30/09/2008

O VIAJANTE RADICAL


"Sou radical na literatura, na vida nem tanto. E o radical custa mais a se desbotar."

Neste número da revista Simples tem um pequeno perfil/entrevista que fiz com João Gilberto Noll.

Recebi a revista hoje aqui. Está bonitinha, com uma capa dourada (que aí parece 'ocre') e bem recheadinha de conteúdo. Gostei. Você encontra nas bancas por aí.

28/09/2008

GALERINHA TREVOSA





Achei esses links no blog do Dennis Cooper: http://denniscooper-theweaklings.blogspot.com/





O blog dele é uma doença. E como ele é especialista em romances sadomasoquistas adolescentes junkies, fico me perguntando se isso é a idéia dele de Pornotube...




A mim me dá certos flashbacks trevosos… Fico pensando que eu deveria ter feito meus filmes particulares. Sabe aqueles rapazinhos que você conhece na noite, e quando traz pra casa fazem o morph sem precisar de Adobe Effects?





Aprendam crianças, é isso que as drogas provocam em vocês.







Eles têm concurso disso no Youtube.



Esse é o que dá mais medo:



Viu? É bem rapidinho.


(Antes que me perguntem, não tenho nenhuma das duas entrevistas no Jô para postar. Mas se você tiver e colocar no YouTube, agradeço.)

Aproveitando a bizarrice, fui ver o remake de Funny Games este final de semana. Bem bom. Na verdade, quase tão bom quanto o original – e a proposta era essa, afinal, é o mesmo diretor, os mesmos planos. Só os atores que estão um pouco aquém. Tim Roth é ótimo, mas já parece estar nas últimas desde o começo do filme. E Michael Pitti é insuportável, com o que isso tem de bom e de ruim para o filme.

A história é aquela: uma família feliz vai para sua casa de campo. Surgem dois rapazes pedindo ovos para o vizinho, e pouco a pouco começam a torturar a família de todas as formas.



Vendo o filme agora, é fácil entender a razão para Haneke refilmar a própria obra apenas dez anos depois. A repetição, a recorrência, a reincidência fazem parte da temática do filme. E ao terminar essa nova versão, aparecendo o título “Funny Games U.S”, pode-se até esperar novas filmagens: “Funny Games AUS”, “Funny Games FR”, Funny Games BR”...

O filme é um exercício de cinema. E uma interessante discussão do papel e dos limites da ficção, da cumplicidade do espectador. Inclusive, no final do filme, os personagens discutem textualmente sobre a ficção como um correspondente do real. A discussão não termina na tela, claro, até porque, ao meu ver, a ficção vem para COMPLEMENTAR o real, não reproduzi-lo. Mas o filme dá margem a essas reflexões, com uma metalinguagem ousada e deliciosa.

Para mim, é um filme indispensável. E uma refilmagem indispensável. Vá ver que já está saindo de cartaz.


(Viu? Tô conseguindo atualizar mais esta bagaça. Mas daí aparecem adolescentes possuídos, tiburones a dorê...)


26/09/2008

TIBURON À DORÊ


Sempre na vanguarda, este é o primeiro blog do Brasil que traz um tubarão em 3-D. Coloca seu óculos azul e vermelho, que funciona.






(E este provoca epilepsia em crianças japonesas)

22/09/2008

TRAÇA DO DESTINO

José Mindlin e eu, em sua biblioteca (Foto de Cris Ameln para Joyce Pascowitch)


"A gente passa, os livros ficam", diz José Mindlin hoje, na Folha de S. Paulo. Mindlin ainda não “passou”, mas sua biblioteca está sendo doada para a USP, onde deverá ser preservada para as próximas gerações.

Que próximas gerações?

Ler a matéria me fez pensar novamente no futuro da literatura, me fez temer pelo meu destino, o nosso destino, o futuro da humanidade.


Talvez os próprios livros já tenham passado antes de José Mindlin – roídos pelo apocalipse dos nossos dias. Independentemente da atemporalidade e da qualidade, me pergunto se algum autor de hoje ainda será lido, preservado, catalogado, cem anos no futuro. Me pergunto se não é mais provável que os autores de hoje sobrevivam em formol, em plástica, com corações de borracha do que seus próprios livros. Daqui a cem anos, haverá algum leitor sobre a Terra?

