CROCODILOS FAMINTOS E FILÉ DE JACARÉ
Vocês conhecem aquela história do crocodilo que comeu a mão do japinha?
Não é que eu esteja cheio de trabalho, de saco e cheio e preenchido por satisfações maiores do que escrever num blog, é que eu simplesmente não tenho o que escrever nos últimos dias.
Estive em Miami, para a entrega do Prêmio Anual da Sociedade Herpetóloga Amadora, um prêmio para jovens herpetólogos amadores da América Latina que podem ser considerados de uma certa sociedade, como eu, baby.
Pois então, o grande premiado desse ano fui eu. Mas eles não são tão sofisticados como o Oscar ou qualquer glacê do tipo. Então me acomodaram num hotel temático, que naturalmente atraía mosquitos e logicamente protegia suas camas com mosquiteiros (mas deixava de cortesia uma garrafa de moscatel). Confesso que procurei um mosquete enquanto lia Os Três Mosqueteiros.. Ah, deixa disso! Vamos ao prêmio.
Ganhei. Mas como eles são americanos e bregas, travestidos de sofisticados, o troféu tinha de ser retirado de dentro da boca de um crocodilo amestrado, que me lembrava um antigo, antigo, antigo namorado que hoje em dia é crítico literário...
A coisa é que o danado me mordeu a mão, engoliu meu polegar opositor e acabou com toda a minha intelijência, sem falar na minha capacidade para me masturbar. Então não estou podendo mais escrever.
Isso tudo está sendo ditado para Doris, a secretária que contratei com o dinheiro do prêmio. Vamos ver se está tudo direito, Doris...
28/09/2005
25/09/2005
SEQ.7 – SALA. INT. DIA.
Veste as meias na sala. Uma delas tem um furo no dedão. Ele puxa a meia para esconder o furo e veste o tênis. Vai até a estante da sala, abre a primeira gaveta e vasculha entre contas, cartas e comprovantes de pagamento. Encontra algumas notas de real. Coloca direto no bolso. Sai da sala, mas a câmera permanece. Em off pingos novamente na privada. Em off descarga. Ele volta à sala e sai pela porta da rua. A câmera focaliza a porta fechada. – Elipse de tempo - Em off uma leve batida e o barulho de chaves. A maçaneta gira com cuidado. Ele entra carregado de sacolas de supermercado. Coloca-as sobre a mesa da sala e sai de quadro. A câmera continua focalizando a porta aberta, por onde passa um vulto dando uma leve espiada. Em off o ruído das gotas na privada, a descarga. Ele corre de volta para a sala e fecha a porta. Procura um chocolate nas sacolas. Pega o chocolate, sai da sala. Em off a televisão ligada. Depois de alguns instantes ele volta à sala, pega as sacolas e as leva para a cozinha.
(Trecho de "Feriado de Mim Mesmo" - o roteiro, que fiz para Eliane Caffé - diretora de "Narradores de Javé" - no ano passado. Eliane ganhou um edital para outro projeto e o futuro de "Feriado" no cinema é incerto. Ainda há esperança, mas, enquanto isso, aproveito o prazer tranqüilo de fazer traduções e preparar meu próximo romance.)
Veste as meias na sala. Uma delas tem um furo no dedão. Ele puxa a meia para esconder o furo e veste o tênis. Vai até a estante da sala, abre a primeira gaveta e vasculha entre contas, cartas e comprovantes de pagamento. Encontra algumas notas de real. Coloca direto no bolso. Sai da sala, mas a câmera permanece. Em off pingos novamente na privada. Em off descarga. Ele volta à sala e sai pela porta da rua. A câmera focaliza a porta fechada. – Elipse de tempo - Em off uma leve batida e o barulho de chaves. A maçaneta gira com cuidado. Ele entra carregado de sacolas de supermercado. Coloca-as sobre a mesa da sala e sai de quadro. A câmera continua focalizando a porta aberta, por onde passa um vulto dando uma leve espiada. Em off o ruído das gotas na privada, a descarga. Ele corre de volta para a sala e fecha a porta. Procura um chocolate nas sacolas. Pega o chocolate, sai da sala. Em off a televisão ligada. Depois de alguns instantes ele volta à sala, pega as sacolas e as leva para a cozinha.
(Trecho de "Feriado de Mim Mesmo" - o roteiro, que fiz para Eliane Caffé - diretora de "Narradores de Javé" - no ano passado. Eliane ganhou um edital para outro projeto e o futuro de "Feriado" no cinema é incerto. Ainda há esperança, mas, enquanto isso, aproveito o prazer tranqüilo de fazer traduções e preparar meu próximo romance.)
22/09/2005
BANDIDO CORAZÓN
Acabei de acabar e entregar a tradução do livro "The Heart is Deceitful Above All Things", do JT LeRoy, para a Geração Editorial. Provavelmente o título em português será... MALDITO CORAÇÃO. Calma, calma, eu posso explicar. É o título nacional do filme baseado no livro (que também tem o mesmo nome original do livro, em inglês). Então é melhor aproveitar que está estreando e lançar o livro com o mesmo nome. E eu não acho um nome ruim...
Cá entre nós, o romance é bem melhor do que o filme. Dá uma dimensão maior do "personagem JT". No filme (dirigido pela Asia Argento), ele é colocado como eterna vítima, o que não é algo muito real. O livro mostra como ele resolveu a situação, sendo obrigado a encontrar prazer em meio à violência. Mas acredito que isso seria muito pesado para se mostrar no cinema, especialmente tendo de recorrer a atores mirins para o papel. Além do mais, o romance é muuuuuuuuuuuuuuuuuuuito mais pesado, acreditem.
Para quem chegou agora, JT LeRoy é um escritor de 25 anos, que teve uma infância pra lá de bizarra, sendo abusado pelos namorados da mãe, trabalhando de michê desde cedo e sofrendo o diabo. Cresceu e escreveu suas memórias, se tornando uma "coqueluche" nos EUA. Veio ao Brasil recentemente, lançar um de seus livros, e eu acabei o conhecendo, jantando com ele, a convite da editora, que me passou o segundo livro dele para traduzir.
Ao terminar a tradução, fico me perguntando como JT LeRoy se tornou uma "personalidade pop". Ao contrário do que muita gente pensa, a história não traça o perfil de um garoto cool, que sofre os terrores do underground. Não, ele é um garoto que cresce entre os caipiras mais caipiras dos Estados Unidos: cowboys, caminhoneiros, pastores de igreja, e sofre com a hipocrisia de todos eles. O livro também não tem uma estética nada fashion: é uma narrativa pesada, com momentos escatológicos. Para vocês terem uma idéia clara da diferença, há uma cena em que ele, com dez anos de idade, seduz o namorado da mãe. No cinema, esse namorado é interpretado pelo Marilyn Manson. No livro, o namorado é descrito como um caipira barbudo, que assiste programas evangélicos na teve.
Mas enfim, é um bom livro, pesado, mas bom. Ele tem uma preocupação literária. O primeiro, "Sarah" (que já foi lançado pela Geração Editorial, traduzido pelo Flávio Moura) tem uma narrativa mais concentrada. Quero dizer, se concentra num período específico e desenvolve uma única narrativa, que eu também gosto bastante. Esse segundo, "Maldito Coração", pega um período maior da vida dele, e tem um número bem maior de idéias, o que eu considero uma "macro-narrativa".
Muita gente me pergunta, meio desconfiado, se o JT não é apenas "um produto de marketing". Bah, sei lá, eu acho que produto mesmo se vê na TV, na música, para que alguém vai fazer produto de marketing no mercado literário, onde o retorno financeiro é bem menor, mesmo nos EUA? Talvez tenham feito uma "embalagem" para o JT, sim, mas a obra existe e, lendo o "Maldito", é impossível achar que ele escreveu aquilo querendo ser "fashion" ou "moderninho". Se as pessoas o consideram assim, é porque o mundo anda bem doente...
Falando em literatura e doença, encontrei o "mestre" Paulo Roberto Pires na terça (meu ex-editor e, se existisse o produto "Santiago Nazarian", ele seria o responsável, hehe), ele me disse que a Ediouro comprou o "Running with Scissors" do Augusten Burroughs, livro de memórias bizarras, semelhante ao JT. É fenomenal, tentei vender pra Planeta (e pegar para traduzir), mas já tinha sido vendido. Agora é tarde, a versão em português sai em breve, traduzida sei lá por quem... Mas eu recomendo com veemência.
Recomendo também o show da Karine Alexandrino, cantora kitsch do Ceará que está aqui em SP para uma mini turnê. Assisti ontem no Café Camaleon (algo assim), com abertura do sensacional Multiplex (que também é kitsch e também é chique). Karine canta músicas com títulos como "Tenho Febre, Mas Vou Buscar Nosso Dinheiro" e "Como me Tornei uma Adúltera".
Mas o melhor mesmo foi o esquenta antes, aqui em casa, com os queridíssimos Luciancencov, César, Del
Fuego, Carol, Cris e cia. É raro eu reunir o povo, mas quando acontece, a gente quebra tudo.
Acabei de acabar e entregar a tradução do livro "The Heart is Deceitful Above All Things", do JT LeRoy, para a Geração Editorial. Provavelmente o título em português será... MALDITO CORAÇÃO. Calma, calma, eu posso explicar. É o título nacional do filme baseado no livro (que também tem o mesmo nome original do livro, em inglês). Então é melhor aproveitar que está estreando e lançar o livro com o mesmo nome. E eu não acho um nome ruim...
Cá entre nós, o romance é bem melhor do que o filme. Dá uma dimensão maior do "personagem JT". No filme (dirigido pela Asia Argento), ele é colocado como eterna vítima, o que não é algo muito real. O livro mostra como ele resolveu a situação, sendo obrigado a encontrar prazer em meio à violência. Mas acredito que isso seria muito pesado para se mostrar no cinema, especialmente tendo de recorrer a atores mirins para o papel. Além do mais, o romance é muuuuuuuuuuuuuuuuuuuito mais pesado, acreditem.
Para quem chegou agora, JT LeRoy é um escritor de 25 anos, que teve uma infância pra lá de bizarra, sendo abusado pelos namorados da mãe, trabalhando de michê desde cedo e sofrendo o diabo. Cresceu e escreveu suas memórias, se tornando uma "coqueluche" nos EUA. Veio ao Brasil recentemente, lançar um de seus livros, e eu acabei o conhecendo, jantando com ele, a convite da editora, que me passou o segundo livro dele para traduzir.
