Gosto da capa - foi toda feita pela editora, só dei o briefing de colocar neve sobre um fundo negro (e pedi 20 vezes para aumentarem meu nome). |
Ela podia ser minha filha, mas não é.
Acordo e a vejo aqui, confirmando o perfume que faz parte
dos meus sonhos. É doce, mas suave. Fresco e ancestral. Inspiração.
A cada movimento involuntário ela está dentro de mim. Um
suspiro maior e me obrigo a certificar‑me em soslaio. Acordar ao
lado de uma bela mulher é a melhor maneira de confirmar que
estamos vivos.
Quando vê que abro os olhos, ela fecha os seus, fingindo dormir
ao meu lado. Durma, que faz tudo planar mais gostoso. Sinto
o gosto em minha boca. A química no meu sangue. Puxo o cobertor
sobre o colo me perguntando se ela reparou em minha ereção,
se não deveria reparar; lateja armada sob minha calça de linho.
Não é por causa dela, não, na minha idade as respostas não
são tão objetivas. É essa mistura de bourbon, dramin, melatonina.
Meu corpo já está farto e tem reações aleatórias quando
deveria apenas se entregar ao sono. Tento nocauteá‑lo com os
aditivos. Acordo com o membro rígido, a mente fritando,
mesmo que os circuitos lá atrás estejam prestes a se apagar novamente,
colocar‑me em modo avião. Não é uma sensação ruim,
longe disso. Tem algo de lisérgico. Talvez a combinação desperte
químicas arquivadas décadas atrás, liberte memórias
reprimidas, chicoteie o adolescente morto em mim. De repente,
se eu apenas retirar o dramin, talvez eu consiga um resultado
mais suave. Embora eu não deva rejeitar uma ereção dessas na
minha idade, é um desperdício; não há nada que eu possa fazer
aqui, agora.
Ela poderia ser minha filha, tem idade para isso, não é, e
dorme ao meu lado. Fomos encaixados nessa intimidade incidental.
Acidente dos mais bem‑vindos. Já viajei o suficiente para
saber que uma jovem atraente na poltrona logo ao lado é das coisas
mais raras na classe business premium.
Estamos chegando ao fim da retrospectiva, o
resgate dos meus 9 livros publicados. O feedback dos posts - no Instagram, no Facebook - complementou para mim, e deu uma medida de como o pessoal enxerga minha obra. (E não, não permitirei nunca mais comentários neste blog - peguei trauma depois da invasão de haters que tive quando eu estava no auge.)
Os favoritos do pessoal, é claro, permanecem os meus primeiros, até "Mastigando Humanos", que foi de longe o que mais vendeu. Talvez o melhor que eu pudesse fazer por minha obra teria sido morrer em 2007. Mas continuo acreditando, insistindo, fazendo...
Os favoritos do pessoal, é claro, permanecem os meus primeiros, até "Mastigando Humanos", que foi de longe o que mais vendeu. Talvez o melhor que eu pudesse fazer por minha obra teria sido morrer em 2007. Mas continuo acreditando, insistindo, fazendo...
Dito, isso, em 2015 eu começava a rascunhar um
novo romance, com outra pegada, tratando de um tema histórico e importante,
como um desafio para minha carreira.
Recebi, porém, uma encomenda. Joca Terron fez uma
curadoria para a RT Features – produtora de cinema brasileira com co-produções
importantes lá fora, como “A Bruxa” e “Call Me by Your Name”; eles são das raras
produtoras brasileiras que compram e negociam sistematicamente direitos
autorais de literatura brasileira. A proposta do Joca era fazer uma coleção de
livros literários de terror, ou o que foi posteriormente chamado de
“pós-terror”; a RT Features ficaria com os direitos para cinema e a Companhia
das Letras teria preferência na publicação. Pagavam na planta, para o que eu
quisesse fazer dentro do tema, com no mínimo 250 mil toques (cerca de 200
páginas) a ser escrito dentro de um ano.
Na noite mais fria do ano, na cidade mais fria do Brasil, um pai de família volta para casa. Pintor de sucesso, com uma arte de gosto discutível, passa boa parte de seu tempo em feiras e exposições no exterior. Ao chegar à sua cidade natal, na Serra Catarinense, tem início uma sequência de eventos que porão em xeque suas certezas.
Enquanto a neve cai la fora e sua família dorme tranquilamente, um estranho ronda a sua casa e sua pastora-belga agoniza sangrando no quintal. Mas só quando seu filho de sete anos desperta é que de fato começa o pesadelo que acabará com o aconchego do lar.
Ambientado num raro cenário de neve no Brasil, este habilidoso misto de terror psicológico e drama familiar expõe paranoias ancestrais da paternidade: Não reconheço mais meu filho. O filho é mesmo meu? Há algo de errado com ele?
Nona obra de Santiago Nazarian, um dos autores mais originais da cena brasileira contemporânea, Neve Negra retrata a perturbadora luta de um pai contra os próprios demônios, num romance que mescla questões existenciais com o humor negro de que só Nazarian é capaz.
