22/05/2020

A HISTÓRIA DO CORPO

Pelado, tatuado, abandonado e quarentenado. 

Nesse período masturbatório, em que só podemos vasculhar nós mesmos, fiquei pensando nas tantas perguntas que já fizeram sobre minhas tatuagens...

“Mas e se você se arrepender?” “Vai ficar velho cheio de tatuagens?” “Dói?” São das perguntas que mais fazem a quem é tatuado; além, é claro, sobre o significado de cada uma. Então vamos responder algumas.

Talvez alguns saibam que, antes de me tornar escritor, eu toquei numa banda de glam rock e também conquistei certo reconhecimento como performer de body art: fiz fotos e vídeos de auto-mutilação por São Paulo, entre os 18-20 anos, no final dos 90. Chegaram a fazer um documentário, exibido em festivais, saiu em jornais e passou na TV Cultura. Não me envergonho, mas não me orgulho, porque era mais uma experimentação de um jovem trevoso do que tudo... Bem, talvez me orgulhe sim, de ter começado chutando a porta, mas como “obra” estava longe de ser algo consistente...

Primeira matéria no jornal, em 97. 

E nesse clima fiz minha primeira tatuagem aos... 18? Por aí. Também não sei direito qual foi, mas acho que foi umas duas ou três pequenas, na verdade, com a Zuba, que era mais conhecida por fazer piercings (já tinha feito piercing na minha sobrancelha, nariz e dois mamilos – que não tenho mais) e meio que dividimos uma namorada... Coisas dos anos 90...

Com a querida Zuba. 

Dessa primeira leva eu tenho uma formiguinha no peito, que eu adoro como conceito, mas já está bem borrada. Tinha a ver com esse consumo da doçura - acho que era uma despedida da inocência. A Zuba também fez uma serpente em S no meu braço direito que já não tem tanto sentido e já tem o olho quase fechado.

Quando me mudei para Porto Alegre, um ex me mandou um email que me incomodou e comentei com uma colega. Minutos depois, outra colega me pediu para que eu trouxesse um livro sobre a evolução das espécies que eu tinha em casa. Eu anotei um “EX” na mão, para não esquecer, e a primeira colega achou que eu não queria me esquecer do ex. Achei um conceito bacana - ainda acho – e logo em seguida tatuei esse “ex” na mão esquerda (algo que passou, mas que precisa ser lembrado). Sendo esse ser nostálgico, eu ainda gosto da ideia, da tatuagem, mas é algo que chama muito a atenção e é muito chato explicar. (Vê que nem aqui consegui explicar de forma sucinta.)


Bianca e eu com ossos ocos como água de coco. 

Algumas pessoas já fizeram tatuagens de livros/textos meus, tem a capa de “A Morte Sem Nome” na Rebeka, uma leitora querida do Recife, algumas frases em algumas leitoras pontuais (curiosamente, pelo que sei só foram mulheres), assim como tem a Bianca, de Porto Alegre, que fez a mesma tatuagem que eu do “ossos ocos como água de coco”, do Mastigando Humanos, uma tatuagem que adoro porque ressalta meu caráter trevoso, cômico e ensolarado numa imagem só.

Meu lugar favorito no mundo. 

No período em que morei em Florianópolis, fiz com a Magéli Martinez tatuagens bem significativas, como o mapa da ilha (que amo)  e uma tatuagem-piada. Eu via tanto aqueles meninos de 14 anos com o nome da namorada do antebraço, e tanta gente perguntando sobre minhas tatuagens, que tatuei como paródia: D. A. A. M.T.  – que se traduz como “Don´t Ask About My Tattoos” – Não pergunte sobre minhas tatuagens. Talvez o mais correto teria sido” D.N.A.A.M.T”, já que o “don´t é uma contração do “Do Not”, mas enfim, posso tomar como DO Ask About My Tattoos, e minha tatuagem não tem de passar pelo Cambridge...

Com a querida Magéli. 
Na minha temporada na Finlândia fiz meu “veadinho da playboy”, ou “rena”. Tirei a ideia de uma estampa de camisetas e cuecas que eles vendiam na lapônia – comprei várias, uma camiseta tenho até hoje (as cuecas eu gastei...).  Para eles o veado, a rena, o chifre, é um símbolo de virilidade, então significava meio que um comedor finlandês. Gostei do duplo sentido que tinha por aqui e tatuei por lá.


