Queria eu narrar guerras, desastres, anunciar em meus dedos a descoberta do apocalipse. Mas não tenho me derramado em hemácias, nem exaurido em combates os leucócitos. Está tudo em seu devido lugar, no lugar de sempre. E eu continuo em silêncio.
Aqui está tudo em suspenso. “Um tédio pastoso”, como diria Noll, ou uma paz borrachenta. 2008 tem sido um ano bem parado, sem muitos dramas, nem muitas emoções. Eu não deveria reclamar, mas faltam desafios. Tenho lido. De 3 a 4 livros por semana. Tenho produzido. Tenho tido tempo para produzir. Mas produzo melhor quando me falta tempo. Você não tem nenhuma proposta provocativa para me fazer? Digo, você não quer fazer uma solicitação para testar o meu talento? Os trabalhos andam sempre os mesmos. Pouca gente lambe meus dedos. Pouca gente requer - e desafia - os serviços de um jovem escritor brasileiro...
Quero saber o que você tem a me oferecer.
"Ser ou não ser... Ah, não, esta fala não é aqui."
Fui ver o Hamlet do Wagner Moura, uma neurose só. Gostos de peças neuróticas. Adoro a Denise Stoklos. Gosto de Hamlet. Já legendei um Hamlet no teatro. Mas tive certa dificuldade em seguir o texto desse, um pouco acelerado demais. De qualquer forma, é uma montagem vigorosa, e melhor o excesso do que a falta. Sou partidário do excesso. Sou adepto do excesso. Sou apaixonado pelo excesso e pelo excesso e a repetição. Pelo exagero. Shakespeare tem disso. Wilde tem disso. Noll tem disso e eu me certifico de como dá para ser consistente e incisivo sem contenções. Como o elogio aos sutis nem sempre é necessário. Como a simplicidade e a objetividade não devem sempre ter vez. Quero mais.
No tédio, repito a mim mesmo.
(Foto: Ambooleg) "Em silêncio, não sou ninguém."
Estou tentando entender o que acontece aqui dentro. Estou tentando não fazer barulho e manter tudo direito. Também nem ando com tantas vontades – me basta o excesso de cada dia e o excesso de quase nada. Me cansa. Queria uma força para ir contra. Ou uma força para testar os meus músculos – meu tríceps, que seja. A academia continua em dia. Mas nem preciso ir para me cansar. Me cansa. Talvez porque eu não esteja mais tomando café. Sim, ainda não estou mais tomando café. Nem gasolina. A última festa a que eu tinha de ir, dormi e perdi. O amor me embala e me desperta - peço que ele me deixe continuar dormindo. E ainda não peco nunca mais, nem tenho vontades. Não tenho vontades, quase nada.
Quase nada.
20/08/2008
ONDE ESTÁ MEU CHACHACHÁ?
Queria que minha vida fosse assim. Que eu abrisse o elevador e aparecesse uma chinesa cantando: “Oh, calipso. Oh, calipso.”
De “O Buraco” de Tsai Ming-liang, um dos meus filmes favoritos, do meu diretor favorito (que agora tenho aqui em DVD, graças ao Fábio).
Aviso que ainda tenho alguns Olívios aqui, meu primeiro livro (já esgotado). Vendendo naquele esquema (25 reais, já com frete, autografado). Quem quiser (e quem já me escreveu), confirma logo que vai acabar (santiagonazarian(arroba)gmail.com.)