- Gosto mais ou menos da orelha, foi feita meio por mim, meio pela editora, foi muito mexida e acho que ficou um pouco embolada.
Na noite mais fria do ano, na cidade mais fria do Brasil, um pai de família volta para casa. Pintor de sucesso, com uma arte de gosto discutível, passa boa parte de seu tempo em feiras e exposições no exterior. Ao chegar à sua cidade natal, na Serra Catarinense, tem início uma sequência de eventos que porão em xeque suas certezas.
Enquanto a neve cai la fora e sua família dorme tranquilamente, um estranho ronda a sua casa e sua pastora-belga agoniza sangrando no quintal. Mas só quando seu filho de sete anos desperta é que de fato começa o pesadelo que acabará com o aconchego do lar.
Ambientado num raro cenário de neve no Brasil, este habilidoso misto de terror psicológico e drama familiar expõe paranoias ancestrais da paternidade: Não reconheço mais meu filho. O filho é mesmo meu? Há algo de errado com ele?
Nona obra de Santiago Nazarian, um dos autores mais originais da cena brasileira contemporânea, Neve Negra retrata a perturbadora luta de um pai contra os próprios demônios, num romance que mescla questões existenciais com o humor negro de que só Nazarian é capaz.
- Gosto mais ou menos da orelha, foi feita meio por mim, meio pela editora, foi muito mexida e acho que ficou um pouco embolada.
Foi uma bela encomenda, um bom dinheiro, e uma
ótima oportunidade de finalmente fazer um livro assumidamente de terror. Só não
foi um desafio, porque foi algo que
fiz com o pé nas costas.
“Neve Negra” foi uma continuação natural de
BIOFOBIA, ambas histórias de terror passadas numa casa isolada, com poucos
personagens, tratando de questões familiares. Aqui quis tratar da questão da
paternidade, eu mesmo contemplando a ideia de (não) ter filhos. Pensei também
em como o raro fenômeno da neve no Brasil podia gerar um cenário inédito e
mergulhei na história. Foi entregue antes do prazo - porque eu nunca, JAMAIS furo
um prazo – e saiu em 2017 pela Companhia das Letras (que desistiu da ideia de
coleção e lançou de forma independente).
Essa migração para a Companhia se deu de forma
natural, porque a proposta da RT Features estava atrelada a eles. Poderiam
recusar o texto final, mas gostaram bastante do livro. Foi importante para mim
também, conhecer e trabalhar com a editora mais prestigiada do Brasil.
Realmente eles têm um trabalho mais cuidadoso de edição, leitura – pediram boas
modificações, como o corte de dois capítulos (dos quais cortei só um) – e o selo da
editora faz toda a diferença.
Uma mudança um pouco amarga para mim foi no
título. Inicialmente se chamaria “TREVOSO”, que não apenas é um termo bem usado
na comunidade gótica, mas também foi incorporado numa “entidade” do livro e
segue essa linha do terror atual de usar adjetivos (“Insidious”, “Sinister”, “Malicious”).
A editora não gostou, muita gente não
gostou, e pediram para eu pensar em alternativas. Como era meu primeiro livro
com eles, achei por bem ceder, e eu mesmo vim com o genérico “Neve Negra” –
embora numa pesquisa tivesse aparecido um obscuro filme espanhol com o mesmo nome.
Aconteceu que o filme não era exatamente obscuro, apenas estava ainda por ser
lançado. E “Neve Negra” com o Ricardo Darín foi lançado EXATAMENTE na mesma
época que meu livro.
O filme é ok. Não é ruim, mas meu livro é melhor. |
Ainda que eu concorde que TREVOSO é um
título pouco literário, “Neve Negra” ficou como uma pequena mancha na minha bibliografia
de títulos tão inspirados.
O livro saiu no segundo semestre de 2017. Não teve
NENHUMA resenha negativa, mas também teve muito mais matérias-entrevistas do
que resenhas - o melhor texto foi o do Cristóvão Tezza, na Folha. O povo gostou, mas não o suficiente, e foi mais um livro morno
entre meus lançamentos.
O lançamento na Blooks, com os queridos Xerxenesky e Tati Bernardi. |
Está com os direitos vendidos para cinema com a RT
Features, e até sei de gente empolgada em levar para as telas. Mas nesses
anos todos já percebi que isso não significa grande coisa, não significa que vá acontecer. Ao menos foi uma
grana bacana para escrever.
Tenho muito orgulho do livro – realizei um sonho
de fazer um livro de terror , e acho um terror foda. É um livro muito pouco
pessoal, e isso também é motivo de orgulho para mim, como contador de
histórias.
Sigo agora com o projeto anterior, um livro bem mais ambicioso, com um tema histórico, que exigiu muita pesquisa. Esses tempos "trevosos", de crise na cultura, nas livrarias, nas editoras deixa tudo mais difícil. Mas vai sair. Sigo com fé.