Ao terminar a tradução, fico me perguntando como JT LeRoy se tornou uma "personalidade pop". Ao contrário do que muita gente pensa, a história não traça o perfil de um garoto cool, que sofre os terrores do underground. Não, ele é um garoto que cresce entre os caipiras mais caipiras dos Estados Unidos: cowboys, caminhoneiros, pastores de igreja, e sofre com a hipocrisia de todos eles. O livro também não tem uma estética nada fashion: é uma narrativa pesada, com momentos escatológicos. Para vocês terem uma idéia clara da diferença, há uma cena em que ele, com dez anos de idade, seduz o namorado da mãe. No cinema, esse namorado é interpretado pelo Marilyn Manson. No livro, o namorado é descrito como um caipira barbudo, que assiste programas evangélicos na teve.
Mas enfim, é um bom livro, pesado, mas bom. Ele tem uma preocupação literária. O primeiro, "Sarah" (que já foi lançado pela Geração Editorial, traduzido pelo Flávio Moura) tem uma narrativa mais concentrada. Quero dizer, se concentra num período específico e desenvolve uma única narrativa, que eu também gosto bastante. Esse segundo, "Maldito Coração", pega um período maior da vida dele, e tem um número bem maior de idéias, o que eu considero uma "macro-narrativa".
Muita gente me pergunta, meio desconfiado, se o JT não é apenas "um produto de marketing". Bah, sei lá, eu acho que produto mesmo se vê na TV, na música, para que alguém vai fazer produto de marketing no mercado literário, onde o retorno financeiro é bem menor, mesmo nos EUA? Talvez tenham feito uma "embalagem" para o JT, sim, mas a obra existe e, lendo o "Maldito", é impossível achar que ele escreveu aquilo querendo ser "fashion" ou "moderninho". Se as pessoas o consideram assim, é porque o mundo anda bem doente...
Falando em literatura e doença, encontrei o "mestre" Paulo Roberto Pires na terça (meu ex-editor e, se existisse o produto "Santiago Nazarian", ele seria o responsável, hehe), ele me disse que a Ediouro comprou o "Running with Scissors" do Augusten Burroughs, livro de memórias bizarras, semelhante ao JT. É fenomenal, tentei vender pra Planeta (e pegar para traduzir), mas já tinha sido vendido. Agora é tarde, a versão em português sai em breve, traduzida sei lá por quem... Mas eu recomendo com veemência.
Recomendo também o show da Karine Alexandrino, cantora kitsch do Ceará que está aqui em SP para uma mini turnê. Assisti ontem no Café Camaleon (algo assim), com abertura do sensacional Multiplex (que também é kitsch e também é chique). Karine canta músicas com títulos como "Tenho Febre, Mas Vou Buscar Nosso Dinheiro" e "Como me Tornei uma Adúltera".
Mas o melhor mesmo foi o esquenta antes, aqui em casa, com os queridíssimos Luciancencov, César, Del
Fuego, Carol, Cris e cia. É raro eu reunir o povo, mas quando acontece, a gente quebra tudo.
18/09/2005
O DÂNDI E A VEREADORA
Estive hoje na Feira Literária de Ribeirão Preto. É um acontecimento legal, nos moldes da Feira de Porto Alegre, (só que obviamente menor). Muitos debates interessantes, estandes montados na praça da cidade, uma comunicação maior com o público do que nas Bienais, ainda que eu ache estranho essa idéia de "feira", para vender livros.
Eu fico um pouco enjoado, todo aquele papel empilhado, haha, não acho que esse formato seja o ideal, é coisa demais e eu acabo sem conseguir ver nada. Bom para não gastar. De qualquer forma, é o único contato que muita gente tem com livros, por isso é legal a Feira de Ribeirão ser montada bem na praça central, sem cobrança de entrada, livre acesso aos mendigos e tudo mais.
Participei de um debate às 11h da manhã com a Soninha Francine (vereadora, comentarisa esportiva, ex-vj da MTV). Considerando que era manhã de domingo e chovia, até que ficou cheio, mais ou menos 50% do auditório. Foi um pouco estranho porque, como eu previa, eu a Soninha não tínhamos praticamente nada em comum para debater, então intercalavam-se duas discussões completamente diferentes. Mas surgiram perguntas interessantes, o debate foi bem longo, eu li um conto inédito e, novamente ao contrário das bienais, lá parecia que ninguém tinha pressa e que todo mundo podia fazer sua pergunta.
Também demos entrevista para uma TV local, mas esqueci de perguntar quando vai ao ar... Só sei que é um programa chamado "Tapete Mágico" (algo assim?).
Conhecer a Soninha foi ótimo. Almoçamos juntos e voltamos no mesmo vôo para São Paulo. Ela é uma pessoa incrível, inteligente e queridíssima e acabei tendo de agradecer à insanidade dos organizadores da Feira por nos colocar na mesma mesa.
E bom que estava frio, porque eu pude caprichar no modelito dândi. Haha.
Mudando de assunto, coloco aqui uma resenha que escrevi para a Folha e saiu semana passada. É do romance "Michelângelo, o Tatuador", da Sarah Hall:
A história da tatuagem tem diversas origens. Assim como a pintura, surgiu em povos primitivos de todas as partes do mundo e se desenvolveu com diferentes técnicas, significados e simbologias. Para retratar o universo da tatuagem, a jovem escritora inglesa Sarah Hall poderia ter seguido várias direções. Poderia focalizar o cenário clubber do final do século XX, as tribos indígenas e suas escarificações, os artistas performáticos de body art, mas optou por se dedicar àquele que talvez seja o mais rico imaginário sobre o tema: uma arte de marinheiros.
"Michelangelo, o Tatuador" é um romance de marinheiro, embora quase a totalidade da narrativa se desenvolva ancorada. Muitas das figuras pertinentes ao tema estão presentes: navios, sereias, bruxas, gigantes, animais amestrados, gêmeas siamesas, areia movediça. Entretanto, o tratamento que a autora dá a elas é de um realismo simbólico, identificando essas figuras míticas no mundo real de um tatuador; flertando com o fantástico mas não se entregando a ele de fato. E é essa a delícia de "Michelangelo, o Tatuador".
O romance conta a história de Cyril Parks, filho de um marinheiro com uma pseudo-bruxa, que, na adolescência, no começo do século XX, começa a aprender a arte da tatuagem em sua terra natal, a cidade litorânea de Morecambe, no norte da Inglaterra. Após a morte de sua mãe e de seu mestre, Cyril muda-se para os Estados Unidos, onde passa a trabalhar como tatuador num show de aberrações em Coney Island e onde conhece a mulher que seria sua "Capela Sistina" .
A forma como Sarah Hall acompanha toda a vida do personagem e a falta de acontecimentos extraordinários faz com que, muitas vezes, o texto mais se pareça com uma biografia romanceada do que com um romance de ficção. Consciente disso, a própria autora aproveita os agradecimentos finais do livro para ressaltar que se trata de um texto de ficção. Cyril poderia representar qualquer tatuador real de sua época, nem genial nem imperito.
Esse tom biográfico do livro, que suprime hipérboles, pode ser visto como um mérito para alguns, mas certamente como um afrouxamento para outros. A primeira parte do livro, por exemplo, focaliza a infância e adolescência de Cyril com uma latência tão rica, que acaba criando uma expectativa no leitor por maiores desdobramentos nos momentos seguintes, coisa que não acontece. À medida que a narrativa se desenvolve, o protagonista perde força e os coadjuvantes parecem surgir apenas para compor um cenário. O Michelangelo Elétrico, alcunha do personagem e título original do romance, é desligado da tomada.
Ainda assim, a capacidade dissertativa da autora e todo o panorama que se revela ao redor do personagem fazem com que "Michelangelo, o Tatuador" seja uma experiência enriquecedora. Não é a toa que foi um dos finalistas do Booker Prize do ano passado. Sarah Hall é uma mulher que mergulha fundo em universos alheios e que tem talento para descobrir a verdade, seja ela suave ou dolorosa. (Três estrelas)
Estive hoje na Feira Literária de Ribeirão Preto. É um acontecimento legal, nos moldes da Feira de Porto Alegre, (só que obviamente menor). Muitos debates interessantes, estandes montados na praça da cidade, uma comunicação maior com o público do que nas Bienais, ainda que eu ache estranho essa idéia de "feira", para vender livros.
Eu fico um pouco enjoado, todo aquele papel empilhado, haha, não acho que esse formato seja o ideal, é coisa demais e eu acabo sem conseguir ver nada. Bom para não gastar. De qualquer forma, é o único contato que muita gente tem com livros, por isso é legal a Feira de Ribeirão ser montada bem na praça central, sem cobrança de entrada, livre acesso aos mendigos e tudo mais.
Participei de um debate às 11h da manhã com a Soninha Francine (vereadora, comentarisa esportiva, ex-vj da MTV). Considerando que era manhã de domingo e chovia, até que ficou cheio, mais ou menos 50% do auditório. Foi um pouco estranho porque, como eu previa, eu a Soninha não tínhamos praticamente nada em comum para debater, então intercalavam-se duas discussões completamente diferentes. Mas surgiram perguntas interessantes, o debate foi bem longo, eu li um conto inédito e, novamente ao contrário das bienais, lá parecia que ninguém tinha pressa e que todo mundo podia fazer sua pergunta.
Também demos entrevista para uma TV local, mas esqueci de perguntar quando vai ao ar... Só sei que é um programa chamado "Tapete Mágico" (algo assim?).
Conhecer a Soninha foi ótimo. Almoçamos juntos e voltamos no mesmo vôo para São Paulo. Ela é uma pessoa incrível, inteligente e queridíssima e acabei tendo de agradecer à insanidade dos organizadores da Feira por nos colocar na mesma mesa.
E bom que estava frio, porque eu pude caprichar no modelito dândi. Haha.
Mudando de assunto, coloco aqui uma resenha que escrevi para a Folha e saiu semana passada. É do romance "Michelângelo, o Tatuador", da Sarah Hall:
A história da tatuagem tem diversas origens. Assim como a pintura, surgiu em povos primitivos de todas as partes do mundo e se desenvolveu com diferentes técnicas, significados e simbologias. Para retratar o universo da tatuagem, a jovem escritora inglesa Sarah Hall poderia ter seguido várias direções. Poderia focalizar o cenário clubber do final do século XX, as tribos indígenas e suas escarificações, os artistas performáticos de body art, mas optou por se dedicar àquele que talvez seja o mais rico imaginário sobre o tema: uma arte de marinheiros.
