E me sentei ao lado de Beth e disse: “Eu entendo... eu entendo...”
Acho Portishead uma das melhores bandas de todos os tempos. Como podem misturar hip-hop, jazz e trilha de filmes de suspense e dar um bom resultado? Deu trip-hop, e uma avalanche de bandinhas dos anos 90 copiaram. O novo cd lançado este ano sai um pouco dessa batida, mas continua trevoso, continua bizonho, continua bem interessante em algumas faixas, mas nem tanto (“Nylon Smile” e “We Carry On” são ótimas). Ainda assim, ainda acho Portishead uma das melhores bandas de todos os tempos. Não é das minhas bandas favoritas, mas é uma das melhores de todos os tempos. É que eu não consigo ouvir muito. Acho que quem ouve Portishead diariamente tem sérios problemas emocionais.
Ouvi esta semana inteira.
Foi uma semana bem literária...
Marcelino lançando livro (do blog da Ivana).
Do final de semana passado pra cá, encontrei tanta gente: escritores, editores, jornalistas. Da semana passada pra cá, conversei com tanta gente do meio. Teve debate da Cristiane Lisbôa e Emilio Fraia, almoço com Marcelino, Adriene e Raimundo Carrero (que me deu preciosos conselhos e contou da sua experiência como “Papai Noel do sertão”), lançamento do Marcelino, e a Bienal em si, que preciso dizer que foi uma experiência traumática.
Meu debate com a Índigo no “Espaço Volkswagen” não aconteceu. Chegamos ao Salão de Idéias e havia outro debate marcado no lugar. O pessoal da casa das Rosas, que nos convidou, não sabia direito onde aconteceria o evento, e acabamos realojados numa mini-arena multicolorida, com crianças dormindo, crianças chorando, crianças tacando pipoca na gente para ver se a gente se mexia.
Petizada bonita e participativa.
Por respeito ao pessoal que apareceu, resolvemos seguir assim mesmo, mas não deu muito certo... Em menos de trinta minutos tivemos de sair de lá. Só posso pedir mil desculpas a quem foi e não nos encontrou, porque nós estávamos completamente perdidos.
Índigo e Andrea: perdidas na selva.
Devo dizer também que, apesar da Bienal ser patrocinada pela Volkswagen, e apesar de termos sido convidados a debater no Espaço Volkswagen (e acabarmos com uma enorme kombi colorida atrás), a Volkswagen mesmo não ofereceu cachê algum, nem ao menos ofereceu transporte. A gente faz de graça mesmo - por amor à literatura - uma propaganda da marca, ainda que o público que vá assistir PAGUE para entrar na Bienal. Faz sentido?
Eu, Andrea, Índigo e Fábio, tentando sorver alguma dignidade na sala VIP.
Índigo até tentou arrumar transporte para gente, ligando na CBL. Nos garantiram que enviariam um táxi. Mas nada. Nem na volta.
Isso me lembrou o caso do lindo suplemento que a Ray Ban fez com novos escritores no começo do ano, encartado na Trip. Claro que não pagaram cachê, estavam divulgando nosso trabalho, né? Tudo bem que ficaram de dar óculos de presente aos escritores, coisa que nunca veio (apesar da gente cobrar...). Mas tudo bem, o que vale é a divulgação...
(Tó, divulgação. Depois mando o número da minha conta, tá?)
É isso que esse povo (ou essas empresas) pensam. Não precisam pagar pela participação na Bienal, a gente tá lá pra divulgar nossos livros. Não precisam pagar pela associação com uma marca. Aliás, acham que não precisam nem pagar pelos nossos textos. O que tem de revista, de jornal, de site que pede conto, crônica, artigo, mas diz que não tem verba. Claro, o que vale é a divulgação...
É mais ou menos como uma banda fazer show e não querer cachê, porque está divulgando o CD.
Acho disparate. Não aceito. Recuso com educação, porque geralmente quem convida são umas coitadinhas que nem tíquete refeição recebem... e geralmente elas nem agradecem de volta. Aceitei na Bienal por ser num horário bacana, num sábado, achei que ia rolar um debate produtivo, mas faço questão de dizer ao público que não estão me pagando para estar lá. Acho que tem de falar. O público tem de saber que eles estão pagando mas os escritores não estão recebendo. Se eu simplesmente recuso, outro escritor aceita em meu lugar, fica quietinho (banana da porra!) e termina tudo em pizza.
(E quando falo em pagar, não tô falando em fortuna não, tô falando numa ajuda de custo que seja.)
Sou cagueta mesmo. E acho que cada vez mais tem de ser. Com empresa que não paga, com colega mal-caráter, com editora que sacaneia autor. A única arma do autor é a palavra, o texto, o blog...
