


Ilustração de miolo.
Foi mais um editor que ficou puto comigo. Eles se acostumam com autor esmolando para ser publicado, quando vêem que a gente não precisa deles, baixa a mágoa. Eles desistiram do livro, mas eu tive uma ideia melhor.

Fiz um projeto e inscrevi no Prêmio Petrobras Cultural, que dava uma bolsa de 50 mil para o autor escrever o livro. Ganhei o prêmio e o livro saiu em 2012, pela Record, muito bem patrocinado.


Quarta capa com os logos todos. 

 
Aqui vale discorrer sobre a lei Rouanet: Foi meu único livro que teve esse benefício. Para tal, não só tive de concorrer com outros milhares de proponentes, como atender a toda a burocracia, contrapartidas e prestação de contas. O dinheiro vem como um prêmio, mas não é bem assim. Na prática, recebi uma boa grana para escrever (em isenção da Petrobras), mas fiz propaganda com o logo da empresa e do governo em todos os livros, todo material de divulgação (incluindo banners e anúncios de metrô) e tive de doar 10% da tiragem para bibliotecas públicas. Então na prática o programa te credencia a receber para fazer publicidade da Petrobrás e do governo federal. Claro, isso em literatura é raro e muito bem vindo, ainda que o processo todo seja mega burocrático  - passei aaaanos com uma contadora específica para isso - mas o governo e as empresas gastariam bem mais com publicidade em outros veículos. 

O livro teve anúncios de metrô e busdoor. 

Porém arrisco dizer que talvez tenha sido meu livro que menos repercutiu. A imprensa em geral não divulga muito literatura juvenil, mas ao menos teve uma matéria bacana da Maria Fernanda Rodrigues no Estadão (um jornal que não costuma me prestigiar). A Record não tinha um trabalho em escolas, o livro ficou meio perdido, mas foi adotado em uma turma ou outra (acho que hoje seria impossível).

O "lançamento" foi na Bienal de SP, depois de um debate inchado pra caralho, com Giulia Moon, André Vianco, a Garota da Capa Vermelha e mais uma caralhada. Tinha mais gente na mesa que para autografar o livro depois. 



Foi todo ilustrador pelo João Lestrange - menino bacana, que não sei por onde anda. Ele era leitor dos meus livros e sempre me mandava ilustrações - resolvi testar ele nesse. Conversamos basicamente por email, porque na época das prévias eu estava morando na Finlândia (entre 2011 e 2012), vivendo um inverno profundo, do qual quase não sobrevivi. A escrita foi bem difícil para mim - não sei exatamente o motivo -, mas foi meu livro mais difícil de escrever.  A Record, como de costume, foi bem tranquila com todo o texto - não é qualquer editora que deixaria sair um juvenil com esse teor de sexo e violência. Sou bem grato a eles por isso. 

Essa era minha realidade - 6 meses de inverno escandinavo - durante a finalização do livro. 

Ainda gosto bem do livro. Acho um juvenil bem ousado e bem engraçado/divertido, algo que eu adoraria ter lido na adolescência. Tem a mensagem de que “sexo salva”, contra o moralismo e na contramão dos filmes de terror clássicos – aqui, a única forma de escapar das possessões demoníacas é perdendo a virgindade.


– Posso me sentar aqui com você? – me perguntava a
menina que vomitou em mim no primeiro dia de aula,
já se sentando ao meu lado na hora do recreio. Camila?

Era isso, Camila. Lambia um sorvete de menta – ou pistache,
ou um limão bem verde-ordinário – e me fazia recuar
com medo de que aquela pasta verde fosse ser despejada
de novo sobre mim. – Me desculpe pelo vômito de ontem
– ela voltou a dizer.

Eu franzi a testa e balancei a cabeça como uma introdução
para dizer “não foi nada”, mas não consegui completar
o sentido. Eu mesmo estava comendo um saquinho
de ovos de amendoim e a visão daquele sorvete com a
memória do vômito me deixou meio enjoado.

– São os demônios... – disse ela.

Eu assenti, querendo mudar de assunto. Mas foi isso
mesmo que ela disse? “Demônios”?

– Ou os hormônios – explicou ela. – Dá na mesma.
Sabe, a adolescência...

