BANDIDO CORAZÓN
Acabei de acabar e entregar a tradução do livro "The Heart is Deceitful Above All Things", do JT LeRoy, para a Geração Editorial. Provavelmente o título em português será... MALDITO CORAÇÃO. Calma, calma, eu posso explicar. É o título nacional do filme baseado no livro (que também tem o mesmo nome original do livro, em inglês). Então é melhor aproveitar que está estreando e lançar o livro com o mesmo nome. E eu não acho um nome ruim...
Cá entre nós, o romance é bem melhor do que o filme. Dá uma dimensão maior do "personagem JT". No filme (dirigido pela Asia Argento), ele é colocado como eterna vítima, o que não é algo muito real. O livro mostra como ele resolveu a situação, sendo obrigado a encontrar prazer em meio à violência. Mas acredito que isso seria muito pesado para se mostrar no cinema, especialmente tendo de recorrer a atores mirins para o papel. Além do mais, o romance é muuuuuuuuuuuuuuuuuuuito mais pesado, acreditem.
Para quem chegou agora, JT LeRoy é um escritor de 25 anos, que teve uma infância pra lá de bizarra, sendo abusado pelos namorados da mãe, trabalhando de michê desde cedo e sofrendo o diabo. Cresceu e escreveu suas memórias, se tornando uma "coqueluche" nos EUA. Veio ao Brasil recentemente, lançar um de seus livros, e eu acabei o conhecendo, jantando com ele, a convite da editora, que me passou o segundo livro dele para traduzir.
Ao terminar a tradução, fico me perguntando como JT LeRoy se tornou uma "personalidade pop". Ao contrário do que muita gente pensa, a história não traça o perfil de um garoto cool, que sofre os terrores do underground. Não, ele é um garoto que cresce entre os caipiras mais caipiras dos Estados Unidos: cowboys, caminhoneiros, pastores de igreja, e sofre com a hipocrisia de todos eles. O livro também não tem uma estética nada fashion: é uma narrativa pesada, com momentos escatológicos. Para vocês terem uma idéia clara da diferença, há uma cena em que ele, com dez anos de idade, seduz o namorado da mãe. No cinema, esse namorado é interpretado pelo Marilyn Manson. No livro, o namorado é descrito como um caipira barbudo, que assiste programas evangélicos na teve.
Mas enfim, é um bom livro, pesado, mas bom. Ele tem uma preocupação literária. O primeiro, "Sarah" (que já foi lançado pela Geração Editorial, traduzido pelo Flávio Moura) tem uma narrativa mais concentrada. Quero dizer, se concentra num período específico e desenvolve uma única narrativa, que eu também gosto bastante. Esse segundo, "Maldito Coração", pega um período maior da vida dele, e tem um número bem maior de idéias, o que eu considero uma "macro-narrativa".
Muita gente me pergunta, meio desconfiado, se o JT não é apenas "um produto de marketing". Bah, sei lá, eu acho que produto mesmo se vê na TV, na música, para que alguém vai fazer produto de marketing no mercado literário, onde o retorno financeiro é bem menor, mesmo nos EUA? Talvez tenham feito uma "embalagem" para o JT, sim, mas a obra existe e, lendo o "Maldito", é impossível achar que ele escreveu aquilo querendo ser "fashion" ou "moderninho". Se as pessoas o consideram assim, é porque o mundo anda bem doente...
Falando em literatura e doença, encontrei o "mestre" Paulo Roberto Pires na terça (meu ex-editor e, se existisse o produto "Santiago Nazarian", ele seria o responsável, hehe), ele me disse que a Ediouro comprou o "Running with Scissors" do Augusten Burroughs, livro de memórias bizarras, semelhante ao JT. É fenomenal, tentei vender pra Planeta (e pegar para traduzir), mas já tinha sido vendido. Agora é tarde, a versão em português sai em breve, traduzida sei lá por quem... Mas eu recomendo com veemência.
Recomendo também o show da Karine Alexandrino, cantora kitsch do Ceará que está aqui em SP para uma mini turnê. Assisti ontem no Café Camaleon (algo assim), com abertura do sensacional Multiplex (que também é kitsch e também é chique). Karine canta músicas com títulos como "Tenho Febre, Mas Vou Buscar Nosso Dinheiro" e "Como me Tornei uma Adúltera".
Mas o melhor mesmo foi o esquenta antes, aqui em casa, com os queridíssimos Luciancencov, César, Del
Fuego, Carol, Cris e cia. É raro eu reunir o povo, mas quando acontece, a gente quebra tudo.