"Michelangelo, o Tatuador" é um romance de marinheiro, embora quase a totalidade da narrativa se desenvolva ancorada. Muitas das figuras pertinentes ao tema estão presentes: navios, sereias, bruxas, gigantes, animais amestrados, gêmeas siamesas, areia movediça. Entretanto, o tratamento que a autora dá a elas é de um realismo simbólico, identificando essas figuras míticas no mundo real de um tatuador; flertando com o fantástico mas não se entregando a ele de fato. E é essa a delícia de "Michelangelo, o Tatuador".
O romance conta a história de Cyril Parks, filho de um marinheiro com uma pseudo-bruxa, que, na adolescência, no começo do século XX, começa a aprender a arte da tatuagem em sua terra natal, a cidade litorânea de Morecambe, no norte da Inglaterra. Após a morte de sua mãe e de seu mestre, Cyril muda-se para os Estados Unidos, onde passa a trabalhar como tatuador num show de aberrações em Coney Island e onde conhece a mulher que seria sua "Capela Sistina" .
A forma como Sarah Hall acompanha toda a vida do personagem e a falta de acontecimentos extraordinários faz com que, muitas vezes, o texto mais se pareça com uma biografia romanceada do que com um romance de ficção. Consciente disso, a própria autora aproveita os agradecimentos finais do livro para ressaltar que se trata de um texto de ficção. Cyril poderia representar qualquer tatuador real de sua época, nem genial nem imperito.
Esse tom biográfico do livro, que suprime hipérboles, pode ser visto como um mérito para alguns, mas certamente como um afrouxamento para outros. A primeira parte do livro, por exemplo, focaliza a infância e adolescência de Cyril com uma latência tão rica, que acaba criando uma expectativa no leitor por maiores desdobramentos nos momentos seguintes, coisa que não acontece. À medida que a narrativa se desenvolve, o protagonista perde força e os coadjuvantes parecem surgir apenas para compor um cenário. O Michelangelo Elétrico, alcunha do personagem e título original do romance, é desligado da tomada.
Ainda assim, a capacidade dissertativa da autora e todo o panorama que se revela ao redor do personagem fazem com que "Michelangelo, o Tatuador" seja uma experiência enriquecedora. Não é a toa que foi um dos finalistas do Booker Prize do ano passado. Sarah Hall é uma mulher que mergulha fundo em universos alheios e que tem talento para descobrir a verdade, seja ela suave ou dolorosa. (Três estrelas)
16/09/2005
DOIS PERDIDOS NA RUA AUGUSTA
Hum, achei outro texto que ficou perdido aqui no meu PC. Ficou um pouco pesado para uma revista como a Bravo, e tem uma característica de crônica que o torna perecível para um livro. Então vai aqui no blog mesmo. Segura aí:
"Oi, gato. Tá sozinho?"
"Não, tô esperando uma pessoa..."
"Talvez essa pessoa não venha... Tô te olhando aí há horas, bebendo seu conhaque. Vem sempre aqui?"
"Não, primeira vez hoje."
"Puxa, eu também, sabe? Sou nova aqui. Fico até um pouco insegura com este trabalho. Não sei se dou pra coisa. Mas tenho de ajudar meus pais no interior... Eles são velhinhos... Preciso do dinheiro. Não quer me pagar um conhaque desses?"
"Não."
"Você não é muito cavalheiro, é?"
"Te disse que estou esperando alguém..."
"Por quê? Por que vem num lugar destes esperar alguém? Combine no shopping!
"No shopping não rola..."
"Tô sacando qual é a sua. Você é um desses que vem aqui só atrás de pó, né? Fica aí enchendo a cara, dando uns tecos e depois vai embora porque seu pau não funciona mais. Tô te entendendo. Você acha muito louco vir aqui pra Augusta, entrar nos puteiros e dar uma de marginal. Tem uma câmera digital aí? Não vai tirar foto pro seu fotolog? Daí todos seus amiguinhos vão ver você sentado com uma puta e vão achar que você é foda, fodão, fodíssimo! Mas comer mina mesmo, você não come. Vem aqui só pra dizer que veio. Depois fica querendo organizar festinhas aqui na zona. Conversa com o Joel e combina de fechar a casa aqui pra fazer uma festa elektro. Pode até organizar umas performances. Você faz performance? Sei lá, de repente você dubla a Tati Quebra-barraco ou faz auto-mutilação. Ui! Tudo pra mostrar pros seus amigos como você é transgressor. Mas comer mina mesmo, você não come. Você torce para que alguém te veja aqui comigo. Que alguém te fotografe e coloque no site da Erika Palomino. Afinal, a Augusta tá hypada. Conheço bem seu tipo, vejo todos os dias..."
"Pensei que era sua primeira noite aqui..."
"Querido, é isso o que eu digo para os clientes que vem aqui foder de verdade, que querem uma mulher nova, gostosa, para realizar suas fantasias. É isso o que eu faço, realizo fantasias. Esse é meu trabalho, entende? Tô aqui trabalhando, enquanto vocês tão aí, curtindo com a minha cara, me tomando como decoração das suas baladinhas exóticas. Em vez de me foder, você tá fodendo com meu trabalho, pensa que não? Pense no seu pai, querido, cansado de foder sua mãe caidaça. Ele viria aqui e eu daria tudo o que ele precisa. Mas não. Ele tem medo de vir pra cá e encontrar o filhinho tatuado com seus amiguinhos. Hoje em dia ele tem medo de vir pra Augusta e sair na revista Caras! Ele tem medo de ser visto num puteiro porque agora vão pensar que ele é viado!"
"Quanta bobagem..."
"Bobagem pra você, que não tem contas pra pagar. Seu pai vai trabalhar todo dia, volta pra casa mansinho, com dinheiro no bolso, pra pagar suas tatuagens, e tem de se consolar com sua mãe cheirando a alho. Bobagem pra você, que vem aqui para cheirar conhaque e beber cocaí.. digo, beber conhaque e cheirar cocaína, e ferra teu corpo e não tem mais tesão nenhum e não dá mais no couro, nem tem vontade de dar. Só quer mesmo é afundar no padê, fala a verdade? Eu também dei uns tiros hoje, pra agüentar tudo isso, pra agüentar povinho que nem você, que vem de carro importado. Enquanto que eu tenho de pegar três ônib... Tudo bem, não tenho de pegar ônibus nenhum, moro aqui do lado. Mas tem várias meninas aí que pegam ônibus, trem, metrô, de salto-alto, maquiagem, pra ganhar o dinheirinho delas e vêm aqui e encontram essa palhaçada, essas bichas bebendo conhaque. Daí olham os bracinhos deles tatuados, torneados - você faz academia, fala a verdade? Todo dia? – e elas acham que o trabalho vai ser fácil, ou gostoso, prazeroso, mas que nada! Eu já conheço esses tipos de longe! Tipos como você não dão em nada, só ferram a minha vida. Pensa o quê? Não tenho família para sustentar, mas pago contas, faço faculdade de sociologia!"
"Bacana..."
"E você, fez publicidade, né? Fala a verdade. Ou é artista plástico? Deixa eu ver o piercing na língua, não tem? Eu tenho um, sabe? É bom pro sexo oral. Eu FAÇO sexo. Faço bem pra caralho. Invisto nisso. Coloquei piercing pra isso. E você, que fez essas tatuagens, malha os bracinhos, tudo pra tirar a camiseta na pista? Pra ficar provocando as meninas e frustrando as putas? Pra sair bem na foto e ter vários viadinhos atrás de você, só pra você se sentir mais gostoso, menos inseguro por não foder ninguém? Tô achando que você é um nerd. Fala a verdade, você é escritor de blogs?"
"Não, querida, sou seu colega."
"... colega?"
"Agora, por favor, pode mudar de mesa que está afastando meus clientes?"
Ps - Tô ouvindo algo que tem tudo a ver: "Men reading fashion magazines, Oh what a world it seems we're living in, straight men" - Rufus Wainwright, "Oh What a World"
Hum, achei outro texto que ficou perdido aqui no meu PC. Ficou um pouco pesado para uma revista como a Bravo, e tem uma característica de crônica que o torna perecível para um livro. Então vai aqui no blog mesmo. Segura aí:
"Oi, gato. Tá sozinho?"
"Não, tô esperando uma pessoa..."
"Talvez essa pessoa não venha... Tô te olhando aí há horas, bebendo seu conhaque. Vem sempre aqui?"
"Não, primeira vez hoje."
"Puxa, eu também, sabe? Sou nova aqui. Fico até um pouco insegura com este trabalho. Não sei se dou pra coisa. Mas tenho de ajudar meus pais no interior... Eles são velhinhos... Preciso do dinheiro. Não quer me pagar um conhaque desses?"
"Não."
"Você não é muito cavalheiro, é?"
"Te disse que estou esperando alguém..."
"Por quê? Por que vem num lugar destes esperar alguém? Combine no shopping!
"No shopping não rola..."
"Tô sacando qual é a sua. Você é um desses que vem aqui só atrás de pó, né? Fica aí enchendo a cara, dando uns tecos e depois vai embora porque seu pau não funciona mais. Tô te entendendo. Você acha muito louco vir aqui pra Augusta, entrar nos puteiros e dar uma de marginal. Tem uma câmera digital aí? Não vai tirar foto pro seu fotolog? Daí todos seus amiguinhos vão ver você sentado com uma puta e vão achar que você é foda, fodão, fodíssimo! Mas comer mina mesmo, você não come. Vem aqui só pra dizer que veio. Depois fica querendo organizar festinhas aqui na zona. Conversa com o Joel e combina de fechar a casa aqui pra fazer uma festa elektro. Pode até organizar umas performances. Você faz performance? Sei lá, de repente você dubla a Tati Quebra-barraco ou faz auto-mutilação. Ui! Tudo pra mostrar pros seus amigos como você é transgressor. Mas comer mina mesmo, você não come. Você torce para que alguém te veja aqui comigo. Que alguém te fotografe e coloque no site da Erika Palomino. Afinal, a Augusta tá hypada. Conheço bem seu tipo, vejo todos os dias..."
"Pensei que era sua primeira noite aqui..."