Pela lucidez e energia que ainda tem José Mindlin, capaz dele ser o único que chegará lá.


(David Foster Wallace já se foi... E confesso que me encanto em ver que escritores bem-sucedidos ainda se suicidam nestes dias...)

Fica então aqui a homenagem ao Mindlin, e à sua biblioteca em despedida. Minha mãe trabalhou muito tempo lá. Eu fiz um longo perfil do Mindlin, ano passado. Aproveito agora para reproduzir na íntegra:
UMA SELVA DE PRATELEIRAS

Confesso, na primeira vez em que estive na biblioteca de José Mindlin, há uns sete anos, minha vontade foi de abrir todas as gaiolas e deixar os pássaros voarem livres pela vizinhança. Ok, talvez nem todos fossem pássaros, talvez algumas jaulas guardassem tigres, rinocerontes, quem sabe tiranossauros rex? Que engolissem os vizinhos então, animais só se justificam em liberdade. Como eu poderia entender a vida selvagem observando-a num zoológico?


Mas estamos falando de livros. E de uma biblioteca. A maior biblioteca particular de livros raros do Brasil. E a alegoria não é tão descabida quando percebemos que a fauna da literatura nativa vem, cada vez mais, sendo impiedosamente assassinada para dar lugar a bestsellers (ou melhor, pastos para criação de gado). Eu mesmo sempre achei que os livros deveriam estar nas ruas, no metrô, na vida das pessoas, e não catalogados como espécies raras numa biblioteca. Entretanto, esse é um pensamento restrito, de quem acredita que o zoológico existe para tirar o animal da selva. Observando com um pouco mais de cuidado, percebemos que o papel é outro: proteger a criação, preservar as origens, e contribuir com a reprodução dessas espécies raras. Como fazem as melhores bibliotecas.


Isso só percebi ao me aprofundar um pouco mais no universo, no trabalho e nas paixões de José Mindlin. “Todo livro que se procura e não consegue se encontrar é raro”, coloca ele em seu segundo livro de memórias Uma Vida Entre Livros (Edusp-Cia das Letras, 1998). Sua biblioteca não representa, de forma alguma, a reta final de obras que foram esquecidas ou fossilizadas, mas sim um local onde, exatamente por serem procuradas, essas obras ganham um novo status. Ela cumpre um papel de resgate e revitalização, para que o livro possa ser preservado, lembrado, lido. Podemos observar isso facilmente dando uma rápida olhada em suas prateleiras, que guardam não apenas livros há muito fora de catálogo, mas também versões preciosas de obras obrigatórias, como Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, e Vidas Secas, de Graciliano Ramos, ambos em originais datilografados e corrigidos a mão pelos autores.


Mas como obras iguais a essas vieram despertar o interesse de um industrial filho de judeus russos?


Observando a longa história desse homem de 92 anos é possível entender: ele nunca foi um industrial apaixonado por livros – como ele mesmo ressalta - foi sempre um bibliófilo que, em certo momento da vida, atuou na indústria.


Sua convivência com os livros, inclusive, começou bem antes de suas atividades profissionais. Em sua família, sempre se deu valor à leitura, embora as artes plásticas fossem a maior paixão de seu pai. Mindlin acredita ter herdado esse gosto pelas artes, mas com foco nos livros: é um grande admirador do aspecto visual e gráfico das publicações, admiração essa que direciona parte das escolhas de sua coleção.


Entre suas obras raras só em raras exceções adquiriu exemplares em mau estado, e esses foram restaurados por sua esposa e grande companheira, Guita Mindlin, falecida em junho do ano passado, após 68 anos de casamento.


Apesar de suas origens judaico-russas, José Mindlin nunca teve um interesse específico por esse tipo literatura. “Eu li os bons autores russos – como Tchekov – não por serem russos, mas por serem bons”. Afinal, nascido e criado aqui, nada mais natural que ele quisesse se aprofundar na pátria que seus pais lhe ofereceram.


Uma grande influência em suas primeiras leituras foi o seu irmão mais velho, Henrique. “Com doze anos eu lia os livros que ele lia com dezesseis, então me tornei um leitor precoce”. Tão precoce que, aos treze anos, começava sua coleção de livros raros adquirindo sua “moedinha número um”, o livro Discurso Sobre a História Universal de Jacob Benigno Bossuet, em edição portuguesa de 1740. Começava aí uma paixão que duraria a vida toda.