Eu engoli uma concordância, com a mão cheia de ovinhos.
Observava o estranho movimento do intervalo naquela
escola. Na verdade, nada estranho. De fato, tão estranho
como qualquer intervalo, mas ainda assim, certamente
esquisito. Havia um grupo de alunos na quadra à frente jogando
futebol... mas a bola parecia uma cabeça humana.
Algumas meninas brincavam de roda e entoavam cantigas
– sem problemas, se elas já não tivessem a minha idade e
as cantigas não fossem em latim. E mais da metade dos
alunos dormia pelos corredores, como mendigos, jogados
em farrapos. Aquilo era absolutamente natural, ou o que
poderia se chamar de peculiarmente estranho.

– O pessoal daqui é esquisito mesmo – dizia Camila,
como se adivinhasse meu pensamento.
Eu assenti, de boca cheia.

– É que o colégio tem esse enfoque alternativo, e procura
respeitar as diferenças individuais, as crises pelas quais
cada adolescente passa. Então a gente acha mais estranho
porque cada um está apenas vivendo seu momento
pessoal... ou pelo menos é isso o que a diretora disse à
minha mãe.

Assenti novamente. Achei mais esquisito aquela menina
ficar falando sobre a “proposta pedagógica” do colégio
no intervalo. Não deveríamos estar falando sobre outras
coisas?

– Você é diferente dos meninos daqui...

OK, isso não era espanto para mim. Ela me achava
diferente, como todos os meus colegas sempre acharam.
Só que, naquele colégio, minha diferença não era lá tão
diferente, fala?

Eu torci a boca e resolvi participar ativamente do diálogo:
– Minha mãe acha que este colégio é a minha cara.

Nessa hora, Camila soltou uma risada que me fez virar
a cabeça e olhar para ela. Era uma risada divertida, meio
esganiçada, mas doce, gostosa; gostei daquela risada.
– Como é que um colégio pode ter a cara de alguém? –
perguntou ela.

Eu ri. Pois é. Como é que um colégio pode ter a cara de
alguém? (E eu continuava observando a cara dela. Camila
até que não era feia, não, era interessante. Uma cara de
menina meio desengonçada, é verdade, não era nenhuma
modelo de passarela; mas, na verdade, essas modelos de
passarela não são todas umas catarinas desengonçadas?
E catarina desengonçada era o que me parecia Camila,
talvez. Eu podia ver uma graça. Aquela vomitófora adolescente
ao meu lado não era assim tão má; ao menos
agora abria a boca para despejar coisas que eu mesmo
digerira individualmente.)

Ela continuou:

– Os meninos daqui são muito problemáticos, individualistas,
você é todo animado, cheio de amigos.

Ahn? Animado? Cheio de amigos?

– De onde tirou que sou cheio de amigos? Acabei de
entrar aqui.

– Exato – ela retrucou –, e já é todo popular, conversando
com aquele Dominique com quem ninguém fala,
atraindo a atenção de todo mundo, conquistando as gatinhas.

Hahá. Aquilo era piada ou o quê?

– Conquistando as gatinhas?

– Bem, você não está aqui no intervalo conversando
comigo?

Hahahahahahahá. Menina convencida. Hahahahaha
hahá. Confesso que fiquei sem graça. Hahahahahá.
Fiquei meio sem ter o que dizer. Hahahahahahahahá.
Balançando a cabeça, tentando não olhar para ela, encontrei
Lupe, o menino com a camiseta dos Toxic Avengers,
de pé na minha frente.

– Opa – aproveitei a oportunidade –, bacana sua camiseta. - 

(Ohhhh, relendo agora é meu MELHOR LIVRO. Hahaha. Ou nem tanto. Mas é bem fofo, vai? Fiquei com saudades do Ludo. Queria que tivesse pego mais os adolescentes do que "Mastigando Humanos". - Por sinal, é meu único livro com travessões, uma mínima concessão a um padrão escolar pau no cu.)


Eu tinha inclusive ideia para uma sequência: “Garotos Malditos – Tocando o Terror”, que focaria na banda de rock que Ludo forma no final do livro. Mas como não vendeu nada, não foi o caso.

De toda forma, o livro continua em catálogo na Record/Galera.



[Ah, o livro não tem foto na orelha - porque queria que os leitores ficassem com a imagem do Ludo, não de um tiozão de meia idade.]

NESTE SÁBADO!