Sobre a questão Bienal/Volkswagen, bom saber que eu não estou só:
Noventa por cento do que é vendido, ou que movimenta a Bienal do Livro, é lixo. Digam a verdade. Não me venham dizer que ler livros de merda é bom, que pelo menos cria o hábito de leitura. Todo mundo sabe que não é verdade. (...) Eu vou lá trabalhar (não vou lá me exibir como um pavão). E eu deveria receber por isso. Ou será que a Volkswagen, que tem um estande na Bienal do Livro, não tem dinheiro para pagar os escritores e poetas brasileiros que vão lá trabalhar? - Do Blog do Ademir Assunção. http://zonabranca.blog.uol.com.br/
Como no Tordesilhas, topei fazer, e, como a Nossa Caixa, a Volkswagen não paga um centavo. “Mas é uma puta divulgação, né?”, é o que dizem. Sim, também acho, em certo sentido. É bom pra caralho falar e conversar sobre o seu trabalho, botá-lo na roda, falar seus poemas em público etc. Vira e mexe participo de eventos literários, ganhando ou não. E vou continuar participando, ganhando em uns, não ganhando em outros, topando participar de uns, não topando em outros. Agora: uma coisa é participar de eventos literários ao lado e com organização, na raça, de grandes amigos. Outra, completamente diferente, é estar ao lado de marcas como as aqui citadas sabendo que não tem grana (não tem grana??). - Do Blog do Marcelo Montenegro: http://marcelomontenegro.blog.uol.com.br
A Bienal faz todo autor perceber seu papel na cadeia literária, ele é um fornecedor de matéria-prima, moela pra fazer salsicha, insumo pra Perdigão. A Bienal é um encontro importante de negócios, dos mais importantes para a fila andar entre livros e suas conexões. O autor é que fica pequeno, do tamanho da falange de um dedinho de criança. Minha mãe diz que só fica pequeno quem nunca foi grande, então vamos ao trabalho que eu tô com pressa. É por isso que escrever não tem nada a ver com publicar, nem com ser amado, lido, pago, elevado, aceito e saciado. - Do blog da Andréa del Fuego: http://delfuego.zip.net/index.html
Mas isso me deixa mais animado? Não. É triste ver que tem bastante gente pensando como eu, reclamando como eu. E que nada é ou será mudado.
17/08/2008
QUER COMPRAR UMA POESIA?
E me sentei ao lado de Beth e disse: “Eu entendo... eu entendo...”
Acho Portishead uma das melhores bandas de todos os tempos. Como podem misturar hip-hop, jazz e trilha de filmes de suspense e dar um bom resultado? Deu trip-hop, e uma avalanche de bandinhas dos anos 90 copiaram. O novo cd lançado este ano sai um pouco dessa batida, mas continua trevoso, continua bizonho, continua bem interessante em algumas faixas, mas nem tanto (“Nylon Smile” e “We Carry On” são ótimas). Ainda assim, ainda acho Portishead uma das melhores bandas de todos os tempos. Não é das minhas bandas favoritas, mas é uma das melhores de todos os tempos. É que eu não consigo ouvir muito. Acho que quem ouve Portishead diariamente tem sérios problemas emocionais.
Ouvi esta semana inteira.
Foi uma semana bem literária...
Marcelino lançando livro (do blog da Ivana).
Do final de semana passado pra cá, encontrei tanta gente: escritores, editores, jornalistas. Da semana passada pra cá, conversei com tanta gente do meio. Teve debate da Cristiane Lisbôa e Emilio Fraia, almoço com Marcelino, Adriene e Raimundo Carrero (que me deu preciosos conselhos e contou da sua experiência como “Papai Noel do sertão”), lançamento do Marcelino, e a Bienal em si, que preciso dizer que foi uma experiência traumática.
Índigo e eu: aburridos.
Meu debate com a Índigo no “Espaço Volkswagen” não aconteceu. Chegamos ao Salão de Idéias e havia outro debate marcado no lugar. O pessoal da casa das Rosas, que nos convidou, não sabia direito onde aconteceria o evento, e acabamos realojados numa mini-arena multicolorida, com crianças dormindo, crianças chorando, crianças tacando pipoca na gente para ver se a gente se mexia.
Petizada bonita e participativa.
Por respeito ao pessoal que apareceu, resolvemos seguir assim mesmo, mas não deu muito certo... Em menos de trinta minutos tivemos de sair de lá. Só posso pedir mil desculpas a quem foi e não nos encontrou, porque nós estávamos completamente perdidos.
Índigo e Andrea: perdidas na selva.
Devo dizer também que, apesar da Bienal ser patrocinada pela Volkswagen, e apesar de termos sido convidados a debater no Espaço Volkswagen (e acabarmos com uma enorme kombi colorida atrás), a Volkswagen mesmo não ofereceu cachê algum, nem ao menos ofereceu transporte. A gente faz de graça mesmo - por amor à literatura - uma propaganda da marca, ainda que o público que vá assistir PAGUE para entrar na Bienal. Faz sentido?
Eu, Andrea, Índigo e Fábio, tentando sorver alguma dignidade na sala VIP.
Índigo até tentou arrumar transporte para gente, ligando na CBL. Nos garantiram que enviariam um táxi. Mas nada. Nem na volta.
Isso me lembrou o caso do lindo suplemento que a Ray Ban fez com novos escritores no começo do ano, encartado na Trip. Claro que não pagaram cachê, estavam divulgando nosso trabalho, né? Tudo bem que ficaram de dar óculos de presente aos escritores, coisa que nunca veio (apesar da gente cobrar...). Mas tudo bem, o que vale é a divulgação...