Pelo fato de ter se interessado desde cedo por livros, pergunto se ele não era um daqueles garotos introvertidos, isolados, que é caçoado pelos colegas. Ele nega. “Sempre fui muito falador, tinha amigos.” - Mas e quanto às piadas, os garotos não tiravam sarro por seu hábito de colecionar livros? “Bem, isso foi a vida inteira. Até hoje. As pessoas sempre tiram sarro de quem dá tanto valor à leitura”, relembra. Observa, inclusive, como coleções de pintura e obras de arte em geral sempre tiveram mais status do que as bibliotecas. Talvez por isso sua atividade como industrial da Metal Leve tenha parecido algumas vezes mais significativa do que a de bibliófilo.


José Mindlin se formou na Faculde de Direito do Largo de São Francisco na década de 30. Afirma ter aprendido mais literatura do que Direito na faculdade. “Eu me sentava no fundo da classe para ler literatura durante as aulas. Em casa, eu lia as apostilas do curso.” Na faculdade, conheceu também uma outra grande paixão, sua mulher Guita, com quem se casou ainda durante o curso.


Além de advogar, trabalhou como repórter de O Estado de S. Paulo (em 1930, ainda antes da faculdade) e em 1950 fundou, em parceria com colegas, a Metal Leve, pioneira fábrica de pistões. Destacou-se ainda como editor - ajudando a divulgar obras importantes e, em alguns casos, quase esquecidas - Secretário de Cultura de São Paulo e, obviamente, escritor .


Hoje, tem em sua biblioteca cerca de 35 mil títulos, que somam mais de 60 mil volumes (pois muito dos títulos são encontrados em diversas edições, como no caso de Os Lusíadas, de Luis de Camões, cujos diferentes volumes ocupam uma estante inteira). Desses, acredita por sua última estimativa, já ter lido em torno de 8 mil, e que levaria cerca de 300 anos para ler toda a sua biblioteca. “Existe sempre a ilusão de que se vai conseguir ler mais do que na realidade se consegue. Depois vem o desejo de se ter à mão o maior número possível de obras de um autor de quem se gosta.” – explica ele em seu livro de memórias.


Obviamente, sendo um bibliófilo há quase oitenta anos, há décadas escuta que “o livro vai desaparecer”, que vai ser substituído por outras artes ou versões digitais, mas não acredita nisso. “Ao menos, não no quadro que existe hoje. Ainda não existe nada para substituir o livro.” Pelo contrário, ele acredita que as novas tecnologias de publicação ajudam a tornar o livro mais bonito e mais barato. A tecnologia vem a serviço do livro. Ressalta que, hoje em dia, as edições brasileiras são mais caprichadas, mais bonitas do que há cem, cinqüenta anos. “O livro bonito não é necessariamente mais caro que o livro feio, e ajuda a vender” – relembra Mindlin, que aponta que esse pensamento só começou a ser adotado no Brasil à partir da década de 50, quando se retomou um cuidado com o aspecto gráfico do livro.


Mas se é otimista em relação ao presente e futuro do livro impresso, é mais crítico quanto ao futuro das livrarias. Percebe o fim das livrarias menores, mais íntimas, onde se conheciam os livreiros e esses realmente sabiam o que estavam vendendo. Essas lojas pouco a pouco vão sendo engolidas por grandes redes. “Mas isso não acontece só com as livrarias”, aponta. “É o mesmo com pequenas vendas que entregavam em casa e marcavam as contas de seus fregueses, e hoje são substituídas por redes de hipermercados.”

E quanto aos bons escritores, esses pássaros raros que cantam em gaiolas cada vez menores? Eles seriam preservados pelo tempo?

Mindlin, Elisa Nazarian e eu. (Na Disney dos escritores, ele seria quem, o Mickey?)

Em 2004, num debate sobre literatura no Itaú Cultural, o escritor Ignácio de Loyola Brandão respondendo à pergunta sobre “Quais são os bons escritores que estão surgindo hoje” soltou a velha máxima: “O futuro é que dirá. Os bons ficarão”, o que me fez contestar, na ocasião. Agora tenho a oportunidade de inverter a pergunta ao maior colecionador de livros raros do Brasil. Os bons ficam realmente? No seu garimpo por livros raros, não são descobertos muitos ótimos autores que hoje estão esquecidos? Mindlin assente, e explica que muitos ótimos autores não são reeditados por razões comerciais, porque não vendem, acabam sendo esquecidos. Outros por motivos pessoais, por não formarem boas relações no meio editorial, acabam gerando dificuldades em continuar publicando. Se os maus tendem a desaparecer, também não se pode garantir a sobrevida dos bons.


