Saiu no Estadão... Então AGORA temos um caso grave de censura na literatura brasileira, com demissões, restrição à circulação de um livro e mudanças num dos principais prêmios para novos escritores.
Eu já sabia dessa história do Prêmio Sesc há uns dias – que o romance vencedor estava sendo boicotado, que funcionários foram demitidos, cogitavam MUDAR O REGULAMENTO para que “obras assim” não pudessem mais vencer. Isso sim é muito grave.
O romance premiado – Outono da Carne Estranha, do Airton Souza – retrata relações homossexuais na Serra Pelada, foi mal visto pela chefia do Sesc, que baixou o sarrafo. E assim, todo o edital, o futuro e o legado do prêmio é ameaçado.
É sintomático, porque expõe aquilo de CENSURA PRÉVIA – livros com essa temática não conseguem circular, não conseguem ganhar prêmios, não são nem inscritos em editais. O Prêmio Sesc ainda era um prêmio sério, uma zona rara em que os livros ganhavam exclusivamente pela qualidade literária (até porque, são inscritos com pseudônimo). Mas agora também querem impor barreiras extra-literárias. Ouvi dizer sobre “classificação indicativa” (que nunca existiu em livro), livros “censura livre”. E ASSIM é que nossa literatura vai se tornando cada vez mais pau no cu... no mau sentido.
Eu sempre falo isso, como um livro como Mastigando Humanos (narrador por um jacaré, que vive nos esgotos, se alimenta de travestis, garotos de programa) foi ADOTADO EM ENSINO MÉDIO, COMPRADO PELO GOVERNO, foi LEITURA DE VESTIBULAR, no começo do milênio. E nunca foi polêmica... (Pelo menos, nunca chegou a mim. Nunca fui chorar que eu estava sendo censurado...) Hoje em dia... jamais. O quanto encaretamos? Hoje EU sou um autor muito mais transgressor, com convites muito mais restritos, circulação muito mais restrita, do que quando eu tinha 25, 30 anos...
(Bom, talvez seja só uma questão de colágeno...)
E isso, infelizmente, não é só reflexo dos últimos anos de um governo fascista. É fruto de uma sociedade reacionária, de direita e de esquerda, que não está aberta ao conflito e ao diálogo, está sempre pronta ao cancelamento.
É uma censura de MERCADO, que veta palavras, temas controversos. As redes sociais quiseram tornar tudo acessível a todos, então não podem incomodar ninguém, não podem assustar as crianças. Querem que a gente viva num mundo censura livre, quando a gente deveria estar vivendo num mundo livre de censura.
Nesse contexto, o “boicote” ao livro do Jeferson Tenório é só um detalhe (que foi inflado de maneira que me pareceu promocional), mas que deve ser observado como algo maior, respingo de uma cultura que vem refreando o potencial da nossa literatura. Está chegando aos poderosos. Agora eles se doem. Mas a gente já tá sentindo há um tempo...
Toda a minha solidariedade ao Airton Souza, que merecia estar colhendo só os louros, que outros autores menos talentosos do Prêmio já colheram, e ao Henrique Rodrigues, que sempre batalhou como ninguém pelos autores do Sesc.