(Tó, divulgação. Depois mando o número da minha conta, tá?)
É isso que esse povo (ou essas empresas) pensam. Não precisam pagar pela participação na Bienal, a gente tá lá pra divulgar nossos livros. Não precisam pagar pela associação com uma marca. Aliás, acham que não precisam nem pagar pelos nossos textos. O que tem de revista, de jornal, de site que pede conto, crônica, artigo, mas diz que não tem verba. Claro, o que vale é a divulgação...
É mais ou menos como uma banda fazer show e não querer cachê, porque está divulgando o CD.
Acho disparate. Não aceito. Recuso com educação, porque geralmente quem convida são umas coitadinhas que nem tíquete refeição recebem... e geralmente elas nem agradecem de volta. Aceitei na Bienal por ser num horário bacana, num sábado, achei que ia rolar um debate produtivo, mas faço questão de dizer ao público que não estão me pagando para estar lá. Acho que tem de falar. O público tem de saber que eles estão pagando mas os escritores não estão recebendo. Se eu simplesmente recuso, outro escritor aceita em meu lugar, fica quietinho (banana da porra!) e termina tudo em pizza.
(E quando falo em pagar, não tô falando em fortuna não, tô falando numa ajuda de custo que seja.)
Sou cagueta mesmo. E acho que cada vez mais tem de ser. Com empresa que não paga, com colega mal-caráter, com editora que sacaneia autor. A única arma do autor é a palavra, o texto, o blog...
Juntos chegaremos lá!
A questão do pagamento não é questão de ser escritor conhecido ou não. Se você é escritor, em começo de carreira ou não, tem de encarar isso como seu trabalho, sua carreira. E parte do profissionalismo está em não fazer de graça. O escritor que aceita fazer de graça está prejudicando os colegas. O escritor que aceita fazer de graça está se condenando a nunca viver da literatura.
Eu vivo. Mal, mas vivo. Pode não ser só dos meus livros - faço tradução, parecer, resenha, crônicas, artigos, roteiros - mas é tudo relacionado à literatura e à escrita.
Mas voltando à Bienal...
Achei um horror. Fiquei deprimido. A proposta em si já é bem discutível. Deveria afastar qualquer um que gosta realmente de ler. É grande demais, abafado demais, barulhento, não há um espaço para ver livros com calma, sentar, ler, é um mercadão interessado apenas na venda. E, como bem disse a Índigo, não há grandes descontos. Fui lá ontem e achei tudo tão feio, tudo tão decadente, tão longe do que eu acho que a literatura deve ser. (Fábio, que estava comigo, diz que eu achei decadente porque me acostumei a trabalhar no Fashion Week. Pode ser...).
Lá, me senti um daqueles tiozinhos que pára gente na rua perguntando: "Olá, jovem, gosta de poesia?"
Valeu por encontrar o Moacyr Scliar nos bastidores (inclusive ele mandou um abraço pro Marçal Aquino, que eu não encontrei. Fica aqui o abraço, Marçal).
Mas a semana teve outros eventos literários bacanas, bem longe dali.
Cristiane Lisbôa e Emilio Fraia, na Casa das Rosas.
Bressane e eu, na fila do lançamento do Marcelino (do blog da Ivana).
Acho curioso ver debates de outros escritores. Sempre ouço umas frases do tipo “todo escritor faz...”, “quem quer ser escritor precisa...”, “para escrever é necessário...” e quaisquer que sejam os complementos, eu sempre discordo. Porque acho que o processo de escrita é tão pessoal, cada escritor encontra sua maneira de lidar com sua literatura, tem seu processo de escrita (e por isso, já disse milhares de vezes, não acredito em oficinas literárias). É como dizer que todo pintor precisa de um modelo vivo para desenhar um nu, ou que NÃO PODE usar um modelo vivo, ou que pode usar modelo de revista, ou não pode ser modelo de revista, ou que precisa fazer um rascunho do quadro antes de pintá-lo, ou que tem de deixar a pintura fluir espontaneamente. Não há fórmulas.
Mas é bom saber como trabalham os colegas, porque o processo de escrita é tão solitário. E pode ser tão alienante...
