Dia desses estive no Mix Literário - braço literário do Festival Mix Brasil - para ouvir o que os novos autores gays têm a dizer. Gosto de acompanhar a cena, mas o filtro é sempre difícil, com tanta gente ruim escrevendo, o que desmotiva muito o garimpo. Aqui pelo menos eu teria a (ótima) curadoria do Alexandre Rabelo, e alguns nomes que eu já conhecia e já dei força, como o Hugo Guimarães e Danilo Leonardi.
Nessa época de crise editorial, falência de livrarias, levanta-se a bandeira de "leia autores independentes", "editoras pequenas", "autores não-cis", "fora do eixo Rio-São Paulo", a cota parece não ter fim.
Enquanto que é verdade que algumas editoras menores arriscam em publicações menos comerciais (ou não conseguem os autorzões de peso), muitas delas estão simplesmente cobrando para publicar novos autores que não conseguem entrar nas maiores casas. Isso não é necessariamente demérito, vários grandes começaram pagando para serem publicados ou investiram na auto-publicação (como Daniel Galera e Ana Paula Maia). Mas isso também dá entrada a gente que jamais conseguiria publicar de outra forma, porque não tem talento o suficiente.
É preciso conhecer as casas editoriais para entender as que têm um critério de qualidade, mesmo quando cobram parte dos custos do autor.
Dito isso, estava pessoalmente curioso em conhecer Tobias Carvalho, que venceu o Prêmio Sesc de Literatura, na categoria contos, aos vinte e três anos de idade. Como resultado do prêmio, seu livro saiu pela Record, uma das maiores editoras do país. E foi só começar a ouvi-lo ler que ficou evidente que havia algo lá - que ganhar um prêmio desses não foi à toa. Se moleques como esse fazem por merecer estar nas grandes, por que insistir nessa de "só as pequenas (se) salvam"?
Assim, escrevi sobre o livro de estreia de Carvalho, este fim de semana na Folha. Curioso que na mesma página Ricardo Domeneck analisa a obra de Mailson Furtado, poeta que ganhou o Jabuti de livro do ano com uma auto-publicação. A pertinente análise de Domeneck levanta luzes sobre critérios atuais.
Segue o meu texto na Folha:
É preciso muita autoconfiança
ou total desprendimento para se batizar um livro de estreia com um genérico “As
Coisas”. Entretanto, publicada como vencedora do Prêmio Sesc de Literatura, na
categoria contos, a primeira obra do gaúcho Tobias Carvalho já sai com o devido
destaque que se sobressai ao título. Com um histórico de quinze anos, o prêmio
se firmou na cena literária nacional, não só pela qualidade de seus autores (como
Luisa Geisler, Rafael Gallo e Marcos Peres), mas por todo o suporte que o
próprio Sesc oferece aos vencedores, fazendo-os circularem pelas unidades do
país.
“As
Coisas” de Tobias Carvalho são os órgãos sexuais masculinos. Ou ao menos é a
nona definição que ele apresenta da palavra ao abrir o livro. Em vinte e três
contos curtos, o livro foca a vida amorosa-sexual de jovens porto-alegrenses
que se confundem com o próprio autor, numa narrativa entre a confessional e a auto-ficção.
Se parece tão biográfico (sendo ou não) é pela verdade que Carvalho consegue
exprimir e a identificação que consegue causar. Os aplicativos de pegação, o
sexo descompromissado, as conversas desajeitadas antes e depois do sexo, criam
um universo melancólico atemporal, ainda que muito atual. A escrita é limpa,
com um caráter orgânico que remete ao escritor gaúcho Caio Fernando Abreu – uma
comparação aparentemente inescapável para jovens autores gays – porém com um
sentimentalismo mais sutil, menos derramado.
Nem
tudo funciona. Nos poucos contos em que o protagonista muda de perfil, a voz se
torna menos pessoal e menos verdadeira - o talento para criar personagens ainda
não se flagra de forma evidente. Ainda assim, “As Coisas” é uma belíssima
estreia, de um autor que já chega com o mais importante: veia. Não é pouca
coisa.
Avaliação: Ótimo.