"Querido, é isso o que eu digo para os clientes que vem aqui foder de verdade, que querem uma mulher nova, gostosa, para realizar suas fantasias. É isso o que eu faço, realizo fantasias. Esse é meu trabalho, entende? Tô aqui trabalhando, enquanto vocês tão aí, curtindo com a minha cara, me tomando como decoração das suas baladinhas exóticas. Em vez de me foder, você tá fodendo com meu trabalho, pensa que não? Pense no seu pai, querido, cansado de foder sua mãe caidaça. Ele viria aqui e eu daria tudo o que ele precisa. Mas não. Ele tem medo de vir pra cá e encontrar o filhinho tatuado com seus amiguinhos. Hoje em dia ele tem medo de vir pra Augusta e sair na revista Caras! Ele tem medo de ser visto num puteiro porque agora vão pensar que ele é viado!"
"Quanta bobagem..."
"Bobagem pra você, que não tem contas pra pagar. Seu pai vai trabalhar todo dia, volta pra casa mansinho, com dinheiro no bolso, pra pagar suas tatuagens, e tem de se consolar com sua mãe cheirando a alho. Bobagem pra você, que vem aqui para cheirar conhaque e beber cocaí.. digo, beber conhaque e cheirar cocaína, e ferra teu corpo e não tem mais tesão nenhum e não dá mais no couro, nem tem vontade de dar. Só quer mesmo é afundar no padê, fala a verdade? Eu também dei uns tiros hoje, pra agüentar tudo isso, pra agüentar povinho que nem você, que vem de carro importado. Enquanto que eu tenho de pegar três ônib... Tudo bem, não tenho de pegar ônibus nenhum, moro aqui do lado. Mas tem várias meninas aí que pegam ônibus, trem, metrô, de salto-alto, maquiagem, pra ganhar o dinheirinho delas e vêm aqui e encontram essa palhaçada, essas bichas bebendo conhaque. Daí olham os bracinhos deles tatuados, torneados - você faz academia, fala a verdade? Todo dia? – e elas acham que o trabalho vai ser fácil, ou gostoso, prazeroso, mas que nada! Eu já conheço esses tipos de longe! Tipos como você não dão em nada, só ferram a minha vida. Pensa o quê? Não tenho família para sustentar, mas pago contas, faço faculdade de sociologia!"
"Bacana..."
"E você, fez publicidade, né? Fala a verdade. Ou é artista plástico? Deixa eu ver o piercing na língua, não tem? Eu tenho um, sabe? É bom pro sexo oral. Eu FAÇO sexo. Faço bem pra caralho. Invisto nisso. Coloquei piercing pra isso. E você, que fez essas tatuagens, malha os bracinhos, tudo pra tirar a camiseta na pista? Pra ficar provocando as meninas e frustrando as putas? Pra sair bem na foto e ter vários viadinhos atrás de você, só pra você se sentir mais gostoso, menos inseguro por não foder ninguém? Tô achando que você é um nerd. Fala a verdade, você é escritor de blogs?"
"Não, querida, sou seu colega."
"... colega?"
"Agora, por favor, pode mudar de mesa que está afastando meus clientes?"
Ps - Tô ouvindo algo que tem tudo a ver: "Men reading fashion magazines, Oh what a world it seems we're living in, straight men" - Rufus Wainwright, "Oh What a World"
14/09/2005
ALIENÍGENAS ATACAM KIESLOWSKI
Antes que eu me esqueça, domingo vou estar na Feira do Livro de Ribeirão Preto, às 11h, num debate com Soninha Francine. Por mais que ela seja uma pessoa interessante, não tenho idéia do que eu poderia debater com ela (que deve estar pensando a mesma coisa sobre mim). Mas vamos lá...
Nossa, tive um sonho bem sci-fi. Eu estava fazendo as legendas da mostra Kieslowski e liguei uma televisão no cinema. Apareceu a Fátima Bernardes num "plantão do Jornal Nacional" dizendo que o Iraque estava sendo atacado por naves alienígenas, mas que uma já tinha sido derrubada. "Mais informações no Jornal Nacional, às 8:15 da noite". Ficamos eu e todo o povo do cinema nos olhando: "como essa mulher dá uma informação dessas assim?"
Depois entrou outro plantão dizendo que um vilarejo na Suíça estava sendo atacado. Naquelas de sonho, eu já estava automaticamente transportado para lá, querendo dar abrigo a todos os suicinhos flagelados. Haha.
Andrea del Fuego, querida, o que esse sonho quer dizer?
Ultimamente meus sonhos tem trazido grandes respostas às dúvidas da humanidade: "Há vida em outros planetas?", "O que acontece depois da morte?" Essa segunda pergunta foi brilhantemente respondida outro dia. Eu estava num carro com o Luciancencov e veio um caminhão em nossa direção. Sabendo que a morte era inevitável, apenas pensei: "agora é que vou saber o que acontece..."
E o que aconteceu? Acordei na minha cama. Agora já sei. Depois da morte, a gente acorda para mais um dia, cheio de contas a pagar.
Foi quando ele veio nos salvar. Enorme, reluzente, metal e borracha em movimento. Contorcendo fracassos, abraçando nosso desânimo, pressionando intenções sobre o nosso corpo. Do lado inverso, na direção contrária, ele veio. Miguel assustou-se com sua luz. Eu apenas fechei os olhos, reclinei o banco, deixei que ele avançasse sobre mim, me penetrando com violência. Gritando, o ônibus manteve-se firme até o fim. Nos esfacelamos.
De "A Morte Sem Nome", embora meu sonho esteja mais para "Smiths".
Antes que eu me esqueça, domingo vou estar na Feira do Livro de Ribeirão Preto, às 11h, num debate com Soninha Francine. Por mais que ela seja uma pessoa interessante, não tenho idéia do que eu poderia debater com ela (que deve estar pensando a mesma coisa sobre mim). Mas vamos lá...
Nossa, tive um sonho bem sci-fi. Eu estava fazendo as legendas da mostra Kieslowski e liguei uma televisão no cinema. Apareceu a Fátima Bernardes num "plantão do Jornal Nacional" dizendo que o Iraque estava sendo atacado por naves alienígenas, mas que uma já tinha sido derrubada. "Mais informações no Jornal Nacional, às 8:15 da noite". Ficamos eu e todo o povo do cinema nos olhando: "como essa mulher dá uma informação dessas assim?"
Depois entrou outro plantão dizendo que um vilarejo na Suíça estava sendo atacado. Naquelas de sonho, eu já estava automaticamente transportado para lá, querendo dar abrigo a todos os suicinhos flagelados. Haha.
Andrea del Fuego, querida, o que esse sonho quer dizer?
Ultimamente meus sonhos tem trazido grandes respostas às dúvidas da humanidade: "Há vida em outros planetas?", "O que acontece depois da morte?" Essa segunda pergunta foi brilhantemente respondida outro dia. Eu estava num carro com o Luciancencov e veio um caminhão em nossa direção. Sabendo que a morte era inevitável, apenas pensei: "agora é que vou saber o que acontece..."
E o que aconteceu? Acordei na minha cama. Agora já sei. Depois da morte, a gente acorda para mais um dia, cheio de contas a pagar.
Foi quando ele veio nos salvar. Enorme, reluzente, metal e borracha em movimento. Contorcendo fracassos, abraçando nosso desânimo, pressionando intenções sobre o nosso corpo. Do lado inverso, na direção contrária, ele veio. Miguel assustou-se com sua luz. Eu apenas fechei os olhos, reclinei o banco, deixei que ele avançasse sobre mim, me penetrando com violência. Gritando, o ônibus manteve-se firme até o fim. Nos esfacelamos.
De "A Morte Sem Nome", embora meu sonho esteja mais para "Smiths".
11/09/2005
COMO DESOVAR COGUMELOS EM PORTO ALEGRE
Nesta terça, às 18:30, na Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto Alegre, acontecerá o lançamento da antologia "4X Brasil", organizada pelos professores Fernando Schüler e Gunter Axt.
A antologia é uma reunião de ensaios e contos sobre a cultura no Brasil, nas últimas décadas... ou algo assim. Conheci o Gunter no lançamento do "Feriado" em Porto Alegre e ele me convidou para escrever um artigo sobre "a nova literatura" para o livro. Como não sou teórico nem acadêmico, e não tenho nenhuma intenção de ser, fiz a contra proposta de escrever um conto sobre o mesmo tema. Felizmente ele aceitou, e o resultado está no livro.
É um conto bem extenso chamado "Como Desovar Cogumelos". Nele, eu faço uma sátira da cena literária atual, da qual eu também faço parte, descrevendo alguns tipos de escritores como "aquele que escreve blogs, tem banda e faz fotos, mas ninguém nunca viu livro"; ou "aquele que organiza antologias, participa de debates e freqüenta a cena literária, mas não escreve’; e ainda "o autor de micro-contos". Tem provocação para todo mundo, porque estou aqui para isso. Podem levar na brincadeira ou me tacar pedra, hehehe, em trechos como:
"Certamente é uma obra pesada. Tem o peso exato que eu preciso. O peso exato que eu preciso sobre o crânio do meu colega. Acerto-o. Rachado. Ele vem ao chão. Ninguém precisa de mais um escritor que escuta Chico Buarque."
Bem, mas eu mesmo não vou estar no lançamento. Não vai dar para ir para Porto Alegre. Não que eu esteja pobre, o que é isso, sou milionário, não é? Mas meu jatinho está trocando os pneus...
De qualquer forma, adoraria ir. Adoro Porto Alegre. Morei lá entre 2000 e 2002, dos 22 aos 24, e foi uma das melhores experiências da minha vida. Decidi ir a esmo. Não conhecia ninguém lá. Não tinha trabalho. Mas havia acabado de me formar, tinha uma certa grana e queria me afastar de São Paulo, morar em outro lugar, experimentar uma outra vida. Deu certo. Claro que o primeiro ano foi bem difícil, sem conhecer ninguém, indo morar sozinho pela primeira vez. Arrumar emprego acabou sendo a parte mais fácil. Mas depois, com o tempo, acabei fazendo grandes amigos, que vão ficar para a vida toda, e consegui escrever meus dois primeiros romances, tudo graças ao clima da cidade e da nova inclinação da minha vida.
Saí de lá porque queria viajar pela Europa. E depois não fez mais sentido voltar. Quero fazer isso de novo, em várias cidades, no Brasil e fora, mas o cotidiano cada vez mais me engessa...