(foto de Daniel Mordzinski)
E pensando assim, e aproveitando minha crise atual, peguei meu livro de volta. Não vai sair tão cedo mesmo. Não tenho (ainda) notícias da editora, embora o livro esteja vendido. Então a única coisa que posso fazer é aproveitar para reler, reescrever, entregar para vocês um livro melhor (e maior) no futuro. Já são 400 páginas e cada vez mais vai aumentando... aumentando... Foi bom voltar a ele para fazer as pazes com ele, comigo, com a minha escrita, com a escrita em si. Quando não estou escrevendo livro fico meio perdido, não sei o que fazer, não sei para onde ir, começou a duvidar da minha sanidade, do meu futuro e dos meus bons sentimentos. Escrever um romance é viver como eu quero, através dos personagens, das histórias, poder idealizar esse mundo tão sem sentido (tudo bem que minha literatura também se afunda no nonsense, e a idealização é sempre encharcada de sangue, mas é meu mundo, né, é minha visão de beleza é a única forma de fazer as coisas saírem do meu jeito.) Escrever é muito melhor do publicar.
E nessa volta ao livro, consegui finalmente encontrar uma abertura que me satisfaz:
O menino emergiu do quarto como um inseto envenenado. Segurando-se nos móveis, nas paredes, apoiando-se no batente, chegou até a sala tentando reconhecer o tempo e o espaço em que caminhava, desequilibrava. O prédio estava inclinado. Mas a isso ele já estava acostumado. O problema era o horário em que dormira, o horário em que acordara, com uma luz indecisa alaranjando a janela. Final da tarde ou começo do dia? Sempre era difícil se situar, quando dormia fora do horário...
O prédio estava inclinado. Mas a isso ele já estava acostumado. O problema era horário em que dormira, o horário em que acordara, fora de hora. Isso acontecia cada vez com mais freqüência, agora que ele não tinha aulas. O menino ficava em casa, jogado pelos cantos, escorando-se na cama, deixando o cabelo crescer. Crescia além de sua masculinidade, cada vez mais branca, cada vez mais magra. Com uma compleição tão delicada que – aliada a seu longo cabelo escuro – os amigos não podiam evitar de chamá-lo de andrógino. Ele não se importava.
Só Deus sabe quando vocês vão ler o resto...
Ilustração de Alexandre Matos para o livro.
12/08/2008
PROGRAMAS LITERÁRIOS Ok, ok, contradizendo o que eu disse, vou estar na Bienal. Sábado agora, dia 16, às 19:30, no Espaço Volskwagen, num dabate com a Índigo, mediado por Andrea del Fuego.
Andrea me convidou neste final de semana e eu não poderia deixar de ir. Para mim, será uma honra dividir microfone com a Índigo, escritora com vários contos e livros juvenis publicados, dona de um humor agridoce delicioso.
E se o debate estiver vazio, num sábado, 19:30, na Bienal, eu me suicido.
Antes, nesta quinta, dia 14, tem lançamento do livro novo do Marcelino Freire, no B_arco (Rua Dr. Virgilio Carvalho Pinto, 426, Pinheiros), à partir das 19h. Haverá exposição das gravuras do Manu Maltez, que ilustra o livro, e, claro, Marcelino assinando Rasif, seu livro de contos. A apresentação do livro é minha. Estarei lá.
09/08/2008
O QUE EU QUERO SER QUANDO CRESCER.
Da Veja Online (04/07/03)
Nos anos 80, o escritor e cineasta inglês Clive Barker ganhou notoriedade por criar um estilo próprio de terror. Além da farta quantidade de sangue e cadáveres, ele empregava em suas histórias ingredientes como o sadomasoquismo e a escatologia. Exemplo disso é seu trabalho mais bem-sucedido como diretor de cinema, Hellraiser (1987), que acrescentou à galeria do horror classe B uma criatura que tinha o rosto crivado de pregos – o demoníaco Pinhead. Três anos atrás, Barker mostrou a executivos da Disney a sinopse de uma saga infanto-juvenil e vários desenhos que a ilustrariam. Eles se convenceram de que estavam diante de algo capaz de fazer frente ao sucesso do bruxo mirim Harry Potter, e adquiriram os direitos de filmagem da história por 8 milhões de dólares. Barker abocanhou metade dessa bolada sem que tivesse escrito uma única linha. A outra parte ele embolsará quando o primeiro filme baseado em sua idéia entrar em produção.