Então este é um pouco do papel de sua biblioteca e do que toda boa biblioteca deve ter. A preservação da memória. Pensando nisso, sua Brasiliana (livros sobre assuntos brasileiros) foi doada para a USP e será transferida para lá em dois anos. Assim ele assegura a continuidade de seu legado.


O próprio José Mindlin também já tem sua imortalidade assegurada. Em maio do ano passado, convidado sem campanha numa quase unanimidade, foi eleito Imortal da Academia Brasileira de Letras.


E como autor? - Mindlin publicou dois belos voulmes contando sua história de vida e sua relação com os livros, registrando também a história por detrás de sua biblioteca. - Como autor, desejaria que suas obras permanecessem acessíveis por anos a fio ou desejaria que se tornassem elas próprias obras raras, cobiçadas por colecionadores?


“As duas coisas. Quero que estejam sempre disponíveis em edições atuais” (holográficas, brinco eu )“mas que sua primeira edição seja cobiçada como uma obra rara” – sorri.

Eu, como ave tropical, também não poderia querer outra coisa.

(Texto publicado originalmente na revista Joyce Pascowitch, fevereiro de 2007. É bom eu desenterrar essas matérias antigas, porque este blog está precisando de mais atualização, embora eu ache que você nem lê direito, que você só olha as fotos...)

21/09/2008

ZUMBIS INVISÍVEIS



Gostei bem de “Ensaio Sobre a Cegueira”. Achei bonito, meio insano, embora tenha algumas coisas que me incomodem.

Não tinha lido o livro. Mas acho que a idéia básica é algo bem arquetípico, o confronto da teoria do bom selvagem. Tira-se um pilar de organização da nossa sociedade (no caso, a visão) e qual se torna a nova configuração? Repetem-se as estruturas de poder, de dominação? Ou a sociedade tem uma nova chance de corrigir seus erros e se tornar mais humana?

Essa discussão está presente em livros como “O Senhor das Moscas” (com crianças perdidas numa ilha deserta, organizando sua hierarquia), “A Revolução dos Bichos” (com os animais repetindo estruturas humanas de poder) e até nos bons filmes de zumbi. Aliás, “Ensaio Sobre a Cegueira” me lembrou bem filmes como “Extermínio” e “Madrugada dos Mortos”, não só pela formação dos grupos, a visão apocalíptica das cidades, mas pela própria animalização do homem. Os cegos de Fernando Meirelles são uma espécie de zumbis.

Também me lembrou do último Shyamalan, “Fim dos Tempos”, principalmente no desenvolvimento progressivo do apocalipse, e na sua regressão repentina. Mas o filme do Shymalan é uma bomba, risível de tão caricatural.

Aliás, o que me incomoda no filme de Meirelles também são algumas atuações, ou talvez a direção de atores. Fica num registro absurdo um pouco bizarro... bizarro talvez no questionável, questionável talvez por não ser inteiramente sério, mas também passar longe da sátira. De qualquer forma, é um filme bem forte, bonito, que cutuca e incomoda.

Saímos do cinema eu, Fábio e meu amigo Charly Braun, todos meio como zumbis, tateando perdidos pelo shopping fechado.

Agora quero ver o remake de “Funny Games”. Mas revi a versão original há poucas semanas, daí me deu preguiça (principalmente por saber que é uma refilmagem quadro a quadro).

As novidades em geral na minha vida estão escassas. Ando bem trancado em casa, fazendo leitura crítica para algumas editoras, terminando a tradução de um juvenil, formatando projetos paralelos. Minha vida literária anda bem burocrática – revendo contratos, fechando propostas, revisando textos antigos. Quando eu puder dar novidades do livro novo, dou aqui. Por enquanto, tem vários contos saindo em antologias mundo a fora, e eu até tenho me perdido no que já foi publicado.

