13/01/2012

MALDITO EQUILÍBRIO

Life outside is black and white.

A Finlândia é o melhor do mundo para ficar deprimido. E retiro da frase um suposto sarcasmo. A falta de luz realmente deprime; o frio tranca as pessoas em casa; e o temperamento reservado do finlandês favorece a solidão e garante a privacidade.

Jyväskylä.


Mas isso também torna tudo mais fácil, o frio, a reclusão, a privacidade. Digo que é bem mais dramático viver deprimido com os passarinhos cantando na sua janela, o sol entrando pelas frestas, o calor, o barulho, a obrigação de ser feliz, no Brasil. É um terror se arrastar pelo trânsito, é um sufoco conseguir um minuto de silêncio. É triste ser depressivo em São Paulo. Aqui, apenas faz parte da vida. A Finlândia, no inverno, é o melhor lugar do mundo para ficar deprimido.


Aqui não se escuta um pio. No prédio, nas ruas. As pessoas falam baixo, não falam nada. Ninguém fala comigo; eu não entendo nada do que é dito. Quatro horas da tarde já está escuro, oito horas da noite já é madrugada. Num sábado, por exemplo, depois das 18h é difícil encontrar um supermercado, as lojas estão fechadas.


Eu nunca entrei nesse fuso horário. Aqui, mais do que nunca, não tenho horário para nada. Eu nunca preciso acordar. Só depois de me revirar muito na cama decido que não tenho mesmo mais sono e me forço a levantar. Sigo com as traduções. Um texto ou outro encomendado. Nunca me perco nos prazos, mas são basicamente ditados por mim mesmo, são meus próprios trabalhos. É quase uma delícia viver como depressivo, sem ninguém para cobrar.

Dormir é tão difícil quanto acordar. Vou enrolando pela madrugada escrevendo, lendo, assistindo todo tipo de coisa pela Internet. Esta semana assisti o Roda Viva do Eike Batista, do Jô Soares, do Datena. Marília Gabriela entrevistando Danilo Gentili, Danilo Gentili entrevistando Marília Gabriela, os dois episódios de “Mulheres Ricas”. Pois é, são madrugadas longas...

Mas nunca consegui me perder. A rotina eu mesmo me imponho. E é trabalhar todo dia, todo dia academia; e agora voltei a estudar finlandês, só uma vez por semana.


Segundas e quartas pratico “Body Balance”, que apelidei de Bloody Balance, maldito equilíbrio. É algo entre o alongamento e o pilates, mas já está me dando nos nervos. No início, achei hilário o tom de auto-ajuda da instrutora: “Sinta o amor dentro dei si; você é um guerreiro do coração” – agora já não suporto mais, principalmente porque são sempre as mesmas músicas, os mesmos exercícios, na mesma sequência. Será que isso é manter o maldito equilíbrio?

Bem, a vaidade, ao menos, mantém o meu. A vaidade é que salva minha vida. Me tira de casa todos os dias, para a academia. Me resgata das drogas, da bebida. Se não fosse minha vaidade, não sei o que seria da minha vida.

Jyväskylä.

Então este final de semana fui para Jyväskylä, um pouco mais frio, um pouco mais norte. Conheci um leitor brasileiro querido, há algumas semanas, que está estudando aqui, e abusei de um convite cortês aceitando-o de verdade.

Sérgio, novo amigo nesse fim de mundo.

Jyväskyla é uma cidade universitária, há 4 horas de trem de Helsinque. Cidadezinha pequena, sem muito o que fazer, mas bem gostosa para um final de semana. Toda coberta de neve – me lembrou aquela cidadezinha do Alasca do filme 30 Dias de Noite – com paisagens lindas para se andar de bicicleta durante o dia, bares e clubes para a noite.


No cemitério...

Foi ótimo passar um final de semana entre amigos, era o que eu estava precisando. O Sérgio e a namorada dele, Noora, me guiaram pela noite, me apresentaram os amigos. Fomos em barzinhos e clubes bem legais, repletos de estudantes de todas as partes do mundo.

Um autêntico boneco de neve.

O Jere eu deixei para trás, apenas para trás, sem ligar, atender, sem mandar mensagem. Isso, em São Paulo, seria mais fácil. Aqui, me sentia na obrigação de aproveitar ao máximo as possibilidades. Mesmo quando não estava realmente rolando; em São Paulo seria mais fácil. E um relacionamento pode deixar você mais fraco. Aqui, que não conheço ninguém, é fácil me apoiar demais em alguém. Não quero mais. Os relacionamentos, afinal, provam como as pessoas são fracas.

As pessoas são fracas, e sempre precisam de algo ou alguém para se apoiar. Manter o maldito equilíbrio. Ou pílulas para dormir. Pílulas para acordar. Pílulas para ser feliz. Eu entendo bem como é – é tudo uma questão de química, seja pelas drogas, ginástica ou o amor. De manhã (ok, às duas da tarde) a cafeína realmente me ajuda. Álcool também, mas é um equilíbrio bem mais delicado, precisa ser muito bem dosado (e esporádico) ou te mergulha de vez na depressão. É tudo uma questão química, eu sei bem, para mim e para você. Por isso mesmo nunca tive muito respeito por quem se vangloria: “Oh, eu tomo remédios. Oh, eu sou problemático.” Eu me arrasto da cama, e tomo cafeína.

Fazendo anjos na neve. Eu bem que tentei fazer um demônio, com chifres e tudo.

Sérgio e a namorada, Noora.


E está tudo lindo – oh, está tudo lindo. Veja só as fotos, não está tudo lindo? É tudo parte da vida – é disso que estou atrás. A dose, o equilíbrio, a química da vida. Privilégio meu, que posso balancear alterando a luz, o amor a temperatura, enquanto você se gaba de suas conversas no analista.

Com Sérgio e Noora.

Com Noora no "Free Time", clubzinho indie bem bacana em Jyväskylä. Tocou Pulp, Blur, Prodigy, Killers...


Não me entenda mal, estou feliz de estar aqui. E vou sair fortalecido. A Finlândia é o melhor lugar do mundo para se estar depressivo.


O lanchinho da noite é carne de alce.



NESTE SÁBADO!