Para quem quer conhecer literariamente Porto Alegre, recomendo "Rastros do Verão", novela de João Gilberto Noll. Acho que está esgotada em volume independente, mas pode ser encontrada em sebos ou na publicação "Romances e Contos Reunidos", lançada pela Companhia das Letras, que reune tudo o que o Noll lançou até 98 e é umas melhores coisas que eu tenho na estante (ainda mais depois que ele autografou carinhosa mente).
Bem, "Rastros do Verão" narra a chegade um homem à rodoviária de Porto Alegre, seu percurso meio a esmo pela cidade, sempre deixando questões inexplicadas, dúvidas que incomodam, o que eu considero uma das melhores características da narrativa "nolliana".
E eu li esse livro da melhor maneira possível, numa das minhas primeiras viagens a Porto Alegre, no ônibus, quando eu ia e voltava seguido, preparando a mudança.
Depois, cheguei a rondar pela cidade com o Jaspion, meu namorado na época, procurando os cenários e prédios descritos no livro.
Foi assim que me perdi de vez...
Nesta terça, às 18:30, na Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto Alegre, acontecerá o lançamento da antologia "4X Brasil", organizada pelos professores Fernando Schüler e Gunter Axt.
A antologia é uma reunião de ensaios e contos sobre a cultura no Brasil, nas últimas décadas... ou algo assim. Conheci o Gunter no lançamento do "Feriado" em Porto Alegre e ele me convidou para escrever um artigo sobre "a nova literatura" para o livro. Como não sou teórico nem acadêmico, e não tenho nenhuma intenção de ser, fiz a contra proposta de escrever um conto sobre o mesmo tema. Felizmente ele aceitou, e o resultado está no livro.
É um conto bem extenso chamado "Como Desovar Cogumelos". Nele, eu faço uma sátira da cena literária atual, da qual eu também faço parte, descrevendo alguns tipos de escritores como "aquele que escreve blogs, tem banda e faz fotos, mas ninguém nunca viu livro"; ou "aquele que organiza antologias, participa de debates e freqüenta a cena literária, mas não escreve’; e ainda "o autor de micro-contos". Tem provocação para todo mundo, porque estou aqui para isso. Podem levar na brincadeira ou me tacar pedra, hehehe, em trechos como:
"Certamente é uma obra pesada. Tem o peso exato que eu preciso. O peso exato que eu preciso sobre o crânio do meu colega. Acerto-o. Rachado. Ele vem ao chão. Ninguém precisa de mais um escritor que escuta Chico Buarque."
Bem, mas eu mesmo não vou estar no lançamento. Não vai dar para ir para Porto Alegre. Não que eu esteja pobre, o que é isso, sou milionário, não é? Mas meu jatinho está trocando os pneus...
De qualquer forma, adoraria ir. Adoro Porto Alegre. Morei lá entre 2000 e 2002, dos 22 aos 24, e foi uma das melhores experiências da minha vida. Decidi ir a esmo. Não conhecia ninguém lá. Não tinha trabalho. Mas havia acabado de me formar, tinha uma certa grana e queria me afastar de São Paulo, morar em outro lugar, experimentar uma outra vida. Deu certo. Claro que o primeiro ano foi bem difícil, sem conhecer ninguém, indo morar sozinho pela primeira vez. Arrumar emprego acabou sendo a parte mais fácil. Mas depois, com o tempo, acabei fazendo grandes amigos, que vão ficar para a vida toda, e consegui escrever meus dois primeiros romances, tudo graças ao clima da cidade e da nova inclinação da minha vida.
Saí de lá porque queria viajar pela Europa. E depois não fez mais sentido voltar. Quero fazer isso de novo, em várias cidades, no Brasil e fora, mas o cotidiano cada vez mais me engessa...
Para quem quer conhecer literariamente Porto Alegre, recomendo "Rastros do Verão", novela de João Gilberto Noll. Acho que está esgotada em volume independente, mas pode ser encontrada em sebos ou na publicação "Romances e Contos Reunidos", lançada pela Companhia das Letras, que reune tudo o que o Noll lançou até 98 e é umas melhores coisas que eu tenho na estante (ainda mais depois que ele autografou carinhosa mente).
Bem, "Rastros do Verão" narra a chegade um homem à rodoviária de Porto Alegre, seu percurso meio a esmo pela cidade, sempre deixando questões inexplicadas, dúvidas que incomodam, o que eu considero uma das melhores características da narrativa "nolliana".
E eu li esse livro da melhor maneira possível, numa das minhas primeiras viagens a Porto Alegre, no ônibus, quando eu ia e voltava seguido, preparando a mudança.
Depois, cheguei a rondar pela cidade com o Jaspion, meu namorado na época, procurando os cenários e prédios descritos no livro.
Foi assim que me perdi de vez...
09/09/2005
ESTAÇÃO... PLAYSTATION... OU MÁRIO SALVOU MINHA VIDA.
Hum, muito trabalho, felizmente, apesar da grana demorar a cair... Estou fazendo a tradução de um filme de psicanálise + terminando a tradução do JT LeRoy + fazendo alguns releases para uma ex-namorada minha + lendo um livro para resenhar. Fora que estou dedicando meu tempo livre ao Mário (do Bros). Maldita hora em que eu ressuscitei meu Super Nes. Hoje até me peguei entrando numa loja de games para olhar o preço de um Playstation. Haha. Bem, se eu tivesse um, não precisaria mais sair de casa, fazer sexo, nada. Imagine o que eu economizaria em camisinhas... de repente vale o investimento...
Não tenho entrado muito na Net, nem conseguido responder os emails. Tentei também modificar algumas coisas nos meus "comments", mas não deu certo. Então acabei tirando por um tempo. Eu recebia tudo na minha caixa postal, não conseguia responder, e tinha todos aqueles comentários anônimos tolinhos. Acho que quem quiser falar mesmo comigo pode escrever para o meu email, como já vinham fazendo, e os detratores terão ao menos o trabalho de criar uma conta falsa no hotmail ou bol. Eu terei apenas o trabalho de apertar o "delete" ou bloqueá-los automaticamente por filtro e ninguém ficará sabendo.
Aliás, dia desses, o famoso "Jean" veio aqui em casa. Me ligou pedindo desculpas. Disse que era um rapaz gordinho de óculos e aparelho de quem eu caçoava na escola, que nunca foi bom em esportes nem era popular e pretendia ascender como intelectual, por isso me atacava tanto como "anônimo" aqui no blog. Eu invadia um terreno que deveria ser dele.
Eu não me lembrava muito bem quem ele era, mas fiquei com pena e marquei um encontro.
Jean veio com um olhar tímido, trazendo uma pasta cheia de contos, pediu para eu dar uma olhada. Vi por alto, achei tudo bem previsível, mas disse a ele que só poderia avaliar melhor lendo com calma. De qualquer forma, foi uma ótima surpresa. Ele tinha outros talentos. Havia emagrecido. Trocara os óculos por lente de contato. Tinha um longo cabelo castanho claro e uns lábios vermelhos que suspiravam poesia, mesmo quando calados. Oh, sim, eu adorava quando ele ficava calado...
Então peguei na sua mão e perguntei: "é com esses dedos que você escreve aquelas coisas terríveis sobre mim?" Com os olhos cheios de lágrimas, ele se confessou frustrado, nunca havia sido um rapaz bonito ou integrado e se consolava pensando que, pelo menos nas letras, teria seu espaço. Eu disse para ele não se importar, que talvez ele não tivesse futuro com as letras, mas que com certeza seus tempos de intelectual fracassado haviam passado. "Eu vejo poesia no seu corpo, Jean."
E assim fizemos amor.... ou algo parecido. No dia seguinte, eu o recomendei para uma agência de modelos. Parece que, no mesmo dia, já conseguiu um contrato com o Armani e vai ganhar mais do que eu ganhei com TODOS os meus livros. Ah, eu devia pedir comissão...
Você vê o que a esteira não pode fazer por você?
Estão vindo aí também uma série de leituras, palestras e debates. A próxima é semana que vem, em Ribeirão Preto, depois dou mais detalhes. Estou tentando marcar algo com a minha mãe, Elisa Nazarian, que também escreve, mas tem um certo pudor em se apresentar publicamente. Ainda este ano a gente se apresenta juntos aqui em São Paulo...
Hum, muito trabalho, felizmente, apesar da grana demorar a cair... Estou fazendo a tradução de um filme de psicanálise + terminando a tradução do JT LeRoy + fazendo alguns releases para uma ex-namorada minha + lendo um livro para resenhar. Fora que estou dedicando meu tempo livre ao Mário (do Bros). Maldita hora em que eu ressuscitei meu Super Nes. Hoje até me peguei entrando numa loja de games para olhar o preço de um Playstation. Haha. Bem, se eu tivesse um, não precisaria mais sair de casa, fazer sexo, nada. Imagine o que eu economizaria em camisinhas... de repente vale o investimento...
Não tenho entrado muito na Net, nem conseguido responder os emails. Tentei também modificar algumas coisas nos meus "comments", mas não deu certo. Então acabei tirando por um tempo. Eu recebia tudo na minha caixa postal, não conseguia responder, e tinha todos aqueles comentários anônimos tolinhos. Acho que quem quiser falar mesmo comigo pode escrever para o meu email, como já vinham fazendo, e os detratores terão ao menos o trabalho de criar uma conta falsa no hotmail ou bol. Eu terei apenas o trabalho de apertar o "delete" ou bloqueá-los automaticamente por filtro e ninguém ficará sabendo.
Aliás, dia desses, o famoso "Jean" veio aqui em casa. Me ligou pedindo desculpas. Disse que era um rapaz gordinho de óculos e aparelho de quem eu caçoava na escola, que nunca foi bom em esportes nem era popular e pretendia ascender como intelectual, por isso me atacava tanto como "anônimo" aqui no blog. Eu invadia um terreno que deveria ser dele.
Eu não me lembrava muito bem quem ele era, mas fiquei com pena e marquei um encontro.
Jean veio com um olhar tímido, trazendo uma pasta cheia de contos, pediu para eu dar uma olhada. Vi por alto, achei tudo bem previsível, mas disse a ele que só poderia avaliar melhor lendo com calma. De qualquer forma, foi uma ótima surpresa. Ele tinha outros talentos. Havia emagrecido. Trocara os óculos por lente de contato. Tinha um longo cabelo castanho claro e uns lábios vermelhos que suspiravam poesia, mesmo quando calados. Oh, sim, eu adorava quando ele ficava calado...