Esta semana recebi a antologia lançada em portugal pela Pitanga, de micro-contos de autores de língua portuguesa. Embora eu seja meio avesso a esse formato, meu conto acabou sendo o mais micro da antologia: “Esqueça a poesia, chame a polícia.” (só isso, esse é o conto). Acho que eu pensei que havia uma limitação de caracteres e me baseei no mínimo. Mas há coisas de um parágrafo, dois parágrafos na antologia. E autores bacanas.

Ah...


Tenho pensado mesmo que a “paz é melhor do que a felicidade”, embora esse seja um pensamento meio melancólico, talvez até depressivo. Nesta semana, entrevistei uma “celebridade” para uma revista, e fiquei com inveja de mim mesmo, neste frio, com a possibilidade de viver trancado em casa, trabalhando escondido.


Não quero mais ter vontades...


Sinto-me como a formiga no inverno. Mas sei que quando o verão voltar, vou querer é ser cigarra...

13/09/2008

O FILHO IMPERFEITO

Os olhos... ela puxou do pai (foto: Sally Mann)




Hoje não foi de sangue...





Me derramei em esperma e fui internado num hospital para que enfermeiras me sugassem com suas pipetas e buretas e gametas e seringas. Me derramei em esperma. E enquanto repousava sob lençóis brancos, vieram me trazer o resultado.



Sonhei que estava internado. Num hospital, doando esperma para a continuidade da raça. Para cumprir o meu papel, ejacular meus girinos em filhos, no caos inevitável ao que o mundo se derrama. O esforço me exauriu. E sonhei que estava internado, num hospital, esperando me recuperar de uma doação exagerada, que já trazia frutos imediatos.



Fiquei esperando no quarto, para ver o que trariam até mim.



A enfermeira me trouxe embrulhada uma linda menininha de olhos azuis. Loira, de olhos azuis. Seriam meus? Ruivo eu nasci, derramado em vermelho. Loira, de olhos azuis. Seria minha? A menina já me olhava sorrindo. E me chamava de “papai”.

Aí houve a chance de eu contestar...



Não importa que a menina já estivesse crescida. Não importa que de girino em sapo e de sapo em menina minha filha crescera enquanto eu dormia. O problema era: como ela me reconhecia?

“Esta criança foi treinada para chamar de ‘papai’ qualquer homem que a pegar no colo”, protestei . E imaginei que a menina rodasse todos os quartos, todos os pais, todos aqueles que haviam se derramado, para que a reconhecessem como filha, depois seria levada. “Você sabe, não podemos revelar a identidade da mãe, nem o destino da criança. Apresentamos a menina ao pai apenas para ele ter certeza de que sua função foi cumprida.”

Cumpri minha função com uma filha de olhos azuis.

Era isso que as enfermeiras queriam que todos os pais pensassem. Era esse ideal que o hospital propagava. Todos os pais repousando, satisfeitos. Todos os pais de uma filha - uma única filha - perfeita...




(Sally Mann)

Quero meu filho hidrocefálico – revindiquei. Quero meu bebê desdentado. Quero reconhecer nele meus defeitos – o meu drama – quero vê-lo chorando e sofrendo. Quero um filho só meu - meu filho único. Quero meu fruto imperfeito.


(Sally Mann)




Apenas a levaram de mim. Se eu não podia gerar uma filha perfeita, não estava preparado para ser pai.


Nunca vou ser pai, sonhei.



Acordei com a sensação de que fiz o que pude. Acordei em lençóis limpos, secos, imaculados. Não quero ser responsabilizado.

Crianças produzem gases. Crianças poluem o mundo. Crianças cutucam com os dedos melados a camada de ozônio.

Não posso fugir de ser irresponsável.
Filhos perfeitos são aqueles que crescem castrados.

Ou para ser mais óbvio: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria." (Cutucando Machado com meus dedos melados...)


...foi só um sonho.








A filha imperfeita.


(Deus do céu, estou escutando Paul McCartney. O que anda errado comigo?)

07/09/2008

O KITSCH E O EXAGERO ENTRE OS ELEITOS


Mr. 1839? (Liszt por Ingres)


Esta semana fui ver a bela Hallé Orchestra de Manchester, na Sala São Paulo, com a jovem solista russa Polina Leschenko, no piano. Impressionante. Uma menina novinha e magrinha que perfurou meu coração com os dedos.

Toca Raul!