Cinqüentão, Clive Barker tem um estilo de vida que não combina em nada com o figurino família que é a marca dos estúdios Disney. Ele é gay assumido e expõe sua intimidade de forma calculada para reforçar a aura de artista extravagante. Tempos atrás, resolveu explorar seu sex appeal ilustrando um de seus livros com uma foto sua peladão (em pose frontal). Para completar, autografou uma edição limitada da obra com gotas do próprio sangue. As pinturas que exibe em seus vernissages "para adultos" são bem diferentes das mais de 100 ilustrações que adornam sua saga infanto-juvenil. Uma delas retrata um cadáver sem cabeça de cujo pescoço jorra um vulcão de sangue. Outra, que ele considera sua obra-prima nupcial, mostra o pênis dele e o do companheiro atados por um cordão. Barker vive há sete anos com o fotógrafo de nus masculinos David Armstrong e diz ter se inspirado na personalidade da filha deste último para conceber a heroína de Abarat. Além da pintura, o artista se entretém com um zoológico particular em sua mansão em Los Angeles. Ele abriga serpentes, aranhas e até ratos capturados no porão da residência.
Achei só esses dias essa matéria. É isso que eu quero, principalmente o zoológico.
Bizarrices à parte, já li boa parte da obra de Barker. Não acho ótimo, mas acho bem instigante. Ele tem um universo bacana, criou conceitos bem originais, mas sempre acaba ferrando seus livros de alguma forma. Ainda sim, é uma fonte de inspiração. E eu mesmo adoraria escrever um livro assumidamente de terror. Ainda não cheguei lá, mas vou botando sangue e suspense nos meus livros, de qualquer forma.
Falando nisso, aviso que ainda tenho alguns “Olívios” aqui. Agora é pra acabar com meu estoque, porque vendo esse livro há anos e não agüento mais. Heheh. (Eu acabei ficando com um estoque enorme, como pagamento de direitos autorais. Agora sobraram uns 20).
Quem ainda quiser me escreve logo, que mando autografado: santiagonazarian(arroba)gmail.com. Fica 25 pila, já com frete. Mas tá acabando...
Vai um trecho de aperitivo.
“Eu não preciso que me diga o quanto de vermelho há em mim!! Se meu nariz está sangrando é por sua causa. É o que você queria desde o começo. É o que você chama de profundidade. É o que você chama de viver a vida. É por onde você acha que eu devo passar, e por onde acha que eu devo descer. É onde você acha que eu encontro a poesia. E onde acha que a poesia encontra a mim. Nos puteiros, nos cinemas, nas ruas e nos becos, nas drogas e prostitutas. É onde você sempre quis me levar. É pelo que você acha que eu devo passar. E agora me encontra confortável nos seus pés descalços, você, dormindo no seu apartamento, acordando de manhã cedo e esperando que eu traga tudo aquilo que você acha que é certo. Esperando que eu traga a poesia até você. Não tenha pena de mim. Era isso o que você queria. Você se esforçou desde o começo para tudo dar errado. Para ter sobre o que escrever.”
(Ai, cada vez que pego esse livro agora para procurar um trecho fica mais difícil. Está ficando distante... distante... distante...)
Falando em sangue. Ontem revi um clássico do meu inconsciente. Sabe aqueles filmes obscuros que você assiste uma vez, depois passam-se se anos e você até esquece dele, depois começam a surgir uns flashes e você se pergunta que filme era aquele e se realmente existiu?
Assim é “Parents”, suspense dos anos 80, que foi lançado em VHS como “O Que Há para Jantar?” e, obviamente, nunca em DVD no Brasil. É a história de um menino vegetariano que começa a suspeitar que seus pais são canibais. Poderia ser visto como um filme e humor negro, mas não há muito humor. Também não há violência, só um clima permanente de estranheza. Foi bom para constatar que o filme era tão bom e tão bizarro quanto eu me lembrava. O que não se encontra na Internet hoje em dia, não é?
Procura bem que você acha.
Agora é uma noite fria e chuvosa de sábado. Sem pitéu por aqui, vou me jogar na pilha de livros que tenho para ler, avaliar e resenhar. Chegou também (finalmente) até mim o livro "Os Filhos do Imperador", da Claire Messud, que eu traduzi (e que ainda não tinha recebido). Foi um trabalho complicado, mas o livro recebeu ótimas críticas. Então fica aí a dica. "Os Filhos do Imperador" é um romance sobre a elite novaiorquina de jornalistas, patricinhas e ególatras no pré e pós 11 de setembro.
Agora boa noite.
05/08/2008
A PRAGA DO DIA
"VOCÊ!!! que praticamente vendeu sua alma à literatura, vai se transformar praticamente num jacaré de esgoto, e depois camelar, camelar, com seu livro novo praticamente nas garras dos demônios!!!"
Estamos chegando a mais uma Bienal. Agora é assim todo ano, de seis em seis meses, a cada semana em algum lugar do país bate o calendário e temos uma Feira do Livro, um Festival de Literatura, uma Bienal, não dá nem pra sentir saudades.
