18/01/2012

OS LIVROS DO ANO

Bons leitores não formam (necessariamente) bons escritores. Para escapar do repertório lido, e criar algo novo, é preciso algo mais. Mas um mau leitor também não tem por quê escrever, e cada vez mais me pergunto por quê...

Tem sido difícil engrenar em boas leituras. Eu não tenho dó, ah, eu não tenho dó. E largo grande parte dos livros no meio, no começo, ou mesmo perto do fim. Por isso é bom os períodos que sou soterrado (por editoras) em leituras críticas, sou obrigado a ser fiel ao livro, acabo recuperando o prazer de ler em si, e ainda sou pago para isso.

Mas agora não sou pago para isso.

Vim para a Europa com um estoque bem limitado de livros. Ainda não me adaptei aos e-readers, e livro pesa, pesa, ocupa espaço. Em São Paulo tenho toda uma biblioteca, e os livros continuam chegando sem esforço. Aqui, estou tendo de recorrer à livraria Academica, no centro, que tem uma seção boa seção de literatura em inglês – e os paperbacks por volta de 10 euros, veja, saem mais barato do que os livros nacionais no Brasil. O problema é que eu não sei escolher...

Já falei muito sobre as prateleiras intransponíveis, como é difícil saber o que há em cada livro, por trás de uma lombada, qual será aquele que tem a ver com você. Nenhum tem a ver comigo. Escolho errado. Volto com uma pilha de mau gosto para casa.

O primeiro livro de 2012 foi Luke and Jon, um “romance de formação” de estreia do britânico Robert William, esse eu consegui ler até o fim. É um livro bonitinho, da amizade entre dois meninos meio losers numa cidadezinha rural. Bonitinho, eficiente, mas nada de novo, nada de memorável. Um livro “bonzinho” demais, que não ofende ninguém. Não me empolgou.

Swamplandia - outro romance de estreia, da americana Karen Russel – prometia (ao menos para mim), ambientado naqueles parques de jacarés da Flórida. Achei que não tinha como eu não gostar. Mas não consegui terminar. Achei meio... livro de mulherzinha.

Luka and the Fire of Life é o elogiado romance de Salman Rushdie, que há tempos eu queria ler, por todo o tom de fábula e ter uma influência forte dos videogames. Mas na prática achei apenas... infantil. E com essa “fantasia mitológica” que me aborrece. Não consegui terminar.

Achei que The Mammoth Book of Best New Horror (de 2010) fosse ao menor ser divertido. Mas quando comecei a ler percebi meu erro: “best NEW horror”, de 2010, ou seja, é um volume publicado anualmente, trazendo os melhores NOVOS autores do ano. Não é possível que todo ano surjam tantos novos bons autores de terror. Nem é possível que novos autores sejam lá tão bons. Então pelo que fui notando, saltando entre contos, o livro é uma bangolice de histórias de vampiro e zumbis (“boooo!”), nada perturbadoras de fato. Mas desse eu ainda não desisti, talvez eu ainda consiga encontrar um ou outro conto que preste.

Então lembrei de As Certezas e as Palavras, livro de contos que Carlos Henrique Schroeder me deu em Jaraguá do Sul, e que eu havia trazido na mala. Foi uma boa escolha. Não só porque eu estava precisando ler algo em português do Brasil, mas porque me trouxe de volta Santa Catarina. Schroeder é autor catarinense e batalhador da cena literária por lá (ele que organiza o Festival Nacional do Conto, de que participei ano passado). Apesar de estar longe de poder ser considerado um livro “regionalista”, em vários contos se nota esse Brasil tão peculiar (e tão pouco visto na grande mídia, na grande literatura) que está muito mais inserido num contexto de América Latina, pela proximidade e intercâmbio com o Uruguai, com a Argentina. Finalmente, esse eu gostei bem, e eu até poderia dizer que me trouxe uma nostalgia do que eu não vivi, mas... eu já vivi. É, agora eu posso dizer que já vivi, e talvez esse Brasil me inspire e preencha meu universo interno muito mais do que... sei lá, minha infância paulistana nos Jardins?

“Ela tem os olhos mais belos que já vi (verdes ou azuis ou verdes-azuis, como ela prefere), embora agora não possa vê-los (pois é noite e na beira deste rio não há luzes), eu sei que ela me olha (ou tenta). Está frio e estamos molhados, mas de mãos dadas.” – de As Certezas e as Palavras, de Carlos Henrique Schroeder.

Universo interno... regionalismos... Me fez pensar também nos posts mais recentes do blog do Marcelino. Ele é um cronista afiado e tem comentado de forma lírica das pedras do crack no meio do caminho aos estupros do Pedro Bial – e eu com isso? E eu com isso, me pergunto, principalmente ao ler coisas como essas:

"Escrever ou não escrever? É pouco o que eu escrevo. Diante do que li hoje na Folha de S. Paulo. Em reportagem sobre a Cracolândia. Se tivesse sido eu o autor das frases. Ali faladas. Diriam com certeza. Como esse escritor viaja. Cachimba-se na maionese. Pega pesado. Tipo. Quando alguns de meus personagens soltam a língua. Esbravejam. Defendem seu lar. Custe o que custar. Brigam por um sofá. Uma mobília. Pedem disciplina. Respeito. Tratam bem suas visitas. Quer um pouco de Coca? A gente tem. Umildemente. Tem. Ah. Meu caro. A ficção é que não está com nada. Diante da fala do povo. Morto. Zumbis zangados. Expulsos de suas moradas. Covas rasas. Porém honestas. A ficção dá pena.” de Shakespeare na Cracolândia, do blog do Marcelino, Ossos do Ofídio - http://marcelinofreire.wordpress.com/

Concordo. A ficção dá pena. Concordo. A ficção está com nada. E fico pensando o que resta, então, a mim, como ficcionista. Eu, que sempre acreditei na ficção pura, percebo que nem é isso o que se espera de um escritor. A mágica de criar do nada, dar a luz ao que não existe, mostrar o que não há, não interessa mais a ninguém… Espera-se é que o escritor seja um comentarista da realidade, o cronista, que diga com melhores palavras o que todos já sabem.

As pessoas querem ler sobre suas próprias vidas. As pessoas querem se identificar. E minha bandeira, que foi sempre a de trazer a diferença, a estranheza, parece mais o emblema de um alienado.

Por isso eu mato.

Até que se procura, o que se pede, o que se encomenda a um escritor é apenas uma visão mais bem formatada dos tempos atuais. Convida-se o escritor para fazer resenhas, crônicas, análises, entrevistas – o que menos se pede a um autor é para fazer ficção. Ainda espero (e desafio!) pelo dia que serei convidado por algum veículo a ter uma coluna de histórias de ficção semanais.

Sinceramente o que eu tenho sentido é isso, que esse esforço por fazer o novo, por trazer o novo, apresentar ao leitor algo que ele ainda não viu, não é mais, ou nunca foi valorizado.

Mas prefiro morrer (e matar) a comentar o BBB.


NESTE SÁBADO!