ALL TYPE
"O que você escreve?" Me pergunta todo mundo que nunca me leu. É difícil explicar. Comecei a publicar razoavelmente cedo, e essa pergunta traduzia a desconfiança de "é um escritor de verdade? Publicado? Ou tem apenas um blog?" Ser um jovem de vinte e poucos, tatuado, também não inspirava confiança. Não era essa imagem que se fazia de um escritor. Mas eu dizia com orgulho que tinha um, dois, três romances publicados...
Dez anos depois, já estou na meia idade. E os cabelos compridos, as tatuagens, vejam só, parecem hoje me dar mais credenciais. Um homem já formado, com esse visual, algum tipo de artista deve ser...
O orgulho de dizer "sou escritor" - com cinco, seis livros publicados - já não é igual. Talvez fosse mais saboroso poder dizer que eu era um escritor tão jovem. Talvez eu esperasse que a literatura me levasse mais longe, que a literatura fosse mais longe, que a literatura realmente importasse. Mas tenho a nítida impressão de que a literatura hoje tem muito menos importância do que dez anos atrás...
"Sobre o que você escreve?"
Respondo: "Ah, coisas com jacarés assassinos e zumbis..." - quase como se me desculpasse. Não é literatura séria. Sou meio propenso a dizer que faço literatura de terror. Não faço literatura de terror. É meio difícil explicar. E já estou na idade de "escrever coisas sérias", eu deveria escrever como "um homem sério". Escrevo apenas como eu mesmo; e pode ser orgulho ou vergonha, depende de quem lê...
Os cinco, seis livros publicados são uma credencial. Mas também começam a ser "livros demais." Cada novo livro publicado passa a ser "mais um." De quantos de seus autores prediletos você já leu toda a obra?
"Sou fã do que você escreve," escuto muito de quem leu Feriado de Mim Mesmo, Mastigando Humanos, talvez apenas este blog. Não dá para acreditar que o mundo esteja ansioso por mais um romance meu... (Procure Olívio nos sebos, que você ainda não leu.)
Mas o que faz um escritor? Escreve. Então entendo que não estejam dispostos a ler, mas não entendo quem me acusa de escrever demais. Um escritor escreve. Eu sempre tenho de estar escrevendo. Se eu não estou convivendo diariamente com um personagem, numa história, me sinto mais perdido, sozinho, inútil. Por isso acho que vou sempre escrever, mesmo se nunca mais publicar...
Um bestseller dá o que o público quer ler; um grande autor dá o que quer que o público leia. Eu não escrevo para mim mesmo, nunca escrevo para mim mesmo, sempre penso num público alvo, o que ele precisa ouvir, o que eu quero dizer, como quero seduzir, agredir, assustar. Então é preciso acreditar que fará alguma diferença - mais um, mais uma vez, mais uma tentativa - que afetará alguém. Não posso me queixar (tanto), tenho meu público, mesmo que para ele um novo romance seja apenas mais um...
"Sozinho aí nesse frio, deve ser ótimo para escrever." É o que mais escutei dos amigos nesses tempos. E pode ser. Mas a verdade é que passei os últimos 3 meses em duelos mentais e ideológicos comigo mesmo, com histórias fermentando, sem motivação para contá-las.
Não me faltam histórias, nunca me faltam histórias, mas é o velho clichê de que "um livro não é feito de ideias, mas de palavras." Nos últimos anos, tenho criado enredos inteiros só na cabeça, rascunhado no papel. E mesmo tendo uma história inteira, sei que ela só dará um livro quando eu encontro o personagem, alguém com quem eu quero conversar, conviver, ser. O personagem é meu veículo para a história acontecer. E se eu não encontrar essa pessoa, não vou conseguir fazer a história se materializar.
Eu também não escrevo o que eu quero, escrevo o que eu preciso escrever. Dúvidas e frustrações entram numa história que, antes de chegar ao papel, era muito mais idealizada. O importante para mim, hoje, é ter de ponto de partida um bom personagem, e uma boa história.
Sim, agora comecei um novo romance. Estou trabalhando em mais um romance linear. Absolutamente linear. Queria (mais uma) narrativa litorânea e fantasiosa, mas um novo romance urbano é o que está por vir. Eu não trabalhei sempre assim - nos primeiros quatro romances eu fui descobrindo a história conforme escrevia - mas nos últimos anos têm sido mais gostoso e confortável trabalhar no texto depois que toda a história já está lá.
Dessa forma, estou escrevendo um romance linear de forma fragmentada, talvez de maneira semelhante a que se rode um filme. Tenho vários capítulos abertos. Começo um antes de terminar o outro. Salto várias páginas, para depois retornar. O Prédio, o Tédio e o Menino Cego também foi escrito assim. (A Morte Sem Nome foi escrito assim, mas porque é um romance fragmentado, e eu apenas escolhia "uma forma de suicídio" para trabalhar a cada dia, depois é que pensei em como ordenar o romance.) Acho que isso dá mais liberdade para você falar o que precisa falar a cada dia, trabalhar no ponto da narrativa que, hoje, tem mais a ver com seu estado de espírito. Até porque, hoje eu sinto que, como "escritor profissional", que tem "uma história para contar", meu estado de espírito se comunica cada vez menos com o que eu escrevo. O que importa é a história e o personagem.
Editar é um grande exercício ao autor - até porque, hoje em dia praticamente não existe mais a figura do editor no Brasil, aquele que sugere alterações na trama, cortes no texto. Eu NUNCA tive isso em nenhum dos meus livros. Isso tem seu lado bom e seu lado ruim.
Editar também tem muito de edição de cinema, onde uma cena acaba, onde começa a outra. O que não precisa ser dito. Aonde você pode cortar. Feriado de Mim Mesmo foi muito pensado assim; a linearidade absoluta é interrompida no livro sempre que o personagem dorme ou sai de casa (e todo capítulo seguinte começa com ele acordando ou voltando da rua - até porque eu não queria nenhuma cena externa). Em Pornô Fantasma (a novelinha contida no Pornofantasma) eu me baseei mais na edição de videogames, isso inclusive é dito textualmente. Level 2: Hotel. Level 3: Confeitaria. Faltaram os chefes de fase. Na verdade, essa edição em cenários (e a idéia do pai buscando pelo filho/filha) veio do Silent Hill clássico para Playstation (que também é citado no texto).
O novo romance vai por outra linha. E ainda é muito cedo para dizer qualquer coisa mais. Mais do que satisfazer leitores ansiosos por um novo livro, esse post é mais uma reflexão, ou uma pequena oficina, para tanta gente que me pergunta "como é que se escreve um livro", "você tem toda a ideia pronta de antemão?" Essas não são fórmulas, apenas possibilidades. E estou achando que este texto ficou chato pra caralho.