Eu não vou estar lá não.
Bienal de São Paulo também eu nunca participo. Nem sei por quê. Nunca me convidam. Nunca estou lançando livro. Este ano também não. Deveria, mas não estou. Você sabe, minha editora foi comprar cigarros e nunca mais voltou...
"O Prédio, o Tédio e o Menino Cego" estava informalmente combinado para este mês. Foi entregue para a Nova Fronteira há meses. Contrato assinado. Adiantamento pago. Ilustrador pago. Capa aprovada. Então... Cadê? Ninguém me diz mais nada. Eu não sei. Você que mora no Rio não quer perguntar para mim? Você que tem estilingue sabe quebrar vidraças? Pode atacar pedras nas janelas sem nunca, nem sob tortura, dizer que fui eu que mandei?
Acho que, agora, livro novo só em 2009...
Imagino que seja maldição de Guimarães Rosa. Você sabe, o fantasma faz 100 anos este ano, e a Nova Fronteira está amarrando boca de sapo na encruzilhada para ressuscitá-lo. Eu morro pouco a pouco esperando. Depois que seqüestraram meu livro (por contrato), o que mais posso fazer?
VENDER “OLÍVIO” AUTOGRAFADO, A 25 REAIS, JÁ INCLUINDO FRETE, ENTREGUE NA SUA CASA, POR TEMPO LIMITADO.
Já que não tem livro novo... requento os antigos, né? Então você, que não comprou ano passado e estava se rasgando para eu voltar a vender, me escreve logo que a quantidade é limitada e o período de venda também: santiagonazarian(arroba)gmail.com
Voltando à encruzilhada, assisti à pré-estréia do novo filme do Zé do Caixão, “Encarnação do Demônio”. Bacana. Bacana. Uma doença. Mas bacana, bacana. E surpreendente.
José Mojica Marins não filmava há mais de 20 anos. E esse é uma continuação de um filme de 67, “Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver”. Mas o personagem Zé do Caixão sobreviveu esses anos todos como figura folclórica, fazendo aparições na TV, shows pelo Brasil, chegando até a virar figura cult no circuito do cinema underground de horror nos Estados Unidos e Europa.
Agora ele está de volta.
E está velho, lesado, decadente, tudo o que só poderia fazer bem a uma figura como Zé do Caixão.
O filme mostra o personagem saindo da cadeia, após 40 anos preso. De volta às ruas, segue com os planos de encontrar a mulher perfeita e gerar um filho. Ele ainda conta com a ajuda de seu ajudante corcunda, Bruno, e um novo séqüito de seguidores e perseguidores.
É só isso. Não tem mais muita história, muito roteiro, tem um ritmo até bastante truncado. Funciona porque tem o essencial que um filme de horror deve ter: clima. Provoca aquela sensação de pesadelo, de loucura, que há em outros filmes igualmente B, igualmente sem roteiro e que se tornaram clássicos (“Evil Dead”, “Holocausto Canibal” e “O Massacre da Serra Elétrica” entre eles).
Sim, “Encarnação do Demônio” é um filme de gênero. É um filme de terror. Não é feito para qualquer público, nem para o público costumeiro do cinema nacional. Quem for assistir esperando rir com o lado lúdico e bisonho do personagem vai se assustar. O filme é pesado, escatológico, não se permitindo em momento algum fazer humor com a mítica de Zé do Caixão. A ingenuidade divertida que hoje os antigos filmes de Mojica transpiram se transforma numa insanidade violenta em “Encarnação do Demônio”.
Há cenas de canibalismo, escalpelamento e tortura em geral, todas com efeitos explícitos e excelentes. As cenas de body art – com pessoas penduradas com ganchos, bocas costuradas, etc – são REAIS. E, como não poderia deixar de ser, há cenas com aranhas, baratas e ratos vivos.
Já os efeitos das cenas sobrenaturais são mais toscos, não convencem tanto. Mas a idéia de fazer os fantasmas das antigas vítimas (dos antigos filmes) aparecerem em preto e branco é bem legal.
José Mojica Marins, você sabe, não fala, pragueja. E é assim no filme todo. Todas as frases, até as mais corriqueiras, são ditas (ou declamadas) como se fossem uma maldição, me lembrando da sátira feita a ele por Hermes & Renato (veja abaixo). Já era assim nos filmes da década de 60, e como talento de atuação é bem discutível. Mas contribui bastante para o clima de insanidade do filme.