Primeira vez que ouço o 1º Concerto do Liszt ao vivo. Parece um hino do período romântico: a orquestra entra e Liszt entra atrás, arrastando o piano e derrubando tudo junto. Liszt sempre foi meu favorito – não só pelos cabelos compridos, ok? – mas por todo o exagero, o virtuosismo e, claro, pela mítica, um artista romântico para chamar de seu (ou de meu). Já li 3 biografias sobre ele. Foi o maior artista/pianista de sua época, e um dos primeiros a ascender como uma figura pop, não só pelo talento, mas também pelo marketing, pela beleza, por ser um personagem vivo da própria arte.

Até hoje alguns criticam seus exageros. Falam que é um compositor menor (não apenas em relações a mestres como Beethoven e Mozart, mas também contemporâneos como Chopin), pois suas composições existiam apenas para ressaltar seu virtuosismo como pianista. Suas transcrições para o piano de obras para orquestra de outros compositores (como Saint-Saens e Berlioz) são até cômicas nesse sentido. Mas assim que é bom. Assim que eu gosto. Assim que eu quero. E se um compositor “menor” pode influenciar, mais de cem anos depois, um adolescente a tocar piano, e até mesmo a escrever, (como foi meu caso) eu também quero ser um artista menor.

Até hoje Liszt é uma referência e uma influência para o que eu quero fazer.

Pedante, eu?

Ah... Na verdade era só uma introdução cult para dizer que esta semana também fui assistir ao MR. GAY BRASIL. Divertidíssimo. É aquilo que você espera de um concurso de Miss – o kitsch e o camp – só que com menos glamur (claro) e mais escrachação (oba!).



Tinha de tudo entre os candidatos. Não ficou só entre os esteriótipos de um concurso desses – morenos bombadões. Quem ganhou até foi um cacheadinho com padrão de beleza fashion, o Mr. Goiânia. Lindo. Achei que o segundo lugar – Mr. Rio de Janeiro – era o que tinha mais padrão do concurso, não só por ser uma beleza de "Mister", mas por falar bem e ter postura de “representante da classe”. Já o meu favorito pessoal foi o terceiro lugar, Mr. Floripa, que era um surfistinha serelepe.


Marcos Grabovski, o vencedor. Gostei.


O evento em si foi bem improvisado, com Leão Lobo como mestre de cerimônias, vestindo “roupa de faxina” e sem saber muito bem o que fazer no palco. As apresentações musicais também foram aquele clichê bisonho (“It´s Raining Men”, na voz de Ana Gelinskas) e os meninos não fizeram muita coisa além de desfilar de sunga, de roupa e responder umas parcas perguntas. Acho que eles podiam ter falado mais, podia ter um teste de conhecimentos gerais, ou ao menos perguntar qual deles lia “O Pequeno Príncipe”. Sem dúvida o mais divertido foram as intervenções da drag Silvetty Montilla. E a melhor frase da noite foi do Mr. Gay do ano passado: "Depois que ganhei o concurso, minha vida virou de pernas pro ar..."

Enfim, uma noite bem gay, como tem de ser.


Acho bacana o concurso. Acho bacana que haja Miss Gay (de travecas) e Mr. Gay (de rapazinhos). Acho legal que os meninos se assumam, apareçam, mostrem como são bonitos, como são divertidos e – por que não?- como são kitsches. Muitos deles também tinham um discurso politizado (meio decorado no piloto-automático, mas ok) sobre projetos de leis, união civil, criminilização da homofobia. São leis básicas que – ao meu ver – não tinham nem de ser discutidas. Acho um absurdo que evangélicos e organizações religiosas em geral lutem contra. O assunto não diz respeito a eles, eles não têm nada a ver com isso, não deviam nem ter direito de opinar. São leis básicas que só exigem direitos iguais aos que heterossexuais têm, e os heterossexuais não perdem nada com isso.

Essas são provas básicas de que, apesar de muita gente achar que a homossexualidade já está bem aceita ou até "está na moda", a coisa não é bem assim. E é preciso que os homossexuais não apenas dêem "O" exemplo, mas que dêem "exemplos", no plural. Que se assumam plenamente.

Acho estranho, por exemplo, que os homossexuais assumidos não tenham uma sexualidade assumida. Um homem pode falar de mulher, pode dizer quantas pegou, pode dizer publicamente que acha gatas tais e tais, que é uma mostra de virilidade. Para um gay, assumir a mesma coisa é uma mostra de fraqueza. E se o gay assume interesse por outro homem só pode ser na posição PASSIVA.