E o tatuador ia preenchendo  o desenho perguntando: "Tem certeza de que não quer um nariz vermelho?"

(Por sinal, lembrei que fiz outra tatuagem na Finlândia, lá em 2002, desenhada por um namorado alemão que eu tinha na época. É uma espinha de peixe na minha nuca/começo da espinha. Eu nunca vejo, então sempre esqueço, mas me dizem que está zoada.)

No lado esquerdo do peito fiz uma em homenagem à minha primeira coelha, pouco antes de ela morrer. O falecido também tem uma igual, no antebraço. Mas a minha não ficou muito boa, infeccionou, teve muito problema de cicatrização – não sei porque, foi a única vez que tive problemas assim – e acabou bem borrada. Decidi mudar de tatuadora. (e de marido.)

Entre o cometa e a coelha. 

Também precisava fazer uma tatuagem pela Armênia, depois da minha viagem e de toda minha pesquisa sobre a história dos meus antepassados. O escudo do brasão tinha a melhor ideia, o monte Ararat (que pude contemplar desde meu quarto de hotel) que é um símbolo dos armênios e uma fronteira. Mas pedi para tirar a arca, para afastar qualquer imagem religiosa. Essa é das mais recentes que fiz com a Luiza Peccin, uma querida com um estúdio na Augusta.  

Essa é do ano passado. 

E com ela também fiz a mais recente, meu diabinho desenhado pela minha sobrinha. Estava com 20 tatuagens, queria ir para o 21-impar (dizem que) e não sabia o que fazer. Quando vi minha sobrinha de 7 anos desenhando um diabo não tive dúvidas: o Diabo visto pelos olhos de uma criança.

Falei para minha sobrinha que quando ela voltasse das férias iria ter uma surpresa para ela.

No meio da semana, minha irmã disse que ela tinha perguntado se eu já tinha deixado algum presente...

Constrangido em dizer que era uma "surpresa", mas não um "presente", até deixei na casa delas um pacote de chocolates da Kopenhagen. Mas expliquei que não era a "surpresa".

Quando minha sobrinha viu a tatuagem, desenhada por ela, ainda fresca em meu braço, com minha irmã ressaltando "Olha, é para sempre é uma prova de amor!" Minha sobrinha deu de ombros e voltou a comer as línguas de gato.


Essa fiz em janeiro. 

Tem várias outras, mas isso já está ficando aburrido pra mim mesmo, imagina pra você...
....


Respondendo às perguntas iniciais: Arrependimento: Zero. Várias tatuagens que eu fiz hoje não têm mais tanto sentido para mim, mas ficam como uma marca da época. A gente vê tanto que perdem um pouco o significado, é como uma pinta na pele – talvez para quem tenha tatuagens mais “comunicativas” – quem tatua um “Homer Simpson”, sei lá -  o arrependimento seja maior, mas para mim não acontece. Já me arrependi um pouco do LUGAR que coloquei algumas tatuagens, porque impossibilitaram de colocar outras que ficariam melhores lá, mas vou resolvendo acrescentando.

Vou ficar velho cheio de tatuagens? Claro que não! Coronavírus chegou!

Sarcasmos à parte, se hoje é (pouco) estranho ver um velho tatuado, não será em breve, porque minha geração toda está se tatuando.

Eu ainda evito tatuagens no rosto e pescoço (embora eu adooooore no pescoço e esteja tentado a fazer),  por causa da resistência que AINDA existe. No final dos 90 me disseram que não podiam me contratar numa escola de inglês porque eu tinha tatuagem na mão; no Japão implicavam bem com minhas tatuagens em lugares como academia de ginástica; sei que ainda tem um peso (mas a gente faz por isso, não?); então me contenho (um pouco).  

Por fim: Dói? No bolso, sim.

Nah, na verdade nem é tão caro se fizer pequenas e chapadas (como as minhas) e não dói muito – depende de onde você for fazer...

Não, não tenho no pau.

Braço esquerdo:  8
Peito: 3
Virilha: 1
Perna Esquerda: 2
Braço Direito: 6
Nuca: 1

MESA

Neste sábado, 15h, na Martins Fontes da Consolação, tenho uma mesa com o querido Ricardo Lisias . Debateremos (e relançaremos) os livros la...