Então peguei na sua mão e perguntei: "é com esses dedos que você escreve aquelas coisas terríveis sobre mim?" Com os olhos cheios de lágrimas, ele se confessou frustrado, nunca havia sido um rapaz bonito ou integrado e se consolava pensando que, pelo menos nas letras, teria seu espaço. Eu disse para ele não se importar, que talvez ele não tivesse futuro com as letras, mas que com certeza seus tempos de intelectual fracassado haviam passado. "Eu vejo poesia no seu corpo, Jean."
E assim fizemos amor.... ou algo parecido. No dia seguinte, eu o recomendei para uma agência de modelos. Parece que, no mesmo dia, já conseguiu um contrato com o Armani e vai ganhar mais do que eu ganhei com TODOS os meus livros. Ah, eu devia pedir comissão...
Você vê o que a esteira não pode fazer por você?
Estão vindo aí também uma série de leituras, palestras e debates. A próxima é semana que vem, em Ribeirão Preto, depois dou mais detalhes. Estou tentando marcar algo com a minha mãe, Elisa Nazarian, que também escreve, mas tem um certo pudor em se apresentar publicamente. Ainda este ano a gente se apresenta juntos aqui em São Paulo...
08/09/2005
ELA NÃO SABE NADAR
Ela acorrentou uma pedra aos pés, jogou no mar e afundou. No ponto mais fundo desta baía, saltando do barco em movimento, vencendo rapidamente milhares de léguas, integrando-se à fauna marinha. Com suas lentes de contato ela consegue ver debaixo d’água com clareza. Por ter olhos claros, a escuridão não é tão intensa. Pelo impacto da pedra, se abre uma fenda no solo. Libera uma mina submersa. Deixa fluir um lençol de oxigênio.
Ela tenta deixar de respirar, mas a corrente de ar em bolhas atinge diretamente o seu nariz. Ela é mantida viva debaixo d’água. Ela tem uma pedra acorrentada aos pés. Ela não pode ir mais fundo nem emergir. Está enterrada viva no fundo do mar.
O primeiro pensamento é de alívio. A morte não foi tão dolorosa quanto ela achou que seria. A dúvida da água nos pulmões foi satisfeita. De repente, ela até já morreu, mas nem sentiu a passagem, nem pôde ter certeza.
O segundo pensamento reafirma. Ela ainda está viva e sabe porque está. Percebe que o ar ainda preenche seu corpo e que é preciso um pouco mais de tempo para tudo terminar. Logo virá o sono e ela se esquecerá. Logo virá o sono para ela não mais acordar. Mas ela não pode se deitar. O ar em seus pulmões mantém seu corpo ereto, e a pedra nos pés a impede de flutuar. Sozinha, embaixo d’água, ela só pode esperar.
Espera que o lençol de oxigênio cesse. Que o corpo não agüente e que ela se entregue finalmente. Quanto tempo isso pode levar? Antes, será engolida pela baleia. Antes, o tubarão a terá para jantar. Ela observa o azul infinito, esperando ver a morte, o fim chegar.
Passam-se minutos, horas, numa situação daquelas é impossível dizer. A cada segundo ela acha que o próximo não virá. Mas a cada instante seguinte uma bolha penetra em suas narinas e ela é obrigada a continuar. A água ao seu redor vai se adaptando à temperatura do seu corpo e logo toda a baía está fervendo em febre. Mas isso não é suficiente para natureza desistir. Isso não é suficiente para os processos químicos do seu corpo acabarem e as células encontrarem maneiras precárias de sobreviver. Precárias, sobrevivem. Ela sobrevive. O tempo vai passando lá no fundo, e nada dela morrer.
E nada de um tubarão a comer. Com o tempo, peixes pequenos, minúsculos, se aproximam e percebem que não precisam ter medo. Que ela lá embaixo não pode fazer mal a ninguém. Que seus cabelos flutuantes e suas roupas etéreas a fazem parecer com uma alga, uma anêmona, um equinoderno sem pensamentos nem vontades. Os peixes passeiam por entre seus dedos e se encantam com a cor do seu esmalte. Provam um pedaço. Roem suas unhas. Mordem as pontas de seus dedos. Eles acham uma delícia. Ela não pode reclamar.
E, como numa anêmona, ela também serve de lar. Crustáceos nadam entre suas pernas, encontram uma fenda e se abrigam lá dentro, que é seguro, e escuro, e quente. Ela tenta espantar os parasitas, mas seus braços embaixo d’água se movimentam lentos como carícias. Os peixes levam na brincadeira. Os crustáceos levam na brincadeira. Todos levam na brincadeira e mais animais vêm brincar. Golfinhos, tartarugas, enguias e estrelas do mar. Ouriços se fixam sobre seus ombros. Ela se torna uma colônia; sobre seus seios se formam corais.
Nesse estágio de simbiose, ela já não pode mais morrer. Alimenta-se dos animais que se alimentam dela. Tornam-se uma coisa só. Seu corpo já não responde mais totalmente a seu cérebro, mas seu cérebro ainda pensa e seus olhos ainda vêem e seu corpo ainda sente e ela ainda deseja morrer. Ela ainda quer se matar.
Por que não esperou por mim, eu me pergunto? Por que não pediu para eu ajudá-la? Seca, entre os lençóis. Suada, entre minhas mãos. Eu apertaria sua garganta e não deixaria espaço para nenhuma molécula de ar. Eu beijaria sua boca e não deixaria nenhum suspiro escapar. Ela morreria em meus braços e eu meus braços eu a mataria e não haveria ouriços, nem peixes, crustáceos, nada entre suas pernas e sobre seus ombros. Não haveria o peso desses litros e litros, nem corais, nem estrelas nem ouriços. Apenas meus dedos em suas garganta, e em seus olhos, fazendo-os fechar. Seria muito mais lindo e muito mais rápido. Seria mais fácil e mais indolor. Por que ela não esperou por mim, eu me pergunto? E onde foi que ela afundou?
"Mário, pare com isso. Largue essa corrente. Você sabe que ela não se matou, apenas foi embora. Não se debruce assim no barco, que você não sabe nadar."
Achei este projeto de conto hoje aqui nos meus arquivos. Não rendeu, nunca terminei, ficou bem cru, mas, como sushi, achei interessante para postar...
Ela acorrentou uma pedra aos pés, jogou no mar e afundou. No ponto mais fundo desta baía, saltando do barco em movimento, vencendo rapidamente milhares de léguas, integrando-se à fauna marinha. Com suas lentes de contato ela consegue ver debaixo d’água com clareza. Por ter olhos claros, a escuridão não é tão intensa. Pelo impacto da pedra, se abre uma fenda no solo. Libera uma mina submersa. Deixa fluir um lençol de oxigênio.
Ela tenta deixar de respirar, mas a corrente de ar em bolhas atinge diretamente o seu nariz. Ela é mantida viva debaixo d’água. Ela tem uma pedra acorrentada aos pés. Ela não pode ir mais fundo nem emergir. Está enterrada viva no fundo do mar.
O primeiro pensamento é de alívio. A morte não foi tão dolorosa quanto ela achou que seria. A dúvida da água nos pulmões foi satisfeita. De repente, ela até já morreu, mas nem sentiu a passagem, nem pôde ter certeza.
O segundo pensamento reafirma. Ela ainda está viva e sabe porque está. Percebe que o ar ainda preenche seu corpo e que é preciso um pouco mais de tempo para tudo terminar. Logo virá o sono e ela se esquecerá. Logo virá o sono para ela não mais acordar. Mas ela não pode se deitar. O ar em seus pulmões mantém seu corpo ereto, e a pedra nos pés a impede de flutuar. Sozinha, embaixo d’água, ela só pode esperar.
Espera que o lençol de oxigênio cesse. Que o corpo não agüente e que ela se entregue finalmente. Quanto tempo isso pode levar? Antes, será engolida pela baleia. Antes, o tubarão a terá para jantar. Ela observa o azul infinito, esperando ver a morte, o fim chegar.
Passam-se minutos, horas, numa situação daquelas é impossível dizer. A cada segundo ela acha que o próximo não virá. Mas a cada instante seguinte uma bolha penetra em suas narinas e ela é obrigada a continuar. A água ao seu redor vai se adaptando à temperatura do seu corpo e logo toda a baía está fervendo em febre. Mas isso não é suficiente para natureza desistir. Isso não é suficiente para os processos químicos do seu corpo acabarem e as células encontrarem maneiras precárias de sobreviver. Precárias, sobrevivem. Ela sobrevive. O tempo vai passando lá no fundo, e nada dela morrer.
E nada de um tubarão a comer. Com o tempo, peixes pequenos, minúsculos, se aproximam e percebem que não precisam ter medo. Que ela lá embaixo não pode fazer mal a ninguém. Que seus cabelos flutuantes e suas roupas etéreas a fazem parecer com uma alga, uma anêmona, um equinoderno sem pensamentos nem vontades. Os peixes passeiam por entre seus dedos e se encantam com a cor do seu esmalte. Provam um pedaço. Roem suas unhas. Mordem as pontas de seus dedos. Eles acham uma delícia. Ela não pode reclamar.
E, como numa anêmona, ela também serve de lar. Crustáceos nadam entre suas pernas, encontram uma fenda e se abrigam lá dentro, que é seguro, e escuro, e quente. Ela tenta espantar os parasitas, mas seus braços embaixo d’água se movimentam lentos como carícias. Os peixes levam na brincadeira. Os crustáceos levam na brincadeira. Todos levam na brincadeira e mais animais vêm brincar. Golfinhos, tartarugas, enguias e estrelas do mar. Ouriços se fixam sobre seus ombros. Ela se torna uma colônia; sobre seus seios se formam corais.
Nesse estágio de simbiose, ela já não pode mais morrer. Alimenta-se dos animais que se alimentam dela. Tornam-se uma coisa só. Seu corpo já não responde mais totalmente a seu cérebro, mas seu cérebro ainda pensa e seus olhos ainda vêem e seu corpo ainda sente e ela ainda deseja morrer. Ela ainda quer se matar.