Por que não se pode dizer, eu COMERIA o Rodrigo Santoro?

(Bem, ele, definitivamente, eu não comeria, mas o Mr. Goiânia... ou o Mr. Floripa...)

Também acho ridículo algumas declarações enrustidas do tipo: "não quero me rotular" ou "eu gosto de gente, independentemente do sexo." Isso é mentira - covardia e subterfúgio para não se assumir. Acredito na bissexualidade, sim, mas não é o caso da maior parte que vemos aí. Eu já namorei meninas. Já transei com meninas. Transo com meninas raramente, e nem acho impossível eu voltar a namorar uma. De qualquer forma, não me considero bissexual por isso, porque tenho consciência das minhas preferências, sei o lado para qual o meu olhar está voltado primordialmente, o resto são acidentes e exceções.

Então acho que esses eventos de exposição são importantes, para tornar a coisa normal. Para banalizar a coisa, que seja, porque deveria ser banal. Claro que também não acho que "sexualidade é apenas o que acontece entre quatro paredes", isso não é verdade. A sexualidade de uma pessoa se reflete na vida toda dela, nas escolhas, nos modos, nas amizades. Mas isso não se restringe a homo e hetero, tem desdobramentos diferentes para quem gosta de gordas ou magras, de velhos ou novos, de sexo carinhoso ou selvagem, que é adepto do sadomasoquismo ou da zoofilia. A sexualidade é uma questão individual, reflexo do que o indivíduo é, e do que ele se torna por causa dela. E é fundamental que seja respeitada, desde que não interfira na sexualidade alheia, com direitos básicos - até porque não é uma escolha.

Enfim, acho que eventos como o Mr. Gay tem a dose certa de politização e divertimento, porque também não dá para vestir uma máscara sisuda e fingir que é tudo muito sério e que não há espaço para risada e auto-paródia. E, como bem disse o Mister eleito, tem de haver espaço pras pintosas, pras travecas, pros bofões e todo o resto.

Marcelino e Fábio.

Fomos eu, Fábio e o Marcelino – que já está acostumado com meus programas esdrúxulos. Até num forró gay, no Recife, já levei ele.

E nós dois.

Agora vou aproveitar que é domingo, que o Fábio está aqui, que a faxineira não veio esta semana e vamos cair na faxina ao som de divas. Começando, claro, com Rocio Jurado.







Madonna, você sabe, eu sou contra.

02/09/2008

THE BOOK IS ON THE TABLE










“A importância da cidade, da violência e da internet nos novos romances, crônicas e contos é avaliada por Beatriz Resende em Contemporâneos (Casa da Palavra, 176 pp., R$ 32). No livro, a autora analisa a obra de escritores como Bernardo Carvalho, Daniel Galera, Cecília Giannetti, Ana Paula Maia, Santiago Nazarian, Joca Terron, Marçal Aquino, Marcelino Freire e até a de autores bissextos, caso do editor Luiz Schwarcz.” Bacana, mas ainda não tenho o livro aqui. A Casa da Palavra não vai me mandar? A Beatriz Resende não vai me mandar? Eu quero. Tenho certo medo. Se bem que ela sempre me deu força. Inclusive foi uma das juradas do prêmio que me revelou, o Fundação Conrado Wessel. Eu quero.




Falando em premiação, ainda dá pra você participar do Prêmio Sesc de Literatura. É um prêmio bem bacana, que começou há pouco tempo, mas tem revelado ótimos autores, que estão repercutindo no meio literário (como o Maurício de Almeida, ao lado) e são publicados com a edição caprichada da Record. Só podem participar autores inéditos (não-publicados) e não é um edital de incentivo, é um prêmio de publicação, então você precisa ter o livro pronto. As inscrições foram prorrogadas até 15 de setembro, mas se você nem começou seu livro, esquece (aliás, se não terminou ainda, vai ter de se puxar). Você pode ver o regulamento aqui: http://www.sesc.com.br/main.asp Depois não diga que eu não avisei. Depois não venha me perguntar como faz para publicar seu primeiro livro. Se você confia no seu taco, mande.

(E falando em Sesc, também estou com um projeto bem bacana no Pinheiros. Depois te conto.)









