22/10/2010

LOST IN TRANSLATION

Tóquio.


Certo dia surgiu na floresta uma árvore de frutas incomuns, mais saborosas do que qualquer outra, mas para comê-las era preciso saber e dizer o nome delas em voz alta.

O Deus Tupã veio a cada um dos animais e disse o nome da fruta: Muçá-muçá-muçá muçá gambira muçá uê - nome que não era dos mais fáceis de se lembrar.

Então lá foi o quati até a árvore, comer a fruta, cantando pelo caminho o nome dela: "Muçá-muçá-muçá muçá gambira muçá uê."

No meio do caminho encontrou uma bruxa, que perguntou: "Meu bom quati, aonde está indo?"

"Estou indo comer a fruta Muçá-muçá-muçá muçá gambira muçá uê."

"Ahhhh," disse a bruxa, "já provei da muçamba muçarinda, uma delícia!"

"Não, não," disse o quati, "o nome é Muçá-muçá-muçá muçá gambira..."

"Sim, sim," reafirmou a bruxa, "a muça muçuarinda muçangaba."

E assim o quati esqueceu o nome da fruta e voltou de bucho vazio.

A história continua com o papagaio, a lesma, o bicho da seda e mais uma porrada de animais. Sempre a bruxa aparece, embaralha os nomes e o bicho acaba se confundindo. Se não me engano, só o Jabuti consegue se fixar ao nome da fruta e viver empapuçado para sempre.

Essa é uma lenda indígena que ilustra minha chegada aqui ao Japão.

No clássico cruzamento.


Estou em Shimo-kitazawa, oeste de Tóquio, na casa do queridíssimo Cesar. Ele mora aqui há quase cinco anos, fala bem japonês e tem me ciceroneado pela cidade. Ontem ele foi para a faculdade e eu me vi sozinho no Japão...


Meu finlandês melhorou instantaneamente.

No Japão você não consegue ler o nome das lojas, das comidas, entender uma palavra do que estão falando. Pode se tentar guiar pelo que está indicado em letras românicas – que não é muita coisa - nomes de estações, bairros; mas aos poucos tudo parece Muçá-muçá-muçá muçá gambira muçá uê.

Queria ir para Shibuya, fui para Shinjuko. Tinha de voltar para Shimo-kitazawa, ou era Shimura-sakaue, ou Sintomicho? Ou Kojimachi?

Você não tem referências, conexões, nada faz sentido e tudo parece... japonês.

Basicamente, passei o dia de ontem perdido pelas ruas, procurando estações de metrô, tentando voltar para casa.

Vir ao Japão é como nascer de novo; você perde a noção das coisas mais básicas – não só da língua, mas dos costumes, cultura, como se portar, quando tirar os sapatos...

Não consigo nem entender os caracteres da máquina de lavar do Cesar.

No final da tarde, ontem, fomos na academia – a KONAMI, da mesma empresa que faz a série de videogame Castlevania – o rapazinho da recepção pediu para eu “esconder as tatuagens,” porque aqui tatuagem é uma coisa da Yakuza. Não me abalei e continuei treinando de regata – até porque a academia era um forno pelo aquecimento.



Essas foram minhas primeiras impressões, minhas primeiras experiências. Vou ficar aqui duas semanas, então talvez com o tempo eu consiga me situar melhor, embora ache que eu precisaria de uma vida toda para entender esse lugar.

Bom estar com um ocidental que entende não só a língua mas a cultura, tem um ótimo repertório, uma sintonia comigo. E eu conheço bem... sei que não vai virar psycho como o falecido polonês.
Ainda morro atropelado aqui.

Ontem fomos de noite a Shimbuya, de bicicleta, comemos, bebemos e passeamos no parque de madrugada.


Primeiro prato mezzo-bizarro daqui: jambalaya de enguia. Gorduroso pra caralho.


ENTÂO VOCÊ SE CONSIDERA ESCRITOR?

Então você se considera escritor? (Trago questões, não trago respostas...) Eu sempre vejo com certo cinismo, quando alguém coloca: fulan...