Por que não esperou por mim, eu me pergunto? Por que não pediu para eu ajudá-la? Seca, entre os lençóis. Suada, entre minhas mãos. Eu apertaria sua garganta e não deixaria espaço para nenhuma molécula de ar. Eu beijaria sua boca e não deixaria nenhum suspiro escapar. Ela morreria em meus braços e eu meus braços eu a mataria e não haveria ouriços, nem peixes, crustáceos, nada entre suas pernas e sobre seus ombros. Não haveria o peso desses litros e litros, nem corais, nem estrelas nem ouriços. Apenas meus dedos em suas garganta, e em seus olhos, fazendo-os fechar. Seria muito mais lindo e muito mais rápido. Seria mais fácil e mais indolor. Por que ela não esperou por mim, eu me pergunto? E onde foi que ela afundou?
"Mário, pare com isso. Largue essa corrente. Você sabe que ela não se matou, apenas foi embora. Não se debruce assim no barco, que você não sabe nadar."
Achei este projeto de conto hoje aqui nos meus arquivos. Não rendeu, nunca terminei, ficou bem cru, mas, como sushi, achei interessante para postar...
07/09/2005
LISTÃO
Filmes:
"Adeus Minha Concubina" de Chen Kaige / "Aconteceu na Suíte 16" de Dominique Deruddere / "Ed Wood" e "Peixe Grande" de Tim Burton/ "Não Viver"de Hiroshi Shimizu/ "Morte em Veneza" de Luchino Visconti (Itália)
"O Anjo Exterminador" e "Esse Obscuro Objeto do Desejo de Luis Buñuel/ "Amores Expressos" e "Anjos Caídos" de Wong Kar Wai/ "Adeus Dragon Inn" e "O Buraco" de Tsai Ming Liang/ "Dogville" e "Os Idiotas"de Lars Von Trier/ "O Processo" de Orson Welles/ "O Massacre da Serra Elétrica " de Tobe Hopper/ "Elefante" e "Garotos de Programa" de Gus Van Sant/ "Família" de Fernando Leon Aranoa/ "Funny Games" de Michael Haneke/ "O Bebê de Rosemary" de Roman Polansky/ "Morte ao Vivo" de Alejandro Almenabar/ "O que Aconteceu a Baby Jane?" de Michael Aldrich/ "O Chamado" de Gore Verbinski/ "The Evil Dead" de Sam Raimi/ "Audition" de Takeshi Miike/ "Halloween" de John Carpenter/ "Serial Mom" de John Waters/ "Dolls" de Takeshi Kitano (Japão)/ "Casa Vazia" de Kim Ki-Duk/ "As Virgens Suicidas" de Sofia Copolla/ "O Clã das Adagas Voadoras"
Livros:
"A Montanha Mágica", "A Morte em Veneza’, Tonio Kröeger" e "Os Famintos" de Thomas Mann/ "O Cego e a Dançarina", "Hotel Atlântico" e "Rastros do Verão" de João Gilberto Noll/ "O Retrato de Dorian Gray" e "De Profundis" de Oscar Wilde/ "A Confissão de Lúcio" de Mário de Sá Carneiro/ "A Noite Escura e Mais Eu" e "As Meninas" de Lygia Fagundes Telles/ "The Toys Of Peace" de Saki/ "Grimble" de Clement Freud/ "Morangos Mofados" de Caio Fernando Abreu/ "1984" de George Orwell/ "Drácula" de Bram Stoker/ Karmilla de Sheridan La Fannu/ "O Centauro no Jardim" de Moacir Scliar/ "Os Prazeres e os Dias" de Marcel Proust/ "As Flores do Mal" de Charles Baudelaire/ "Werther" de Johan Wolfgan Von Goethe/ "O Processo" e "A Metamorfose" de Franz Kafka/ "O Estrangeiro" de Albert Camus/ "Desidéria, "Dois Adolescentes" e "O Homem que Olha" de Alberto Morávia"/ "Giovani’s Room" de James Baldwin/ Ring de Koji Suzuki/ "Um Copo de Cólera" de Raduan Nassar/ "Antes, o Verão" de Carlos Heitor Conny/ "Lolita" de Wladimir Nabokov/ "Demian" e "O Lobo da Estepe" de Herman Hesse/ "Naked Lunch" de William Burroughs/ "Running with Scissors" de Augusten Burroughs/ "Noite na Taverna" de Alvarez de Azevedo/ "O País das Sombras Longas" de Hans Ruesch/ "Paraísos Artificiais" de Paulo Henriques Britto/ "Allan Stein" de Mathew Stadler/ "O Gato" de Yves Beauchemin/ "O Exorcista" de William Peter Blatty/ "O Templo" de Stephen Spender/ "O Jovem Torless" de Robert Musil/ "De Dentro da Noite" de João do Rio/ "Cristiane F" de Cristiane F/ "It" de Stephen King/ "A Volta do Parafuso" de Henry James/ "The Man Who Fell in Love with the Moon" de Tom Spanbauer/ "Sarah"de JT LeRoy/ "Auto de Fé" de Elias Canetti
Discos:
"Outside", "Hunky Dory" e "The Rise and Fall of Ziggy Stardust" de David Bowie/ "Suede" e "Dog Man Star" de Suede/ "Universal Mother" de Sinéad O’Connor"/ "Stars" de Lori Carson/ "Cantada" e "Marítimo" de Adriana Calcanhotto/ "Pierrot do Brasil" de Marina Lima/ "Olhar Brasileiro" de Eduardo Dussek/ "Meu Jeito de Amar" e "Tudo Passará" de Nelson Ned/ "After Murder Park" de Auteurs/ "Dummy" de Portishead/ "Antichrist Superstar" de Marilyn Manson/ "Música de Amor" de Tetine/ "Different Class" de Pulp/ "Want One" e "Poses" de Rufus Wainwright/ "Murder Ballads" de Nick Cave/ "Bastard Art" de Sex Gang Children/ "Juju" e "The Rapture" de Siouxsie and the Banshees/ "Without You I’m Nothing" de Placebo/ "Acústico" de Kid Abelha/ "A Sétima Efervescência" de Júpiter Maçã/ "Parallel Lines" e "No Exit" de Blondie/ "Thriller" e "Dangerous" de Michael Jackson/ "Blue" de Joni Mitchell/ "Sweet Dreams" de Eurythmics/ "Diva" de Annie Lennox/ "Fat of the Land" e "Always Outnumbered" de Prodigy/ "In The Flat Field" de Bauhaus/ "Roxy Music" de Roxy Music/ "Us" de Peter Gabriel/ "Scott 1" de Scott Walker/ "Melody AM" de Royksopp/ "The No Comprendo" e "Cool Frenezie" de Les Rita Mitsouko/ "The Sound Of" de McAlmont & Butler/ "Nightclubbing" de Grace Jones/ "Saúde" de Rita Lee/ "Ruído Rosa" de Pato Fu/ "Loki" de Arnaldo Baptista/ "Tin Drum" de Japan
Comidas:
Sorvete de Mascarpone com Chocolate/ Mouse de Nhá Benta/ Nhá Benta/ Frango a Thomas Schimidt/ Sushy/ Pato com Laranja/ Kit Kat Chunky/ Peru de Natal dos Nazarian/ Hamburger Hot America/ Javali com Geléia de Amora/ Duplo Quarteirão/ Pastel de Palmito/ Frango aos Quatro Queijos da Petiskeira/ Camarão à Grega/ Danoninho/ Brownie/ Homus/ Pizza de Shitake com Couve/ Chocolate Leonidas/ Churros/ Salmão Defumado/ Fondue de Queijo/ Marshmellow/ Paçoca/ Cachorro Quente Paulista/ Cheese Burguer da Lancheria do Parque/ Rodízio do Baalbek/ Queijo Brie/ Doce de Abóbora com Coco/ Balas de Ursinho Haribo/ Confeti/ Toblerone/ Salmiaki/ Pão Chinês/ Torta de Nozes/ Coxinha
Bebidas:
Chimarrão/ Milkshake de Ovomaltine/ Vodca/ Guaraná Diet/ Caipiroska de Morango/ Sakê/ Água de Coco/ Mojito
Listas em constante movimento.