A sátira.
E ainda há uma legião de atores cults, como Zé Celso e Helena Ignez, e amigas queridas que adorei ver por lá, como a Cléo de Páris (que faz uma das noivas do Zé), e Geanine Marques (como A Morte).
Cléo.
O resultado final é um ótimo filme de horror. Pesado. Bizarro. Com uma belíssima direção de arte e trilha sonora (de André Abujamra e Marcio Nigro). Dá pra sentir também o dedo de Dennison Ramalho, roteirista e assistente de direção, uma das pessoas mais atuantes no gênero de horror no Brasil, que dirigiu o excelente (e creepy) curta “Amor Só de Mãe”.
Vai dividir opiniões, mas espero que sirva pra arejar um pouco o cinema nacional, trazer novos temas, acender o lado fantástico. Até porque, temos aí o filme do Chupacabra, do Christiano Metri (em que assino o roteiro com ele), que já está fermentando.
Nos festivais de cinema fantástico e de horror pelo mundo à fora, acho que “Encarnação do Demônio” fará uma bela carreira. Não só por ser extremo, mas por ser bem brasileiro. Esse clima de macumba, de terreiro, confere uma exoticidade única ao filme, que deve agradar bem aos gringos fãs do gênero.
Enfim, é o cinema nacional reencarnando.
Trailer do filme:
No mais, tenho me arrastado pela casa, sem café, nem gás, nem gasolina. Lendo, lendo, lendo. Por desânimo. Por prazer. E por trabalho. Tenho feito parecer para algumas editoras. Resenhas e entrevistas para revistas como Rolling Stones e Simples. Nada de grandes emoções. Semana passada fiz uma entrevista com o Noll.
O livro "de lazer" do momento é "Mysterious Skin", do Scott Heim, que gerou um filme bem bacana do Gregg Araki (lançado no Brasil como "Mistérios da Carne"). Bem que eu queria indicar como tradução para alguma editora daqui, mas sabe como é, coisa meio underground...
Então recomendo "Olívio", autografado, 25 pila.
01/08/2008
A CULPA É DO CARRO
Foto: Wendy Ewald - "My brother hit by a car"
Não bebo mais gasolina.
Madrugada passada assistia a um debate sobre a lei seca. Eu não dirijo há anos, há anos que não tenho mais carro, mas acho que tenho direito a atropelar uns meliantes. Tenho direito à fratura exposta, à falência múltipla dos órgãos. Essa nova lei nos priva dos riscos. E sem riscos não há vida...
Também detona com o delicado equilíbrio dos planos de saúde, das seguradoras de automóvel, da fábrica de mertiolate, até da polícia rodoviária. Com menos acidentes no trânsito, muita gente sai perdendo. Sem falar nos bares, nos restaurantes...
Sofismas à parte, o que nunca se coloca nessa discussão é a culpa do carro em si. Anos e anos incentivando o transporte rodoviário individual. Anos e anos sem investimento e planejamento no transporte público. Agora percebem que a coisa não está dando certo e querem punir os motoristas sem dar outra opção.
Quem sair de noite e beber volta para casa como? Pergunte à Angélica!
Vá de táxi, que é acessível para a renda do brasileiro...
E nas cidades pequenas, no interior, onde não há táxi? Bem, nessas cidades geralmente também não há cinema, teatro, algumas vezes nem casa noturna. A unica diversão são os... BARES.
Os acidentes seriam bem menores se simplesmente existissem alternativas para as pessoas não precisarem de carro. Há tanta gente bebendo e dirigindo porque não há opção, é perigoso voltar a pé, é doloroso esperar o ônibus, o metrô vai buraco abaixo e fecha quando a gente mais precisa. Se eu for bonzinho e não beber, Deus vai resolver o problema? Com a lei seca, o transporte público vai pra frente? Ou simplesmente é o lucro de bares, restaurantes e casas noturnas escorrendo pelo ralo?
"Não, esta noite estou dirigindo. Esta noite fico só na cocaína."
E quem for preso por dirigir meio alcoolizado? Não vai ocupar o lugar que você deveria ocupar na cadeia? Não vai deixar em aberto a conta no boteco? Não vai perder para sempre a chance de chegar em segurança até em casa, até minha cama, até mim? Não vão tirar de circulação todos os petizes levemente embriagados que a gente poderia seduzir?
Sem álcool no meio do caminho, será que consigo atrair alguém até aqui?