Continuando com as edições caprichadas da Record, chegou esta semana aqui o “Siri”, romance juvenil da Rachel Cohn, que eu traduzi. É um juvenil JUVENIL, ou para “jovens adultos”, não para jovens retardados e crianças crescidas. A protagonista é uma menina despirocada, com fogo na periquita, que tem um irmão gay, um pai canalha e um namorado surfistinha. Aliás, o título original é “Shrimp”, que eu sei que significa “camarão”, mas como é o nome do namorado dela – e o cara é todo gatinho de praia – não achei que ficava bem chamá-lo de “camarão”. Siri é mais gostoso pra tirar uma casquinha, fala? E aproveitando o apetite appeal, “Siri” é uma continuação de “Pão-de-Mel”, que eu também traduzi e também já saiu pela Record (Ok, o nome original desse era “Gingerbread”, mas como não há tradução para gingerbread aqui no Brasil, achei que pão-de mel cabia melhor, vai?).



Falando em juvenis, tenho lido coisas bem legais, inclusive traduzindo um pra Ática. (Eu mesmo estou começando um projeto de um juvenil vamos ver...) Também tenho lido uma porção de livros – juvenis ou não – como leitura crítica para três editoras. Então está ficando difícil a leitura “de lazer”. Mas descobri algumas coisas bem bacanas recentemente:








“Reviravolta”, romance de Gustavo Bernardo (que eu não conheço, nem nunca tinha ouvido falar). É uma coisa estranhíssima sobre dois irmãos com o mesmo nome, que nascem e crescem numa única noite. Lindo, lírico, poético e bisonho. Foi lançado ano passado pela Rocco, e é um absurdo que não esteja na lista do Jabuti, Portugal Telecom ou whatever deste ano.



(Falando em Jabutis e juvenis, a querida Índigo está concorrendo com seu "Maldição da Moleira. Beleza. Aliás estão se ampliando os prêmios literários, alguns com prestígio, outros com dinheiro. Eu que há dois anos nada publico, nada ganho, fico pensando em formas sórdidas de ficar rico.)

Mas continuando com o que tenho lido:







“Campo de Estrelas” do Thales Guaracy (que eu também não conhecia). É bem bonito e gostoso de ler. Mistura de road-book na “América Latina profunda” e romance existencialista. Publicado pela Globo.












E tem a Antologia “M(ai)S” (Ai! Como odeio esses títulos impronunciáveis!) de literatura sadomasoquista, organizada pelo Antônio Vicente Pietroforte e o Glauco Mattoso. É bem bacana. Tem coisas levinhas e divertidas, tem coisas pesadas e escabrosas, mas todas com critério literário. Vai de autores canônicos como Machado de Assis e João do Rio (que é um dos meus favoritos) a gente contemporânea (Ivana, Trevisan, Marcelino) e autores inéditos (como o pitéu Gustavo Vinagre).


Falando em antologias fiquei sabendo que saiu em Portugal uma antologia de micro-contos em que eu participo. Teve até um lançamento aqui em SP, mas eu não fui porque tenho vergonha de assumir que escrevi um micro-conto. Mas quero o livro. Ninguém vai me mandar?

Quanto à pergunta que não quer calar...











E o meu livro novo? E o meu livro novo? Você me pergunta. Eu me pergunto. O mundo pergunta e Lula fala sobre isso no discurso, e Obama promete me ajudar, e a terra se abre e o furacão ruge e o tempo urge e ainda não sei de nada. A editora não me diz. Mas digo que é capaz de sair antes em Portugal. Então quando tiver uma ediçãozinha em português aqui nas minhas mãos - brasileira ou lusitana - aviso a todos, sorteio aqui no blog, nas comunidades do Orkut, derrubo a lei do Kassab para anunciar em outdoor.


E quer saber como vale a pena protestar? Quer ver como adianta reclamar? Posso mostrar como é melhor não ficar quieto?








Olha aí, meu Ray-Ban novo, chegou! Depois que reclamei aqui (e vários outros escritores reclamaram por email), eles mandaram. Acha que ficou bem em mim? Acho que sim. Mas confesso que não consigo usar óculos – nem claros nem escuros – me incomoda, obstrui os meus olhos de raposa. Oh!









Agora sim!





(Putz, a formatação deste post está uma zona...)

NESTE SÁBADO!