Juntos chegaremos lá!
Eu vivo. Mal, mas vivo. Pode não ser só dos meus livros - faço tradução, parecer, resenha, crônicas, artigos, roteiros - mas é tudo relacionado à literatura e à escrita.
Mas voltando à Bienal...
Achei um horror. Fiquei deprimido. A proposta em si já é bem discutível. Deveria afastar qualquer um que gosta realmente de ler. É grande demais, abafado demais, barulhento, não há um espaço para ver livros com calma, sentar, ler, é um mercadão interessado apenas na venda. E, como bem disse a Índigo, não há grandes descontos. Fui lá ontem e achei tudo tão feio, tudo tão decadente, tão longe do que eu acho que a literatura deve ser. (Fábio, que estava comigo, diz que eu achei decadente porque me acostumei a trabalhar no Fashion Week. Pode ser...).
Lá, me senti um daqueles tiozinhos que pára gente na rua perguntando: "Olá, jovem, gosta de poesia?"
Valeu por encontrar o Moacyr Scliar nos bastidores (inclusive ele mandou um abraço pro Marçal Aquino, que eu não encontrei. Fica aqui o abraço, Marçal).
Mas a semana teve outros eventos literários bacanas, bem longe dali.
Cristiane Lisbôa e Emilio Fraia, na Casa das Rosas.
Bressane e eu, na fila do lançamento do Marcelino (do blog da Ivana).
Acho curioso ver debates de outros escritores. Sempre ouço umas frases do tipo “todo escritor faz...”, “quem quer ser escritor precisa...”, “para escrever é necessário...” e quaisquer que sejam os complementos, eu sempre discordo. Porque acho que o processo de escrita é tão pessoal, cada escritor encontra sua maneira de lidar com sua literatura, tem seu processo de escrita (e por isso, já disse milhares de vezes, não acredito em oficinas literárias). É como dizer que todo pintor precisa de um modelo vivo para desenhar um nu, ou que NÃO PODE usar um modelo vivo, ou que pode usar modelo de revista, ou não pode ser modelo de revista, ou que precisa fazer um rascunho do quadro antes de pintá-lo, ou que tem de deixar a pintura fluir espontaneamente. Não há fórmulas.
Mas é bom saber como trabalham os colegas, porque o processo de escrita é tão solitário. E pode ser tão alienante...
E pensando assim, e aproveitando minha crise atual, peguei meu livro de volta. Não vai sair tão cedo mesmo. Não tenho (ainda) notícias da editora, embora o livro esteja vendido. Então a única coisa que posso fazer é aproveitar para reler, reescrever, entregar para vocês um livro melhor (e maior) no futuro. Já são 400 páginas e cada vez mais vai aumentando... aumentando... Foi bom voltar a ele para fazer as pazes com ele, comigo, com a minha escrita, com a escrita em si. Quando não estou escrevendo livro fico meio perdido, não sei o que fazer, não sei para onde ir, começou a duvidar da minha sanidade, do meu futuro e dos meus bons sentimentos. Escrever um romance é viver como eu quero, através dos personagens, das histórias, poder idealizar esse mundo tão sem sentido (tudo bem que minha literatura também se afunda no nonsense, e a idealização é sempre encharcada de sangue, mas é meu mundo, né, é minha visão de beleza é a única forma de fazer as coisas saírem do meu jeito.) Escrever é muito melhor do publicar.
E nessa volta ao livro, consegui finalmente encontrar uma abertura que me satisfaz:
O menino emergiu do quarto como um inseto envenenado. Segurando-se nos móveis, nas paredes, apoiando-se no batente, chegou até a sala tentando reconhecer o tempo e o espaço em que caminhava, desequilibrava. O prédio estava inclinado. Mas a isso ele já estava acostumado. O problema era o horário em que dormira, o horário em que acordara, com uma luz indecisa alaranjando a janela. Final da tarde ou começo do dia? Sempre era difícil se situar, quando dormia fora do horário...
O prédio estava inclinado. Mas a isso ele já estava acostumado. O problema era horário em que dormira, o horário em que acordara, fora de hora. Isso acontecia cada vez com mais freqüência, agora que ele não tinha aulas. O menino ficava em casa, jogado pelos cantos, escorando-se na cama, deixando o cabelo crescer. Crescia além de sua masculinidade, cada vez mais branca, cada vez mais magra. Com uma compleição tão delicada que – aliada a seu longo cabelo escuro – os amigos não podiam evitar de chamá-lo de andrógino. Ele não se importava.
Só Deus sabe quando vocês vão ler o resto...
Ilustração de Alexandre Matos para o livro.