Querem é que a gente fique em casa. Cada um na sua. Querem tirar os jovens das ruas. Eles têm medo da testosterona, das extremas vontades. Querem que a gente fique no armário, jogando Banco Imobiliário, torcendo por um Playstation 3.
Me assusta esse conservadorismo da atual legislação brasileira. Cigarro já está proibido. Pode vender, mas está proibido. De cerveja permitem os comerciais mais imbecis, mas sempre com um pseudo alerta no final. Daqui a pouco vão censurar marchinha de carnaval: "Eu vou beber, beber até cair - mas com moderação - me dá, me dá, me dá, oi, me dá um dinheiro aí!"
Não estão resolvendo o problema. Não estão resolvendo meus problemas. Eu não estou mais feliz. Preciso de mais uma dose.
A culpa é do carro. Da gasolina. Do petróleo. Não do álcool. É o Petróleo que move o apocalipse dos nossos tempos...
E é esse líquido negro que escorre da minha boca...
Falando nisso – e mudando de assunto – “A Culpa é do Carro” é mote também de um dos contos do novo livro de Marcelino Freire. Está chegando nas livrarias AGORA (de motorista particular, porque nem os caminhões mais podem circular) e será lançado dia 14 de agosto, no B_arco (odeio o nome desse lugar) aqui em São Paulo.
Rasif – Mar que arrebenta, tem dezessete contos (quase todos inéditos) de Marcelino e gravuras de Manu Maltez. O texto de apresentação é meu, recheado de duplos sentidos, como o Marcelino bem gosta. Para mim, foi uma honra fazer. Até porque, conheci a obra do Marcelino bem antes de termos ficado amigos. Eu morando lá em Porto Alegre, ganhei “Angu de Sangue” de presente. Li, adorei. Foi meu primeiro contato com essa “nova literatura”, com contemporâneos mais contemporâneos, com gente que estava surgindo enquanto eu ainda não havia publicado.
Então vai aí meu texto de apresentação pra “Rasif”, o resto, você procura na livraria.
Nos círculos literários, nas rodas de samba, são comuns os comentários sobre a importância de Marcelino Freire como agitador cultural, sobre os eventos que promove, os autores que divulga. E, algumas vezes, quase se esquece dele próprio como autor, de seus contos, personagens e frases. Quase...
Eu, vira e mexe, me lembro de seus livros anteriores: uma bicha nostálgica aqui, uma criança abandonada lá, um casal de múmias e um bando de filhos da puta “cuspindo chute para todo lado”.
E é a persistência desses personagens e frases que provam, de fato: Marcelino é um autor que permanece. E precisa ser lido agora, neste volume, em voz alta, como ele faz tão bem.
Sua paixão por sons e palavras é o que torna a sua prosa tão próxima da poesia, do teatro (e que a faz tão difícil de ser traduzida para outras línguas, diriam os preguiçosos). Mas não podemos deixar de lado seu talento como contador de histórias, seu olhar agudo para os miseráveis, para os abençoados.
Neste Rasif – Mar que Arrebenta temos os terroristas inflamados, o homem-bomba e uma nova bicha nostálgica (vide o conto-canto que fecha o livro, intitulado O Futuro que Me Espera). Temos o travesti em silêncio, o poeta sem pai, o Papai Noel ameaçado. Histórias que lidam com finais dos tempos particulares, com o apocalipse dos dias atuais, a guerra cotidiana — tudo sublinhado e sublimado por uma beleza lírica, onírica, melancólica e, por vezes, divertida, com um humor satírico e sarcástico. São narrativas de amor cruel e de ódio apaixonado. Prosa para detonar barreiras e alargar fronteiras.
“Amor é a mordida de um cachorro pitbull”, é o pentelho deixado numa roupa suja, é tiro no coração. E por aí vamos. Com essas frases e sentimentos, me peguei revivendo, logo depois da leitura, os contos de Rasif. Contos para serem guardados com cuidado, arquivados. Porque, mais cedo ou mais tarde, eles explodem novamente em nossa cabeça.
Coroando ainda mais a edição, estão as gravuras de Manu Maltez, outro jovem artista de belezas estranhas, incomuns equilíbrios.
Marcelino Freire precisa ser lido agora — mais uma vez e neste instante — em voz alta. Deixe o samba para outra hora. Penetre nessas novas rodas. Como ele bem diz, numa frase que já eterniza este livro: “tudo em mim é bailarino”.
E pra quem não sabe: Marcelino Freire é escritor Pernambucano, autor de vários livros de contos. Seu livro mais recente, "Contos Negreiros", recebeu o Jabuti, em 2006.