LOIROS, ESPADAS E PISTOLAS.
E então, terminei "O Templo", do Stephen Spender. Tem uma história por trás tri particular. Foi escrito pelo autor como um diário, entre o final da década de 20 e começo da de 30. Acabou sendo reencontrado por ele só no final dos anos 80 e reescrito com uma visão pós-apocalíptica. Quero dizer, ele escreveu a primeira versão do romance antes da ascensão nazista, a história de um jovem inglês que vai para a Alemanha e se deslumbra com a beleza, com os corpos, com "o templo" dos alemães. Anos depois, ele volta ao país e descobre que todo aquele culto à beleza assumiu uma conotação política perigosa, com o emergente partido nazista. Os jovens arianos que ele conheceu embruteceram e se voltaram contra ele, que era judeu. Ao mesmo tempo em que os jovens judeus e miscigenados se voltaram contra os arianos que antes amavam. "O templo" se tornou um fronte de batalha.
Essas coisas fazem um sentido tremendo na Alemanha, ainda hoje. Spender, com olhar de estrangeiro (inglês), conseguiu captar isso de uma maneira muito particular, colocando lado a lado os ideais homossexuais e nazistas. Não é uma visão reducionista, é apenas um ponto de vista.
Eu estive na Alemanha em 2002, em Hamburgo, mesma cidade onde se passa o livro. Lá conheci e namorei um adolescente "ariano", filho de poloneses, o Patryk. Ele enfrentava um certo tipo de preconceito em sua cidade – Bremerhaven – por ser homossexual e polonês. Ao mesmo tempo em que outros questionavam seu relacionamento comigo, que sou obviamente latino. A própria história do nosso encontro se deu durante uma certa tensão. Eu estava num bar em Hamburgo – chamado Wunderbar (típico) – quando uma menina começou a chorar. Eu não entendo nada de alemão, mas ela me disse em inglês que alguns rapazes estavam xingando os gays do local. Falou que todo aquele ódio a deixava revoltada. Pensei que era sensibilidade demais, mas fiquei lá, consolando a petita.
Assim apareceu o Patryk, conversando em alemão com ela, e num inglês precário comigo. Alguns dias depois, fui pra casa dele.
Olhando em retrospecto, depois de ler esse livro, todas essas coisas fazem muito mais sentido para mim. Essa dialética que os alemães vivem há tanto tempo. A posição política parece ser algo muito mais natural do que entre nós. Mesmo os alienados acabam se posicionando de alguma forma, de acordo com suas preferências estéticas e sexuais.
Já contei essa história aqui, mas nunca vou me esquecer da mendiga junkie que conheci em Bremerhaven, que se pôs a discutir Herman Hesse comigo. E, seguindo a lógica beat , disse que "por ser pobre, todas as coisas lhe pertenciam", enquanto afundava a mão no meu saco (ops!) de balas de ursinho, haha.
É bom poder viver essas histórias, outras vidas. Mas depois que elas passam, não se tornam mais reais do que meus sonhos. E eu não posso nem escrever literariamente sobre elas, porque meu universo imaginário é uma bolha quase impenetrável, na qual meu dia-a-dia só provoca pequenas ondas.
Mas há sempre a imprevisibilidade de um tsunami...
Falando em nazismo, hoje estréia "A Queda", de Oliver Hirschbiegel, filme sobre os últimos dias do Hitler no poder. Vou assistir. Mas não sei se vou comentar.