Filmes:
"Adeus Minha Concubina" de Chen Kaige / "Aconteceu na Suíte 16" de Dominique Deruddere / "Ed Wood" e "Peixe Grande" de Tim Burton/ "Não Viver"de Hiroshi Shimizu/ "Morte em Veneza" de Luchino Visconti (Itália)
"O Anjo Exterminador" e "Esse Obscuro Objeto do Desejo de Luis Buñuel/ "Amores Expressos" e "Anjos Caídos" de Wong Kar Wai/ "Adeus Dragon Inn" e "O Buraco" de Tsai Ming Liang/ "Dogville" e "Os Idiotas"de Lars Von Trier/ "O Processo" de Orson Welles/ "O Massacre da Serra Elétrica " de Tobe Hopper/ "Elefante" e "Garotos de Programa" de Gus Van Sant/ "Família" de Fernando Leon Aranoa/ "Funny Games" de Michael Haneke/ "O Bebê de Rosemary" de Roman Polansky/ "Morte ao Vivo" de Alejandro Almenabar/ "O que Aconteceu a Baby Jane?" de Michael Aldrich/ "O Chamado" de Gore Verbinski/ "The Evil Dead" de Sam Raimi/ "Audition" de Takeshi Miike/ "Halloween" de John Carpenter/ "Serial Mom" de John Waters/ "Dolls" de Takeshi Kitano (Japão)/ "Casa Vazia" de Kim Ki-Duk/ "As Virgens Suicidas" de Sofia Copolla/ "O Clã das Adagas Voadoras"
Livros:
"A Montanha Mágica", "A Morte em Veneza’, Tonio Kröeger" e "Os Famintos" de Thomas Mann/ "O Cego e a Dançarina", "Hotel Atlântico" e "Rastros do Verão" de João Gilberto Noll/ "O Retrato de Dorian Gray" e "De Profundis" de Oscar Wilde/ "A Confissão de Lúcio" de Mário de Sá Carneiro/ "A Noite Escura e Mais Eu" e "As Meninas" de Lygia Fagundes Telles/ "The Toys Of Peace" de Saki/ "Grimble" de Clement Freud/ "Morangos Mofados" de Caio Fernando Abreu/ "1984" de George Orwell/ "Drácula" de Bram Stoker/ Karmilla de Sheridan La Fannu/ "O Centauro no Jardim" de Moacir Scliar/ "Os Prazeres e os Dias" de Marcel Proust/ "As Flores do Mal" de Charles Baudelaire/ "Werther" de Johan Wolfgan Von Goethe/ "O Processo" e "A Metamorfose" de Franz Kafka/ "O Estrangeiro" de Albert Camus/ "Desidéria, "Dois Adolescentes" e "O Homem que Olha" de Alberto Morávia"/ "Giovani’s Room" de James Baldwin/ Ring de Koji Suzuki/ "Um Copo de Cólera" de Raduan Nassar/ "Antes, o Verão" de Carlos Heitor Conny/ "Lolita" de Wladimir Nabokov/ "Demian" e "O Lobo da Estepe" de Herman Hesse/ "Naked Lunch" de William Burroughs/ "Running with Scissors" de Augusten Burroughs/ "Noite na Taverna" de Alvarez de Azevedo/ "O País das Sombras Longas" de Hans Ruesch/ "Paraísos Artificiais" de Paulo Henriques Britto/ "Allan Stein" de Mathew Stadler/ "O Gato" de Yves Beauchemin/ "O Exorcista" de William Peter Blatty/ "O Templo" de Stephen Spender/ "O Jovem Torless" de Robert Musil/ "De Dentro da Noite" de João do Rio/ "Cristiane F" de Cristiane F/ "It" de Stephen King/ "A Volta do Parafuso" de Henry James/ "The Man Who Fell in Love with the Moon" de Tom Spanbauer/ "Sarah"de JT LeRoy/ "Auto de Fé" de Elias Canetti
Discos:
"Outside", "Hunky Dory" e "The Rise and Fall of Ziggy Stardust" de David Bowie/ "Suede" e "Dog Man Star" de Suede/ "Universal Mother" de Sinéad O’Connor"/ "Stars" de Lori Carson/ "Cantada" e "Marítimo" de Adriana Calcanhotto/ "Pierrot do Brasil" de Marina Lima/ "Olhar Brasileiro" de Eduardo Dussek/ "Meu Jeito de Amar" e "Tudo Passará" de Nelson Ned/ "After Murder Park" de Auteurs/ "Dummy" de Portishead/ "Antichrist Superstar" de Marilyn Manson/ "Música de Amor" de Tetine/ "Different Class" de Pulp/ "Want One" e "Poses" de Rufus Wainwright/ "Murder Ballads" de Nick Cave/ "Bastard Art" de Sex Gang Children/ "Juju" e "The Rapture" de Siouxsie and the Banshees/ "Without You I’m Nothing" de Placebo/ "Acústico" de Kid Abelha/ "A Sétima Efervescência" de Júpiter Maçã/ "Parallel Lines" e "No Exit" de Blondie/ "Thriller" e "Dangerous" de Michael Jackson/ "Blue" de Joni Mitchell/ "Sweet Dreams" de Eurythmics/ "Diva" de Annie Lennox/ "Fat of the Land" e "Always Outnumbered" de Prodigy/ "In The Flat Field" de Bauhaus/ "Roxy Music" de Roxy Music/ "Us" de Peter Gabriel/ "Scott 1" de Scott Walker/ "Melody AM" de Royksopp/ "The No Comprendo" e "Cool Frenezie" de Les Rita Mitsouko/ "The Sound Of" de McAlmont & Butler/ "Nightclubbing" de Grace Jones/ "Saúde" de Rita Lee/ "Ruído Rosa" de Pato Fu/ "Loki" de Arnaldo Baptista/ "Tin Drum" de Japan
Comidas:
Sorvete de Mascarpone com Chocolate/ Mouse de Nhá Benta/ Nhá Benta/ Frango a Thomas Schimidt/ Sushy/ Pato com Laranja/ Kit Kat Chunky/ Peru de Natal dos Nazarian/ Hamburger Hot America/ Javali com Geléia de Amora/ Duplo Quarteirão/ Pastel de Palmito/ Frango aos Quatro Queijos da Petiskeira/ Camarão à Grega/ Danoninho/ Brownie/ Homus/ Pizza de Shitake com Couve/ Chocolate Leonidas/ Churros/ Salmão Defumado/ Fondue de Queijo/ Marshmellow/ Paçoca/ Cachorro Quente Paulista/ Cheese Burguer da Lancheria do Parque/ Rodízio do Baalbek/ Queijo Brie/ Doce de Abóbora com Coco/ Balas de Ursinho Haribo/ Confeti/ Toblerone/ Salmiaki/ Pão Chinês/ Torta de Nozes/ Coxinha
Bebidas:
Chimarrão/ Milkshake de Ovomaltine/ Vodca/ Guaraná Diet/ Caipiroska de Morango/ Sakê/ Água de Coco/ Mojito
Listas em constante movimento.
01/09/2005
ARANHA NO AÇÚCAR
"Antes que pudesse abrir qualquer página, uma aranha subiu na minha mão, prendeu-me com teia ao livro, passeou por entre meus dedos. Melado eu estava, melados meus dedos. Tinha medo. De que ela me mordesse pelo açúcar. "Aranha não come doce", minha consciência dizia. A mãe do Santiago diria: "aranhas se alimentam de livros". Ou dos insetos que vivem entre eles, daqueles que escalam lombadas. Eu queria puxar minha mão para longe. Mas estava grudada."
Saiu na revista Bravo deste mês um conto inédito meu, "Aranha no Açúcar" (trecho acima). Este conto inaugura a última página da revista, que agora será dedicada todos os meses à ficção. É um dos meus favoritos, apesar de ter sido bem editado para caber na revista.
E tem mais uma pá de contos, da minha melhor safra, saindo neste segundo semestre:
"Como Desovar Cogumelos": "Nunca fui de falar de futebol e meninas, queria falar sobre fungos, mas acho que nisso eles não se interessariam. É por isso que sou escritor - penso com aquele orgulho tolo, secreto e exclusivo." Será lançado em setembro, na antologia 4X Brasil, da Artes e Ofícios Editora/RS.
"Ismália": "Ela era muito mais mulher do que eu. Mas não quero dizer com isso que ela tinha algum traço de esquizofrenia." Sairá na antologia "De Verso em Prosa", a ser lançada pela Editora do Senac/RJ.
"O Vendedor de Mancebos": "Ele era cronista, e isso lhe trazia cada vez mais vergonha. Não estava esclarecendo os fatos, como seus colegas jornalistas, nem sublimando-os, como seus amigos escritores. Ele tinha compromisso com a verdade, mas essa não poderia lhe salvar." Deve sair na revista do Sesc, em outubro.
"Serpentes com Braços": "O sorriso do garoto colocava os pés na cadeira da frente. Mostrava-lhe a sola para que o professor tivesse certeza de que estava sendo pisoteado. Ah, era pisoteado. Por mais que tentasse ver os garotos como serpentes, por mais que quisesse ser apenas um rato para alimentá-los, por mais que desejasse ser textura entre os dentes, tecido constituinte, proteína animal, ele sabia, eles sempre teriam pernas para lhe pisar." A ser lançado em livro durante os debates sobre literatura latino americana no CCBB Rio, em outubro.
Além disso tudo, terminei e registrei recentemente meu quarto romance (ainda não negociado). O título... é a primeira vez que digo em voz alta: "MASTIGANDO HUMANOS".
Com certeza meu melhor livro, de longe. Mas esse vai ficar guardadinho um bom tempo...
(agora escuto "and he stole from the rich and the poor and the not-very-rich and the very poor and he stole all hearts away". Morrissey. A coisa mais previsível que um rapaz como eu poderia ouvir... depois de Bowie)
"Antes que pudesse abrir qualquer página, uma aranha subiu na minha mão, prendeu-me com teia ao livro, passeou por entre meus dedos. Melado eu estava, melados meus dedos. Tinha medo. De que ela me mordesse pelo açúcar. "Aranha não come doce", minha consciência dizia. A mãe do Santiago diria: "aranhas se alimentam de livros". Ou dos insetos que vivem entre eles, daqueles que escalam lombadas. Eu queria puxar minha mão para longe. Mas estava grudada."
Saiu na revista Bravo deste mês um conto inédito meu, "Aranha no Açúcar" (trecho acima). Este conto inaugura a última página da revista, que agora será dedicada todos os meses à ficção. É um dos meus favoritos, apesar de ter sido bem editado para caber na revista.
E tem mais uma pá de contos, da minha melhor safra, saindo neste segundo semestre:
"Como Desovar Cogumelos": "Nunca fui de falar de futebol e meninas, queria falar sobre fungos, mas acho que nisso eles não se interessariam. É por isso que sou escritor - penso com aquele orgulho tolo, secreto e exclusivo." Será lançado em setembro, na antologia 4X Brasil, da Artes e Ofícios Editora/RS.
"Ismália": "Ela era muito mais mulher do que eu. Mas não quero dizer com isso que ela tinha algum traço de esquizofrenia." Sairá na antologia "De Verso em Prosa", a ser lançada pela Editora do Senac/RJ.
"O Vendedor de Mancebos": "Ele era cronista, e isso lhe trazia cada vez mais vergonha. Não estava esclarecendo os fatos, como seus colegas jornalistas, nem sublimando-os, como seus amigos escritores. Ele tinha compromisso com a verdade, mas essa não poderia lhe salvar." Deve sair na revista do Sesc, em outubro.
"Serpentes com Braços": "O sorriso do garoto colocava os pés na cadeira da frente. Mostrava-lhe a sola para que o professor tivesse certeza de que estava sendo pisoteado. Ah, era pisoteado. Por mais que tentasse ver os garotos como serpentes, por mais que quisesse ser apenas um rato para alimentá-los, por mais que desejasse ser textura entre os dentes, tecido constituinte, proteína animal, ele sabia, eles sempre teriam pernas para lhe pisar." A ser lançado em livro durante os debates sobre literatura latino americana no CCBB Rio, em outubro.
Além disso tudo, terminei e registrei recentemente meu quarto romance (ainda não negociado). O título... é a primeira vez que digo em voz alta: "MASTIGANDO HUMANOS".
Com certeza meu melhor livro, de longe. Mas esse vai ficar guardadinho um bom tempo...
(agora escuto "and he stole from the rich and the poor and the not-very-rich and the very poor and he stole all hearts away". Morrissey. A coisa mais previsível que um rapaz como eu poderia ouvir... depois de Bowie)
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ENTÂO VOCÊ SE CONSIDERA ESCRITOR?
Então você se considera escritor? (Trago questões, não trago respostas...) Eu sempre vejo com certo cinismo, quando alguém coloca: fulan...